Por uma Igreja sinodal |
- A visão da Igreja no contexto do Concílio Vaticano I
A sinodalidade na penumbra da consciência eclesial
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1. Ao afirmar, em 2015, que “o caminho sinodal é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio”, o Papa Francisco estava a apontar a urgência de uma profunda renovação da Igreja nas circunstâncias do presente e do futuro que nos espera. Indiretamente, sublinhava a necessidade de se ultrapassarem pressupostos e mentalidades que marcaram a vida da Igreja no segundo milénio.

É verdade que a sinodalidade como “elemento constitutivo da Igreja” sempre existiu (compreensão da Igreja como Povo de Deus, realização de sínodos e concílios, etc. etc.). Todavia, no segundo milénio, não obstante alguns momentos altos de renovação evangélica e de santidade de vida, fomentaram-se a pouco e pouco conceções e práticas que diminuíam ou até contradiziam a consciência sinodal de todo o Povo de Deus.

 

2. Importa lembrar alguns acontecimentos que conduziram a um modo piramidal de pensar a Igreja e viver nela, com o seu ponto culminante no século XIX e no Concílio Vaticano I.

-  No século XI, a necessidade de lutar pela liberdade da Igreja face ao poder político, iniciada com a reforma de Cluny e a ação de Gregório VII (1073-1085), pôs em marcha um movimento que levou a uma compreensão absolutista do poder papal sobre o mundo de então: numa afirmação de Inocêncio III (1189-1216), “o Papa é menos que Deus, mas mais que um homem”.

- Neste contexto foi crescendo uma conceção mais jurídica, hierárquica e centralizada da Igreja, com uma menor valorização das realidades sacramentais (particularmente, o batismo e a eucaristia), da comunhão dos crentes nelas fundadas e das realizações locais da Igreja.

- A ordenação de padres e bispos foi vista cada vez mais como um poder sagrado que o ministro recebe pessoalmente e que é chamado a exercer independentemente da comunidade, o que fez emergir e ampliar a divisão entre clérigos e leigos (com consequências até aos nossos dias).

- O Concílio de Trento (1545-1563) acolheu a necessidade de renovação da Igreja que vinha sendo exigida há muito tempo e determinou até a realização regular de sínodos diocesanos e metropolitanos.  Todavia, o conflito com a reforma protestante conduziu a Contra-Reforma católica a algumas acentuações unilaterais face aos questionamentos colocados. Em particular, põe-se em primeiro plano o aspeto hierárquico e de poder espiritual em relação com o ministério ordenado (em contraste com a insistência reformadora no sacerdócio comum dos fiéis).

 

3. Na sequência destes e de outros fatores e desenvolvimentos, a visão da Igreja que predomina na primeira metade do século XIX é a de uma Igreja marcadamente hierárquica, pensada como “sociedade perfeita”, concentrada na sua defesa perante as forças laicistas que a iam questionando. Mas surgiram também tentativas de renovação teológica (por exemplo, a Escola de Tübingen) e vozes proféticas que, retomando as fontes normativas da Escritura e da Tradição, vão para além de perspetivas jurídico-institucionais e chamam a atenção para a dimensão espiritual, de comunidade crente que constitui o cerne da Igreja.

 

4. Esperava-se do Concílio Vaticano I (1869-1870) – acontecimento sinodal por excelência ao nível da colegialidade episcopal – impulsos de renovação eclesial, como aliás sugeria o esquema preparatório sobre a Igreja.  Todavia, prevalecia a preocupação de unir o mundo católico sob um só comando na rejeição dos erros do tempo. Por sua vez, a cultura dominante era marcada pela ideia de autoridade soberana e alheia a formas de participação comunitária. Estavam assim criadas as condições para a afirmação dogmática do primado de jurisdição universal do bispo de Roma e para o reconhecimento do exercício infalível do seu magistério sob determinadas condições. Acresce a tudo isto que a interrupção prematura do Concílio (devido à invasão dos Estados Pontifícios, na sequência da guerra franco-prussiana) não permitiu que se chegasse a uma reflexão mais completa e profunda sobre o mistério da Igreja. Mesmo assim, a segunda metade do século XIX conheceu o surgimento de Conferências Episcopais.

 

5. Em consequência deste caminho milenar, a Igreja é entendida estruturalmente como uma “sociedade de desiguais”, ordenada hierarquicamente e dirigida soberanamente pelo Papa (ainda que em comunhão com os bispos). Na encíclica Vehementer Nos (1906) afirma Pio X (1903-1914): “A Escritura nos ensina e a tradição dos Padres no-lo confirma que a Igreja é o corpo místico de Cristo, corpo regido por Pastores e Doutores […] – sociedade de homens portanto, no seio da qual se acham chefes que têm plenos e perfeitos poderes para governar, para ensinar e para julgar […]. Daí resulta que essa Igreja é por essência uma sociedade desigual, isto é, uma sociedade que abrange duas categorias de pessoas, os Pastores e o rebanho, os que ocupam uma posição nos diferentes graus da hierarquia, e a multidão dos fiéis. E essas categorias são tão distintas entre si, que só no corpo pastoral residem o direito e autoridade necessária para promover e dirigir todos os membros ao fim da sociedade; quanto à multidão, essa não tem outro dever senão o de se deixar conduzir e, rebanho dócil, seguir os seus Pastores” (nº 22).

 

6. Ter consciência histórica exige a honestidade de saber ler as circunstâncias, os condicionamentos e os limites de cada tempo e lugar. Mas supõe, igualmente, a capacidade de perceber as consequências do passado e as transformações que outros tempos e lugares, que são os nossos, exigem de nós. Reconhecer que a sinodalidade se encontrava, em certos momentos da história, na penumbra da consciência eclesial desafia-nos a reavivar hoje a consciência crente em ordem a uma maior fidelidade às interpelações que Deus nos coloca.

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