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Pedro Vaz Patto
O Natal não exclui ninguém
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Grande clamor e indignação suscitou a proposta (entretanto retirada) da Comissão Europeia de aconselhar/proibir aos seus funcionários a menção do Natal nos tradicionais votos próprios desta quadra, para desse modo respeitar quem, nas agora multiculturais sociedades europeias, não se reconhece no cristianismo. Uma proposta que nem chegou a ver a luz do dia, mas que foi suficiente para criar em muitos ainda mais desconfiança sobre o rumo que está a tomar o projeto de unidade europeia.

Não muito tempo depois de ter surgido a notícia dessa proposta, numa comissão de que faço parte e onde estão representadas as principais confissões religiosas não cristãs presentes em Portugal, foi espontânea a habitual troca de sudações de “Feliz Natal”, sem que ninguém se tenha sentido ofendido ou desrespeitado, ou sequer a alguém tenha passado pela cabeça substituir a referência ao Natal por uma suposta “festa de inverno”.

É claro que quem hoje vive em Portugal e adere a religiões não cristãs, ou a nenhuma, vive o Natal à sua maneira. Nele não festeja o Deus que, por supremo amor, Se fez menino (um de nós) para nos salvar. Um dirigente muçulmano disse em tempos numa entrevista, para atestar a plena integração da sua comunidade na sociedade portuguesa, que no Natal não festejam o nascimento de Jesus, mas não deixam de comer bacalhau… Mas mais do que essa tradição, os portugueses de todas as religiões celebrarão o Natal como festa da família e a ele associarão uma mensagem de paz e amor. Não ignoram ou esquecem que está no cristianismo a origem dessa mensagem, por muito diluída que essa origem por vezes apareça. Nem deverão ignorar ou esquecer essa origem se verdadeiramente quiserem compreender a sociedade e cultura portuguesas onde pretendem integrar-se, mesmo que ninguém possa pretender que com essa integração abandonem a sua cultura e a sua religião.

Pretender que a harmonia das sociedades europeias onde hoje convivem pessoas de múltiplas culturas e religiões implique o cancelamento das raízes culturais cristãs dessas sociedades, ou seu confinamento à esfera privada, seria dar razão a quem recusa o acolhimento dessas pessoas para preservar tais raízes (se essa convivência exige que cancelemos o Natal, então não queremos essa convivência…). Mas essa pretensão não tem razão de ser.

Pelo contrário, o Papa Francisco, na encíclica Fratelli tutti e em várias ocasiões, tem salientado que as culturas se enriquecem (não que se perdem ou desaparecem) com contributos de outras, porque elas não são estáticas, e é esse o desafio com que se confronta hoje a cultura cristã da Europa. A convivência e o diálogo dos cristãos com pessoas de outras religiões ou convicções também os enriquece, além do mais porque é uma ocasião de darem testemunho da sua fé, sem qualquer pretensão de a impor.

A convivência de pessoas de culturas e religiões diferentes nas sociedades europeias não pode significar o apagamento das tradições que provêm das suas raízes cristãs, porque tal significaria um completo esvaziamento e empobrecimento cultural e espiritual, de que ninguém beneficiaria. Pode, antes, levar a que todos passem a conhecer, respeitar e de algum modo apreciar festividades de outras religiões (aconteceu comigo há pouco tempo, quanto a uma festa judaica para que fui convidado no âmbito da comissão a que acima me referi). E também reconhecer, segundo critérios de razoabilidade, como pretende a Lei da Liberdade Religiosa que nos rege, a possibilidade de dispensa de trabalho em dias dessas festividades quando tal for exigido pelos preceitos da religião em causa. Só assim estaremos perante sociedades verdadeiramente inclusivas. Seria absurdo apagar a presença do cristianismo do espaço público (a sua exclusão) em nome da inclusão de religiões minoritárias.

Quanto ao Natal, poderemos também dizer que a sua mensagem não exclui ninguém. Por algum motivo, passámos a contar o tempo desde o nascimento de Jesus Cristo. Ele marcou, e continuará a marcar, a história da Humanidade. Mesmo quem não reconheça que nesse acontecimento está a incarnação de Deus, nele pode reconhecer uma mensagem de promoção da dignidade humana, de solidariedade com os mais pobres, de valorização da família, de paz, de fraternidade e de esperança (tudo em contraste com o paganismo pré-cristão). Essa é uma mensagem inclusiva que ninguém de bom senso quererá apagar.