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Hermínio Rico, sj.
Duas festas para celebrar
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Esta é a época do Natal. Mas será que sempre que se usa este nome isso significa o mesmo? Não será que “Natal” se tornou uma designação um pouco equívoca? Um cristão atento, se olhar à sua volta com espírito de discernimento, verá que há, de facto, duas festas para celebrar. Ambas bonitas, ambas importantes.

Por um lado temos o Natal. É a festa da época, cheia de alegria, cor, bons sentimentos, reuniões e trocas de prendas. Há jantares de confraternização nos empregos, representações alusivas em todas as escolas, as ruas são decoradas (este ano muito menos), a publicidade está sempre a mostrar-nos a prenda perfeita que procuramos para aquela pessoa especial. Viaja-se muito para reunir as famílias, trocam-se votos de boas festas, as crianças vivem numa excitação, é-se mais generoso para com os desfavorecidos. É uma festa com referências cristãs, mas já agregou muitos outros símbolos: árvores e renas, bonecos de neve e Pai Natal, etc.

Apesar da continuada referência nominal às suas origens, é uma festa já muito secularizada, descaracterizada até, para os mais tradicionalistas. Mas continua a ser a melhor época do ano, porque é a época em que todos se esforçam um bocadinho mais por agir bem para com o seu semelhante e, assim, os valores promovidos, e mais ou menos exercitados, são os que mais aproximam a humanidade da fidelidade a si mesma. É uma festa que vale a pena celebrar por todos. E que as críticas dos cristãos não mostrem o despeito de quem se sente algo seu expropriado e adulterado, mas expressem alegria por alguma coisa do exemplo de Cristo ter permeado a cultura dominante e procurem apenas ajudar a que esta festa de Natal seja ainda mais humana.

Para os cristãos, no entanto, celebrar apenas este “Natal” não é suficiente. Precisam de lhe acrescentar a segunda festa, a que vou chamar a Festa da Natividade de Jesus. Esta celebra-se visitando o presépio e olhando a pobreza, simplicidade e escondimento do nascimento deste Menino prometido como Salvador. Mar, em júbilo, o culminar do caminho que se fez durante as quatro semanas do Advento, tempo de espera, expectativa e preparação. É uma festa religiosa, de experiência espiritual pessoal profunda, encontro com Deus no coração de cada um – o espaço onde o Deus encarnado, o Emanuel, o Príncipe da Paz, o Verbo de Deus feito humano quer levantar a sua tenda e tornar-se companheiro de jornada, Caminho, Verdade e Vida. Para que isto possa acontecer é necessário silêncio, oração, contemplação. É uma festa que pede a partilha desta Boa-Nova, o anúncio ao mundo feito pela comunidade que descobre o presépio de Belém e o celebra com irrefreável alegria, por exemplo, na Missa do Galo. E, finalmente, é uma celebração que compromete, porque depois do encontro com Jesus, o enviado de Deus para anunciar libertação a todas as pessoas, a sua missão e o seu estilo de vida não deixarão mais de nos interpelar e desafiar a segui-Lo.

Com a Natividade de Jesus bem no centro e a dar o sentido mais profundo a toda a época, a celebração do Natal até ajuda a expressar exteriormente o que inunda o coração. Um cristão rejubila com as duas festas e participa entusiasticamente em ambas, valorizando cada uma pelo que é. Nem se pode fechar num purismo de recusa de tudo o que é secular e espúrio face à tradição cristã, atitude que isola e afasta dos outros, contra o espírito destas festas. (Logo da primeira vez, Jesus veio para os que não O receberam e nem por isso Ele se foi logo embora.) Como também tem que estar atento para, quase sem cair da conta, não se ir deixando ficar só com o Natal e perder de vista a Natividade. Este é um risco muito maior. Já contagiou muitos cristãos e, infelizmente, aqui ou ali, até parece que entrou nas próprias igrejas.

Feliz Natal e Santa Natividade de Jesus!