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Guilherme d’Oliveira Martins
Praedicate Evangelium
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É antigo o princípio de que “a Igreja deve estar sempre em reforma”. Importa, assim, tirar todas as legítimas consequências quanto ao método sistemático de uma Igreja em saída. Eis o que deve ser lembrado quando é apresentada a nova Constituição Apostólica, que consagra a reforma da Cúria romana. É o serviço da evangelização que está em causa. Ao fim de dez anos de trabalho foi possível realizar reflexão, diálogo, consulta e ponderação das necessidades e consequências. Na sequência das duas Constituições anteriores – “Regimini Ecclesiae Universae” (1967) e “Pastor Bonus” (1988) – houve uma preocupação do Papa Francisco no sentido da compreensão de que “o tempo é superior ao espaço”, o que permite a audácia dos passos graduais e seguros, não numa lógica formalista, mas numa preocupação de atenção e cuidado em relação ao respeito da dignidade humana.

 

Há lições que somos obrigados a tirar das experiências que temos testemunhado. E devemos recordar o exemplo do Papa S. João XXIII que, no leito de morte, deu uma lição de amor e de coragem, ao proclamar com veemência a Encíclica “Pacem in Terris”, dirigida a todos os homens e mulheres de boa vontade, de modo a que pudessem estar atentos aos sinais dos tempos, não considerados como episódios fora da vida comum, mas como referências concretas à natureza humana, imperfeita e incompleta. Nestes tempos de guerra, a releitura desse texto luminoso e desafiante revela-se essencial. Numa conjuntura tremenda de cegueira, violência e de hediondos crimes contra a humanidade, devemos assumir o espírito de presente e futuro do Concílio Vaticano II e a exigência de fazer de uma cultura de direitos e deveres fundamentais, de serviço e de amor a marca distintiva de uma Igreja sem medo de acompanhar Jesus Cristo até junto da samaritana ou no caminho do Calvário, sabendo tirar a lição de Pedro quando o galo cantou… O facto de a Constituição Apostólica apresentar elementos renovadores constitui um motivo de responsabilidade e de exigência: é importante que leigos e leigas possam assumir responsabilidades acrescidas, desde a base à liderança, sempre em espírito de serviço, nos dicastérios e demais organismos da Igreja. Nos dicastérios todos os batizados poderão ser chamados a servir – clérigos, pessoas de vida consagrada e leigos. E os novos elementos designados para liderarem os dicastérios terão mandatos de cinco anos, sendo avaliados e podendo ser ou não reconduzidos. Com efeito, a “teologia do laicado” tem de ser assumida com convicção, responsabilidade, inteligência, sentido de fidelidade evangélica e proximidade relativamente às pessoas e às comunidades. O governo da Igreja funda-se no Espírito Santo e na missão canónica, centrada no exemplo Jesus Cristo. A igualdade em dignidade e missão de todos os cristãos, em movimento e em saída, obriga-nos a compreender que a novidade do Evangelho exige compreensão do tempo que evolui e capacidade para ver e ouvir o que devemos ter presente enquanto humanidade viva.

 

“Todos são chamados ao novo Povo de Deus”. E há inércias e medos que temos de saber superar. Daí a necessidade de assumirmos o método sinodal. E entendamos a etimologia da palavra “Sínodo”, que significa caminhada em conjunto: do grego, syn, com e hodos, caminho. Temos, pois, de caminhar juntos, o que significa partilhar responsabilidades, saber trocar ideias e experiências, dialogar, não ser indiferente aos outros, estar disponíveis para receber quem nos pede ajuda ou quem se interroga sobre o sentido da caminhada, garantir que a ideia de mudança e de reforma significa sermos melhores, aceitando a imperfeição. A Constituição “Praedicate Evagelium” foi lida e relida, foi corrigida, foi clarificada, mas não se trata de um ponto de chegada. É uma indicação de percurso, que visa assegurar um verdadeiro espírito ecuménico que envolva a participação e o diálogo de todos.

 

Como afirma o Papa Francisco: «perante a amarga desilusão por tantos sonhos desfeitos, a inquietação com os desafios a enfrentar, o desconsolo pela pobreza de meios à disposição, a tentação é fechar-se num egoísmo individualista e, à vista dos sofrimentos alheios, refugiar-se na indiferença.» (…) Deus, porém, «dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco. (…) Aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 29.31). (…) Só com o olhar fixo em Jesus Cristo ressuscitado é que podemos acolher a exortação do Apóstolo: «Não nos cansemos de fazer o bem» (Gal 6, 9).