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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A vida (não) oculta de Jesus
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Concluído o tempo do Natal, começou agora o tempo comum, que não celebra nenhum particular mistério da vida de Cristo, mas evoca a totalidade da sua vida e missão. De forma particular, este tempo litúrgico remete para a vida de Jesus em Nazaré, quando a sua existência era tão normal que, de facto, nem sequer aos seus conterrâneos era perceptível a sua condição messiânica, que só será manifesta mais tarde, quando começar a realizar milagres, nomeadamente a conversão, em Caná da Galileia, da água em vinho.

Nazaré, embora não fosse a terra natal de Cristo, ficará para sempre unida ao seu nome. Mas, a sua vida nessa pequena cidade não se distinguia da de qualquer outro judeu, daquele tempo e lugar: Jesus vive em família, com Maria e José, como a quase totalidade dos seres humanos. É também nessa povoação da Galileia que Jesus se inicia na vida profissional, primeiramente como aprendiz na oficina de José e, depois, como artesão, talvez até como o principal responsável pela carpintaria do esposo de Maria. Não consta o falecimento de José, mas deve ter acontecido antes das bodas em Caná da Galileia, onde já não aparece. Com efeito, não seria crível que, estando vivo e sendo Jesus e Maria convidados, José o não fosse também.

É verdade que os evangelistas são omissos quanto a este longo período da vida de Jesus em Nazaré. Depois do regresso do Egipto e até ao início da vida pública do Mestre, decorrem quase trinta anos de que, praticamente, nada se sabe, com excepção do episódio de Jesus, então com doze anos, perdido e achado no templo, quando José ainda não tinha morrido.

Por causa deste silêncio, que nada tem de misterioso, houve quem designasse esta etapa inicial da vida do Senhor com a imprópria designação de vida oculta, por oposição à vida pública. Na realidade, embora a sua existência ainda não tivesse transcendência social, nem Jesus fosse conhecido fora de Nazaré, a sua vida nada tinha de oculta, embora fosse tão prosaica que, de facto, não era notícia, nem mereceu a atenção de nenhum dos quatro evangelistas.

Talvez a vida de João Baptista, que vivia no deserto, se vestia de uma forma singular e se alimentava de animais e frutos silvestres, fosse, de facto, oculta. O precursor evitava a vida social, não exercia nenhum ofício e não vivia com a família, possivelmente porque a não tinha: era solteiro e seus pais, Zacarias e Isabel, sendo já de avançada idade quando o seu único filho nasceu, já teriam, certamente, falecido. Neste sentido, a vida penitente de João era, por assim dizer, um sinal a que as congregações religiosas deram continuidade, pois também os religiosos procuram viver uma vida afastada do mundo e que, portanto, é, de certo modo, uma vida oculta. 

Muito diferente era, contudo, a vida de Jesus em Nazaré, porque pautada pela naturalidade e pela secularidade da sua vida familiar e profissional. De facto, quem vive numa pequena povoação, como era na altura Nazaré, não só está em permanente relação com os seus conterrâneos, como com eles está obrigado a interagir continuamente: por razão do seu ofício, Jesus tinha que atender quantos requeriam o seu trabalho.

Que assim era, de facto, é dito pelos evangelistas, precisamente quando referem o regresso de Jesus à sua terra, quando já era uma personagem conhecida na Galileia, na Samaria e na Judeia. “Quando Jesus acabou de dizer estas parábolas, partiu dali. E indo para a sua pátria, ensinava nas sinagogas, de modo que se admiravam e diziam: ‘Donde lhe vem esta sabedoria e estes milagres? Porventura não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua Mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Suas irmãs não vivem todas entre nós? Donde vem, pois, a este todas estas coisas?’ E estavam perplexos a seu respeito” (Mt 13, 53-57).

É curioso registar que Jesus, longe de ser uma personagem misteriosa ou secreta, era conhecidíssimo pelos nazarenos: sabiam bem quem era, sabiam quem era o seu pai e o que fazia, conheciam lindamente a sua mãe, bem como os seus familiares mais próximos, aqui designados como seus irmãos, mas na realidade primos direitos ou, como também se diz, primos coirmãos. É, precisamente, porque o conhecem tão bem, que estranham que d’Ele se digam coisas que fogem à regra da pacata normalidade da sua conhecidíssima existência na prosaica Nazaré em que todos, como acontece sempre nas pequenas localidades, se conhecem perfeitamente e em que não há lugar para vidas ocultas, apenas praticáveis nos grandes centros urbanos, ou nas clausuras conventuais.

Ao recomeçar mais um ano que, no seu primeiro semestre, coincide com o final do Ano da Família proclamado pelo Papa Francisco, vale a pena recordar que, não obstante a aparente insignificância da vida tão prosaica da Sagrada Família, também durante essa primeira etapa da sua vida terrena, Jesus realizou a sua missão de salvar e redimir a humanidade. Que bom seria que a vida familiar e profissional de todos os cristãos fosse uma fiel réplica da vida de Jesus, Maria e José em Nazaré!