Em 1213, Inocêncio III convoca um grande concílio, a ter lugar em S. João de Latrão (Roma) dois anos depois. Era já o quarto que, na igreja do bispo de Roma, fora convocado pelos Pontífices, com um carácter ecuménico, visando tratar de aspectos fundamentais da vida da Igreja, tanto em termos espirituais como temporais. Na verdade, se na ordem do dia continuava a estar a reforma da própria Igreja, a começar pela moralização da vida clerical e pela defesa das suas liberdades, sobretudo no que toca à escolha dos bispos e outros eclesiásticos, face às intromissões dos poderes leigos, a começar pelo Imperador, também outros assuntos fizeram parte da agenda, desde as questões relativas à sucessão imperial ao projecto pontifício de avançar com uma nova cruzada em ordem à recuperação do domínio cristão sobre os Lugares Santos.
Este concílio, aliás de singular importância no contexto dos concílios medievais celebrados pela Igreja latina do Ocidente, serve-nos de ponto de partida para compreendermos a vivência da sinodalidade no dealbar do novo milénio, até ao final dos tempos medievais. Na verdade, ele é logo significativo por não abarcar as Igrejas do Oriente. O crescente distanciamento entre o Ocidente Latino e o Oriente Grego, ou, se quisermos, entre Roma e Constantinopla, não havia deixado de se acentuar ao longo da Alta Idade Média. O próprio bispo de Roma havia procurado a Ocidente, nos monarcas francos, um novo apoio para a defesa da sua Igreja e para a crescente afirmação do seu protagonismo no contexto do Ocidente. A Carlos Magno havia atribuído o título de imperador (800) e em articulação com este e os seus sucessores se desenvolveu um importante projecto de reforma que juntava os poderes leigos e eclesiásticos e que fizera das suas assembleias deliberativas – incluindo os concílios e sínodos – instâncias fundamentais de ordenamento e correcção da vida religiosa. A Oriente, o Patriarcado de Constantinopla mantinha viva uma importante prática sinodal, tanto ao nível dos metropolitas e das províncias, como da própria Igreja imperial, com um sínodo permanente e cada vez mais alargado que, com o Patriarca, decidia os mais diversos assuntos de natureza litúrgica, doutrinal ou disciplinar. Mas os antigos concílios ecuménicos reunindo Oriente e Ocidente haviam cessado no século IX, após Constantinopla IV (879-880), sinal do afastamento que acabou por se traduzir numa ruptura consumada em 1054 e agravada após o saque de Constantinopla pelos cruzados cristãos e pelos venezianos em 1204.
A Ocidente, os concílios ecuménicos passam a restringir-se, em larga medida, ao espaço da Igreja latina, agora também num contexto e com funcionalidades algo distintas. Na verdade, o papado tomara como sua, desde 1049-1054 (pontificado de Leão IX) a reforma iniciada pelos imperadores, agora sedeados no actual espaço germânico, com vista à moralização do clero, à luta contra o concubinato e a simonia (a venda ou compra de cargos eclesiásticos ou de bens espirituais), a uma definição mais clara do estado clerical e à defesa da libertas eclesiástica, em particular das suas prerrogativas na escolha e investidura dos bispos e abades. A esta reforma juntava-se toda uma estratégia de reforço do poder do Sumo Pontífice no interior da própria Igreja e face aos restantes poderes políticos leigos, em particular o imperial. Daí resultará uma eclesiologia claramente piramidal, que não só separa e distingue os eclesiásticos do mundo dos leigos, como faz do Papa não apenas o sucessor de Pedro mas o “Vigário de Cristo”, com um poder de cariz universal, distinto e superior do dos restantes bispos e com capacidade e direito de intervir directamente em quaisquer assuntos das suas Igrejas, através da legislação e das cartas que emite, das suas viagens e sobretudo dos seus legados. A sociedade é identificada com o corpo eclesial e por isso convertida em Cristandade, sob a orientação do Pontífice, o qual, em nome da salvação dos fiéis, reivindica o direito de intervir nas decisões dos imperadores e monarcas.
É à luz deste novo contexto que podemos entender melhor como os concílios ecuménicos convocados pelo Papado ao longo do período medieval acabam por constituir um instrumento fundamental deste papel de liderança que o bispo de Roma assume no contexto da Cristandade, e, também por isso, a mescla de assuntos espirituais e temporais que marcam as suas agendas e a própria diversidades dos elementos que nele podem participar – não apenas bispos, abades ou representantes de cabidos ou grandes mosteiros ou ordens, mas também os delegados do imperador, dos monarcas e príncipes, teólogos e canonistas. Transversais, continuam os temas da reforma da Igreja, da defesa das liberdades eclesiásticas, de controlo da Igreja sobre a nomeação dos bispos e outros dignatários, mas também do sustento do culto e dos seus ministros (nomeadamente através da generalização a toda a Cristandade do pagamento do dízimo), das novas práticas pastorais (centralidade da paróquia, confissão auricular e individual…) ou da definição das relações dos cristãos com as minorias étnico-religiosas, em particular os judeus.
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