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Pe. Alexandre Palma
Espiritualidade ecológica
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A ecologia parece um assunto novo. Ampliado pelo actual sobressalto ambiental, o termo e o tema determinam hoje muito da nossa agenda pública. Mas a ecologia não será assunto assim tão novo quanto seremos levados a crer. Já os antigos, se calhar até com outra argúcia, haviam captado o largo alcance da teia de interacções entre os seres vivos que faz do meio ambiente uma comunidade e uma casa. Eles, aliás, não entendendo esta morada como coisa apenas nossa e separada, mas antes encontrando nela traços da presença de um outro vivente: Deus.

A agenda ambiental tem procurado o seu fundamento, principalmente, numa consideração ética, ou seja, na procura pela melhor forma de viver e de conviver com outros. Sintomaticamente, não será raro encontrarmos este tema conjugado com alguma forma do verbo «dever». É assim que a ecologia se torna uma questão de justiça e respeito pelos outros, sejam eles os nossos antepassados (como honrar o que deles recebemos?), os nossos contemporâneos (como garantir a todos contextos de vida digna?) ou ainda as gerações futuras (que mundo lhes vamos deixar?). Em consequência, é assim que a questão ambiental se alarga dos domínios estritamente técnicos aos campos sociais, políticos e económicos. Tocando, ao fim ao cabo, todas as áreas da vida, a ecologia mostra ser, pois, uma questão verdadeiramente «integral», como a adjectivou o Papa Francisco.

Resta saber se querer suportar uma nova atitude ambiental apenas no pilar ético será suficiente ou sequer satisfatório. Não escondo aqui as minhas dúvidas. Tal enfoque parece concentrar-se de tal forma nos efeitos da nossa acção que dá a impressão de desatender daquilo que estará antes disso, isto é, daquilo nos impele a agir de uma determinada forma e não doutra. Pergunto-me se a raiz de alguns dos fracassos na busca por formas de vida ambientalmente mais equilibradas não estará precisamente aqui. E é neste ponto que me parece importante voltar à sabedoria dos antigos. Dito de outro modo, haverá ainda que cultivar aquilo que o Papa Francisco, muito sugestivamente, designou de «espiritualidade ecológica».

O cristianismo oferece a este respeito uma riqueza que estará ainda por explorar. Com responsabilidades próprias, reconheça-se. Ao concentrar-se tão intensamente no ser humano (por exemplo, na sua criação ou na sua salvação), ele próprio não terá reconhecido plenamente a relevância teológica do todo da criação. Esta tendência justificava-se (e justifica-se) como resistência à divinização do universo ou da natureza, deriva que encontra novo élan neste nosso contexto de sobressalto ambiental. Mas o cristianismo oferece a possibilidade de uma espiritualidade ecológica equilibrada, que nem coloque tudo utilitariamente em função do humano nem divinize a natureza. O segredo desse equilíbrio estará numa atitude mais contemplativa, que nos faça recuperar o carácter sacramental da criação. Sem ser divina, esta fala-nos de Deus e, mais importante ainda, torna-o presente. Como se sublinhava noutros tempos, Deus fala e dá-se também no livro da natureza (Liber naturae). Esse equilíbrio assenta ainda no reconhecimento de que não apenas o humano vem de Deus e para Ele caminha, mas que esse é o itinerário de toda a criação. Sim, a salvação tem um alcance verdadeiramente cósmico e precisamos de aprofundar tal intuição. Só assim poderá a ecologia torna-se verdadeiramente integral. Porque, então, compreenderemos como ela não nos afecta apenas a nós, mas também ao projecto do próprio Deus.

 

Pe. Alexandre Palma