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Pedro Vaz Patto
Parte da solução
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Vão-se multiplicando os exemplos e sinais de que o diálogo inter-religioso é hoje um poderoso meio de construção da paz. Ele pode testemunhar como as religiões não são necessariamente motivos de divisão e conflito, ou até de ódio e violência. Desmontando essa ideia, destrói também o pretexto que muitas vezes serve às correntes laicistas para, em nome da pacificação social, relegar as religiões para a esfera privada.

Estive recentemente na apresentação de um calendário inter-religioso, das Edições Paulinas, que inclui um “dado inter-religioso pela paz”, ligado ao projeto Living Peace.  Por coincidência, essa apresentação decorreu no dia 11 de setembro. A ocasião serviu para recordar o ataque terrorista às Torres Gémeas de Nova Iorque, há vinte e um anos, cujos autores invocavam uma motivação religiosa islâmica, que muitos consideraram desse modo deturpada. Na altura, ganhou mais relevo a famosa tese de Samuel Huntington, sobre o “conflito de civilizações”, civilizações marcadas na sua raiz por diferentes confissões religiosas em irredutível oposição. Como antídoto a esse conflito (como meio gerador, de uma alternativa “aliança de civilizações”) ganhou também maior relevo, a partir desse trágico acontecimento, o diálogo inter-religioso. Foi isso mesmo que proclamou São João Paulo II na sua visita ao Cazaquistão, poucos dias depois desse ataque.

Uma visita que foi também há poucos dias recordada, como foram os pioneiros encontros de Assis, na visita do Papa Francisco a esse país, onde decorreu o VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais. Na declaração final desse Congresso, afirma-se que «o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e outras formas de violência e guerras, quaisquer que sejam os seus objetivos, nada têm a ver com a verdadeira religião e devem ser rejeitados da forma mais vigorosa possível». Afirmou o Papa Francisco, no discurso que proferiu nesse Congresso: «Na realidade, as religiões não são problema, mas parte da solução para uma convivência mais harmoniosa. Com efeito a busca da transcendência e o valor sagrado da fraternidade podem inspirar e iluminar as opções a tomar no contexto das crises geopolíticas, sociais, económicas, ecológicas, mas – na sua raiz – espirituais, que atravessam muitas instituições de hoje, incluindo as democracias, comprometendo a segurança e a concórdia entre os povos. Portanto. precisamos de religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que habita o coração de cada homem

Na declaração final desse Congresso, também se faz referência à Declaração de Abu Dhabi, sobre a Fraternidade Humana e em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum, subscrita pelo Papa Francisco e pelo grande imã de Al- Azhar Ahmed Al-Tayeb, onde se afirma: «(…) pedimos a todos que cessem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego e deixem de usar o nome de Deus para justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão. Pedimo-lo pela nossa fé comum em Deus, que não criou os homens para ser assassinados ou lutar uns com os outros, nem para ser torturados ou humilhados na sua vida e na sua existência».

Mas uma outra situação recente despertou particularmente a minha atenção como exemplo da importância do diálogo inter-religioso para a construção da paz.

Nesse mesmo dia 11 de setembro passado, tive a feliz oportunidade de estar com D. António Juliasse, bispo de Pemba. Poucos dias antes, tínhamos recebido a notícia do assassinato (notoriamente, por ódio à sua fé) da Irmã Maria de Coppi, também no norte de Moçambique. Os ataques de terroristas que se reclamam de matriz islâmica não cessam nessa região, com o consequente êxodo de milhares de refugiados.

D. António Juliasse, lembrando que ao ódio não podemos responder com o ódio, falou-nos da Declaração Inter-Religiosa de Pemba, que também reafirma os valores da paz e da fraternidade, e da experiência de comunhão e diálogo entre cristãos e muçulmanos que esteve na sua origem. Falou-nos da recetividade que tem tido, entre os muçulmanos do norte da Moçambique, a referida Declaração de Abu Dhabi. 

E salientou como o modo mais eficaz de combater o terrorismo jihadista passa pela educação, a educação nos valores da paz e da convivência fraterna entre pessoas de diferentes religiões, para o que é decisivo o contributo de cristãos e muçulmanos. Aplaudiu o exemplo de Timor-Leste, cujo Parlamento determinou que a Declaração de Abu Dhabi passe a fazer parte do currículo escolar. Será essa educação, mais até do que as oportunidades de emprego (que não deixam de ser importantes) que levará os jovens a rejeitar propostas de adesão a grupos terroristas (porventura sempre economicamente mais atrativas do que qualquer emprego).

Na verdade, se é certo que a pobreza facilita a adesão a esses grupos (e, também por isso, o combate à pobreza é necessário), também é certo que nem todos os pobres são potenciais terroristas (pensar desse modo será até gravemente insultuoso para com eles). Dou razão ao bispo de Pemba.

 

Pedro Vaz Patto