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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Maria e o bom ladrão: destinos trocados?
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Como é sabido, o evangelista São João, quando relata a ressurreição de Cristo, diz que Maria Madalena, ao ver o Senhor ressuscitado, tratou-O, embora estivessem sós, por Rabboni, ou Mestre (Jo 20, 16), ou seja, com a deferência que é própria de uma discípula, e não com a intimidade dos amantes. E, quando ela quis manifestar efusivamente a sua alegria e entusiasmo, foi o próprio Senhor que a conteve, dizendo: “Não me retenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai a meus irmãos e diz-lhes que subi para meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17).

Não repugna à teologia católica admitir que Jesus foi tentado, como aconteceu no termo dos 40 dias no deserto (cf Mt 4, 1-11), embora, dada a sua condição divina, não pudesse pecar. Também se pode admitir, com o devido respeito, que Cristo nem sempre agiu da forma humanamente mais lógica: pense-se, por exemplo, na escolha de Judas Iscariotes, que o traiu, para seu apóstolo (Mc 3, 13-19); ou na de Pedro, que o negou três vezes (Lc 22, 54-62), para seu vigário na terra, como primeiro Papa (Mt 16, 18).

Neste sentido, não será despropositado questionar duas das últimas afirmações de Jesus, já crucificado, e que, salvo melhor opinião, parecem trocadas. Com efeito, o que disse ao bom ladrão, deveria ter sido dito a Nossa Senhora e, o que à sua Mãe foi então pedido, deveria ter sido exigido, mutatis mutandis, ao ladrão arrependido.

É já do alto da Cruz que Jesus não apenas perdoa o bom ladrão, como lhe garante que, nesse mesmo dia, estaria com Ele no paraíso (Lc 23, 43). Ora, tendo em conta que este gatuno reconheceu a sua culpa (Lc 23, 41), parecia mais justo que o Mestre lhe tivesse imposto uma dura penitência pelos seus delitos, como pedia a justiça, ou, pelo menos, uns tempos de expiação no purgatório, que para isso, com efeito, existe. Esta absolvição instantânea e incondicional e a imediata canonização do que, desde então, passou à História paradoxalmente como ‘o bom ladrão’, parece ter sido uma incompreensível precipitação de Nosso Senhor.

A outra injustificada declaração do Mestre, também naquela ocasião, foi a feita a sua Mãe, Nossa Senhora. Estando de pé, junto à Cruz, Maria teria merecido uma palavra de elogio ou, pelo menos, de reconhecimento (Jo 19, 25). Esse agradecimento era-lhe tanto mais devido quanto contrastava com a ausência dos apóstolos, salvo a honrosa excepção do discípulo que o Senhor amava (Jo 19, 26). Contudo, em vez de Jesus premiar a sua Mãe pela sua heróica fidelidade, impôs-lhe, precisamente naquele momento, uma enorme cruz, ao fazê-la mãe não apenas daquele apóstolo, mas também de todos nós!

Para quem já era nada menos do que Mãe de Deus, uma tal condição nada tinha de honroso, antes pelo contrário. Pior ainda, atribuindo-lhe essa nova maternidade, Maria ficava impossibilitada de ir também, com Jesus, para o Céu, onde já a esperava São José, os seus pais São Joaquim e Santa Ana, a sua prima Santa Isabel e o marido, Zacarias, bem como o filho de ambos, São João Baptista, etc. Que humilhação e que desilusão para Nossa Senhora! Que pena não poder ainda subir ao paraíso, com Jesus, ela que, mais do que qualquer outra criatura, tanto merecia a bem-aventurança celestial!

Ora bem, estes dois casos ter-se-iam resolvido facilmente, se Nosso Senhor atribuísse a cada um deles o destino que deu ao outro: teria sido muito justo que tivesse dito, ao bom ladrão, que o curava e até libertava da cruz, mas para que servisse aqueles que tinha roubado e, assim, expiasse os seus crimes, em ordem à salvação. Por sua vez, a Nossa Senhora, o seu divino Filho deveria ter dito o que então disse ao bom ladrão: “Em verdade te digo: Hoje mesmo, estarás comigo, no paraíso!” (Lc 23, 43).

Não quis Deus que fosse assim, para que Nossa Senhora fosse não apenas sua Mãe, mas também nossa. E, com o mesmo desvelo como amou Jesus até ao fim, também nos ama a nós, convidando-nos, com a sua vida e palavra, a fazermos tudo o que Ele nos disser (Jo 2, 5).

Se Maria trocou o Céu por nós, como não dar o céu, aqui na terra, a todas as mães que nos deram não apenas a vida terrena, mas também a vida na fé?!

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada