Entrevistas |
Helena Presas, Pastoral da Saúde
"Pastoral da Saúde ajuda doentes a reencontrar a sua missão"
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O que é a Pastoral da Saúde numa paróquia? Que missão pode desenvolver junto dos doentes? A partir de uma experiência com cerca de 20 anos, Helena Presas, coordenadora da Pastoral da Saúde da paróquia do Campo Grande, conta ao Jornal VOZ DA VERDADE como fazer para os doentes se sentirem parte da comunidade.

O que é a Pastoral da Saúde paroquial?

A Pastoral da Saúde paroquial é um núcleo de gente que percebeu que as questões do isolamento e as questões que se colocam de sofrimento na vida das pessoas, acontecem porque estas tiveram um problema de saúde. Por outro lado, é um núcleo que olha para a saúde não só na perspectiva da doença mas na perspectiva de que, se todos nos cuidarmos mais e melhor, eventualmente teremos melhor saúde, e portanto não cairemos nas malhas das perdas que a falta de saúde acarreta.

 

Como é que se desenvolve, no dia-a-dia, a Pastoral da Saúde numa paróquia?

Ao longo de muitas décadas foi-se fazendo pastoral da saúde sem lhe dar esse nome. Por vezes, muito mesclada com a pastoral social. Por isso, a primeira coisa que tivemos de fazer, ao querer desenvolver pastoral da saúde, foi realizar um levantamento das pessoas que na paróquia já faziam alguma coisa ligada a esse sector. A pastoral da saúde pretende humanizar a vida das pessoas, pretende evangelizar em situação de doença e pretende também sacramentar. Acredito que a paróquia, ao nível de núcleos de proximidade, é dos lugares ideais, em termos de territorialidade, para se fazer um núcleo da pastoral da saúde!

Na paróquia do Campo Grande, após ter sido feito esse primeiro levantamento, resolvemos constituir duas unidades distintas dentro do mesmo núcleo: uma unidade que tinha a ver com o aspecto confessional, católico, e uma outra unidade que, tendo a ver com os valores cristãos, não tinha a ver com o aspecto confessional, mas com procurando melhorar a qualidade de vida psico-espiritual. Assim, fomos trabalhando esses dois núcleos em simultâneo, e com muitos momentos de entre cruzamento para as pessoas se conhecerem. Ao mesmo tempo, como temos um centro social paroquial, fomos trabalhando estes núcleos também em rede com o que já se faz nessa estrutura. Por isso, vive em parceria e tenta trabalhar em sistema de transversalidade com os vários agentes que já estão no terreno, com objectivos e dimensões diferentes.

 

Falava numa dimensão de humanização da pessoa. O que é que isso significa ou, por outro lado, como é que se concretiza?

A dimensão da humanização vem da percepção de que o ser humano pode estar muito bem cuidado, alimentado, mas é um ser social. São pessoas concretas que precisam de outras pessoas, e precisam de ter uma vida social. Se a saúde as impede de sair de casa e portanto as coloca em situação de isolamento, elas merecem ter outras pessoas que queiram ter com elas uma relação de paz. Isso parece-me ser o que a Pastoral da Saúde traz de muito inovador. Normalmente as outras relações são de contrato: eu contrato alguém que me vem fazer a higiene pessoal, que me traz o almoço a casa… No fundo faço um contrato com outras pessoas. Por isso, não estamos ao mesmo nível na relação. Na Pastoral da Saúde estamos ao mesmo nível da relação. Eu aceito, porque assim o quero, receber em minha casa pessoas que me visitam e que comigo são iguais. Não há aqui nenhuma relação hierárquica, nem há nenhuma relação contratual. Somos pessoas que fazem grupo. E aí penso que isso traz uma grande humanização à vida de todos. Permite ter uma vida social, expectativas de encontro, ter uma vida interior que depois acaba por ser alimentada por esse encontro e relação personalizadas. Permite à pessoa readquirir auto-estima e auto-confiança para reactivar outras relações que estavam perdidas na sua vida pessoal.

 

Para essa aproximação é necessário conhecer os casos. Como é que vão tendo conhecimento das situações que precisam de ser acudidas?

São muitas as formas pelas quais vamos tendo conhecimento: pelo centro social paroquial, por vizinhos, por paroquianos… porque não podemos esquecer-nos que numa paróquia há uma história de pessoas voluntárias que colaboram em toda a vida paroquial, que envelhecem e deixam de poder vir à sua comunidade de pertença. E muitas vezes são essas próprias pessoas ou familiares que nos avisam. A paróquia não pode deixar de cuidar dos seus. Por vezes, são também referenciados pela junta de freguesia, por associações da zona. A Pastoral da Saúde tem de estar muito ligada à cidade, e muito em rede de parceria com as estruturas da cidade. Nesse caso, temos a sorte de ter essa rede facilitada pela presença do centro social paroquial na própria igreja, e utilizamos os mesmos espaços e trabalhamos muito em conjunto.

 

Dizia, ainda, que outra dimensão desta Pastoral da Saúde é a evangelização. Como é que acontece essa evangelização?

Nós começámos a reparar que havia pessoas que recebiam a Sagrada Comunhão em casa. Constituímo-nos em núcleo com os ministros da comunhão e começámos a pedir que nos fizessem relatórios do número de pessoas que são assistidas em casa. Ficámos espantados quando percebemos que esse número era muito superior àquilo que o próprio pároco imaginava. Pensámos, assim, que não podíamos restringir-nos apenas à comunhão em casa. Tínhamos que fazer mais qualquer coisa! Começámos, então, a preparar retiros em casa dos doentes, que são preparados por grupos de paroquianos com idades semelhantes às pessoas que são assistidas, e orientados para o tempo de Advento e Quaresma.

Essas pessoas que são acompanhadas passam a ter outra vez os laços com a paróquia. No Dia do Doente, os que não podem vir à paróquia receber o Sacramento da Unção dos Enfermos, recebem em suas casas os agentes da pastoral que celebram a Palavra; depois, são os sacerdotes vão por essas casas administrar este sacramento. É curioso que aos poucos deixou de ser uma coisa privada para passar a estar presente a família. Quando o padre vai a casa, toda a família quer estar presente! Tudo isto são redes que acabam por transformar a vida da pessoa numa vida muito maior, mais integrada no corpo da Igreja, deixando a pessoa de se sentir isolada. Talvez seja esse o eco mais positivo. A pessoa passou a dizer: 'Eu continuo a fazer parte dessa comunidade'. A pessoa sente que não foi abandonada pela comunidade e que faz parte de um corpo muito maior. A vida passa a ter outro sentido.

A Pastoral da Saúde é também uma oportunidade de voltar a aprofundar o seu nível de oração, de relação com Deus. Isso vai sendo feito, dependendo da criatividade que o grupo vai tendo e que o Espírito Santo nos vai dando. Reunimos todos os meses e, olhando para as pessoas que temos, vamos vendo o que podemos provocar para que essa pessoa se sinta da comunidade.

 

Há aqui uma tentativa de fazer com estas pessoas continuem a ser membros activos da comunidade…

Sim, mas essa é a parte mais difícil! Porque é complicado conseguir que este ser membro activo se concretize em algo útil. A ética do utilitarismo entrou de uma forma brutal nas nossas sociedades e também em nós, católicos, e portanto a pessoa se não faz nada sente que não é útil. Por isso, provocamos algum dinamismo, que pode passar por fazer uma carpete de pedaços escritos por toda a gente, ou ajudar na criação de material para a catequese.

Também os jovens visitam estas pessoas com quem trocam experiências de vida. Dessa forma, procuramos devolver às pessoas a vida que o isolamento muito vezes faz perder.

Num dos lares onde vamos temos uma senhora acamada que quando a visitei a primeira vez verifiquei que ela tinha no olhar um brilho muito especial. Ela disse-me: ‘Toda a minha manhã é um Altar!’. Ela reza desde o pequeno-almoço até ao almoço! É um tempo de oração dedicado a rezar por aqueles que lhe pedem. E também nós passámos a pedir-lhe que rezasse por crianças da nossa catequese com vida complexas, por alguns jovens com problemas... e esta é a oferta que esta senhora faz da sua vida, em situação de acamada, sem poder movimentar-se.

 

Podemos, de alguma forma, dizer que um doente tem uma missão a cumprir?

Sim, penso que sim, porque todos nós temos uma missão que nos é pedida por Jesus Cristo. E essa missão deve ser cumprida até à nossa partida para a outra Vida, pelo que não podemos desistir dela! Por isso, penso que a Pastoral da Saúde tem que ter essa função de ajudar as pessoas a fazer caminho, redescobrindo os seus recursos próprios porque, à idade da pessoa corresponde também o mesmo tempo de desenvolvimento de recursos interiores que tem de ser reencontrados. A Pastoral da Saúde deve ter, por isso, essa missão de ajudar as pessoas a reencontrarem a sua missão, o que Deus lhes pede naquele momento específico da sua vida.



Perfil

Ser voluntário sem protagonismos

Helena Presas é voluntária a tempo inteiro na paróquia do Campo Grande, em Lisboa. Formada em Fisioterapia, fez licenciatura em Teologia na Universidade Católica Portuguesa e, entre outros serviços, coordena o voluntariado na paróquia e o núcleo de Pastoral da Saúde paroquial. “Numa primeira fase dediquei-me ao corpo e depois dediquei-me ao corpo no seu aspecto mais completo e mais holístico”, refere Helena Presas, ao Jornal VOZ DA VERDADE. Diz-se “obcecada pela organização nas coisas” e por isso mesmo considera que “deve haver uma boa organização para que a missão se possa realizar, personalizando-a para as pessoas necessitadas”. Sobre a missão de voluntariado junto de doentes aponta dois aspectos a ter em conta: “A necessidade de reunir regularmente, porque nessas reuniões rezamos e combinamos o que vamos fazer, com base na experiência de cada um”; e o perceber que trata-se de “evangelizar, de forma digna, sem impingir Jesus Cristo. Porque Jesus Cristo não quer ser impingido mas convidar as pessoas a aderirem a Ele. E isso depende da forma como o Agente o faz”.

Por último, deixa um apelo que serve para todas as dimensões da pastoral: “É preciso lembrar-nos que estes grupos estão ao serviço, e por isso não pode haver protagonismos”.

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