Entrevistas |
Frei Francisco Sales Diniz, director nacional da Obra Católica Portuguesa de Migrações
“A pessoa é um ser único, irrepetível, e nunca pode ser um número!”
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O director nacional da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) considera “um erro político” incentivar os jovens portugueses a emigrar e diz que essa estratégia “pode levar à ruptura”. Nos 50 anos da OCPM, frei Francisco Sales Diniz salienta, em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, que a missão da obra “é especialmente de acolhimento à pessoa” e aponta os migrantes como “protagonistas do anúncio do Evangelho”.

 

A Obra Católica Portuguesa de Migrações está a celebrar 50 anos. Por que motivo a Igreja sentiu necessidade de ter um organismo dirigido aos migrantes?

Portugal tem uma pastoral migratória desde que começou a expansão, porque os padres, os religiosos e as religiosas sempre acompanharam as comunidades. Já nos anos 50, princípio dos anos 60, havia muitas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, não havia era nada organizado a nível pastoral. Com o Papa Pio XII, particularmente com a Constituição Apostólica ‘Exsul Familia’, que é o grande documento da Igreja sobre a migração e com orientações precisas para a pastoral, foi criado o Conselho Supremo das Obras da Emigração, em Roma, onde participou D. José Pedro da Silva, Bispo Auxiliar de Lisboa e mais tarde Bispo Titular de Viseu, que trouxe para Portugal toda uma reflexão que foi feita a nível nacional sobre a necessidade e a forma de acompanhar os migrantes. Na época, não havia ainda a Conferência Episcopal Portuguesa pelo que a OCPM foi criada a 1 de Julho de 1962, por portaria patriarcal.

 

Quais as grandes questões da migração nos dias de hoje, em especial em Portugal?

Hoje estamos num mundo global, onde a mobilidade é muito fácil. Com a abertura de fronteiras, é muito difícil saber quem entra e quem sai, o que não nos permite ter conhecimento de muitas das realidades. Como o mundo é global, mudou o paradigma dos que saem do país. Se noutros tempos, era quase sempre gente mais pobre que saía, muitas vezes quase analfabetos que iam com a ideia de ganhar dinheiro para depois voltarem, hoje a maioria de quem sai é gente com formação, com cursos superiores e que com a situação que o país lhes tem dado, vão construir a vida lá fora. Há como que um corte quase radical com o país…

Noutros tempos, os que emigravam eram quase todos católicos – e por isso criaram-se tantas missões no mundo! –, sendo que muitos dos emigrantes de hoje em dia não são praticantes mas continuam a querer que a Igreja lhes garanta a catequese e os sacramentos, tal como se estivessem em Portugal.

Ao nível dos imigrantes, a queda do muro de Berlim e a abertura a Leste trouxe um movimento de pessoas que não estávamos habituados, nem no campo social, cultural e particularmente a nível religioso.

As coisas mudaram radicalmente. Antes de 1974, Portugal era um país, uma nação, uma língua, uma raça; hoje, Portugal é multicultural e temos no nosso país pessoas de 175 nações!

 

Costuma-se dizer que “há um português em cada canto do mundo”. A crise trouxe ‘destinos novos’ aos emigrantes portugueses?

Angola está a ser uma das realidades crescentes. Aliás, numa conferência onde participei disseram que em Angola já há mais portugueses em situação ilegal do que todos os angolanos que estão cá! Outro novo destino é o Brasil. Se em poucos anos tivemos uma explosão de imigração de brasileiros, que tem vindo a diminuir, neste momento os portugueses começaram também a ir para o Brasil, em especial gente com formação técnica. Estes são os dois ‘destinos novos’, mas continua a ir muita gente para Inglaterra, Suíça, França, Alemanha ou Luxemburgo, apesar de neste momento os mercados de trabalho nestes países começarem também a ficar saturados…

 

Recentemente, considerou em entrevista que “é um erro político incentivar os portugueses a emigrar”. Mas perante a crise socioeconómica, essa será porventura a opção de muitos…

Considerar “um erro político” não quer dizer que esteja a condenar as pessoas que emigram, porque há muita gente que não tem alternativa. O erro está na parte governativa, porque quem está a emigrar são os jovens, gente na plenitude da sua força para trabalhar. Jovens que estudaram nas universidades estatais, num investimento do Estado e dos impostos dos portugueses que visavam a formação de pessoas que iriam ser a força do trabalho para desenvolver o país e para ajudar a sair desta crise!

Depois há uma questão que vai ser dramática dentro de poucos anos. Nós estamos num país envelhecido em que o peso daqueles que vivem em situação de reforma é grande e perder uma geração de trabalho ao nível da contribuição, particularmente para a Segurança Social, vai fazer com que haja uma quebra enorme. Vai chegar uma altura em que vamos entrar em ruptura, porque a Segurança Social não terá dinheiro para pagar as reformas ou para manter o acompanhamento social e médico aos mais velhos. Os governantes devem procurar saídas económicas de desenvolvimento, integrando os jovens no mercado de trabalho, incentivando-os também a criarem o seu emprego e a sua empresa.

 

Se algum português estiver a pensar emigrar, de que forma a OCPM poderá ajudar?

Temos toda uma rede de missões católicas de língua portuguesa! Com a falta de sacerdotes portugueses, procuramos que participem no nosso trabalho muitos sacerdotes brasileiros e africanos. É uma rede que cobre todos os países onde estão concentrados os portugueses. São muitas as pessoas que nos contactam, a dizer que vão emigrar ‘para aqui ou para ali’ e a perguntar quais as missões católicas que temos em determinado país! Nós fazemos acompanhamento religioso – na catequese, por exemplo, temos milhares e milhares de crianças! – mas temos também outros serviços. Há um acompanhamento social e de apoio e não é apenas dirigido aos católicos. É preciso que isto fique claro: todo o nosso trabalho, seja em Portugal com os imigrantes, seja no estrangeiro com os emigrantes, é um trabalho da Igreja mas é especialmente um acolhimento à pessoa! A Igreja não está neste campo para fazer proselitismo, mas para acompanhar as pessoas! Muito do que existe espalhado pelo mundo teve origem na Igreja, nas comunidades. O início do ensino do português no estrangeiro foi a Igreja que o promoveu!

 

Que acompanhamento a OCPM tem procurado manifestar aos imigrantes?

Desde há alguns anos que se procura motivar as dioceses a estruturarem um secretariado diocesano da mobilidade, porque a função da OCPM é coordenar e orientar, como serviço da Conferência Episcopal, quem está no terreno. Uma vez mais, a Igreja foi pioneira, nos anos 90, quando começou esta explosão de imigração para Portugal, no acompanhamento, na ajuda, no apoio social, no apoio jurídico aos imigrantes.

 

No Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados, assinalado a 15 de Janeiro, o Papa sublinhou que “os migrantes não são números”. Este mundo contemporâneo torna cada vez mais difícil olhar para a pessoa, concorda?

Na cultura do nosso tempo, a pessoa humana passou a ser um número e não são apenas os migrantes. Infelizmente é assim. Os migrantes sofrem muito mais porque vivem numa situação de fragilidade. Os católicos – e também os de outras religiões – têm de lutar para transformar isto. A pessoa nunca pode ser um número! A pessoa é um ser único e nós, que somos crentes, acreditamos que é um ser criado por Deus, único, irrepetível! Como cristãos, podemos verdadeiramente marcar a diferença!

 

O Papa dizia ainda que “os migrantes não são somente destinatários, mas também protagonistas do anúncio do Evangelho no mundo contemporâneo”. De que forma é possível os migrantes serem anunciadores?

Muitos são verdadeiramente testemunho, e testemunho evangelizador. Se formos a França – que está completamente descristianizada –, muitas comunidades paroquiais existem e são testemunho porque estão lá os portugueses! Há grupos de jovens constituídos por muitos portugueses e luso-descendentes. As grandes peregrinações que fazem, as devoções que levaram são grandes testemunhos!

Eu vou muito à Califórnia e vejo que não são apenas os portugueses que são evangelizadores. As comunidades filipinas vão às festas com uma devoção única, os mexicanos a mesma coisa!

Em Portugal, nós precisamos de ser evangelizados. Nós estamos descristianizados. Se calhar, dentro da Igreja estamos descristianizados. Muitas vezes, a preocupação é o exterior. Por vezes, falta a alma, falta o coração, falta o amor, falta a caridade.

 

Presente em Portugal para as comemorações dos 50 anos da OCPM, o subsecretário do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, padre Gabriele Bentoglio, considerou que o futuro desta obra “será marcado pela interculturalidade”. De que forma será feito este caminho?

Multiculturalidade são muitas culturas a viver no mesmo espaço. A interculturalidade são as culturas a viverem em relação, entrosando-se umas nas outras. É isso que já procuramos fazer! O que a OCPM tem que fazer é procurar empenhar os imigrantes para que verdadeiramente se manifestem. É preciso começar a promover celebrações interculturais!

 

Foi anunciado que o Governo português irá distinguir a Obra Católica Portuguesa das Migrações em reconhecimento pelo trabalho realizado. Como a OCPM recebeu esta notícia?

Ficámos satisfeitos com a distinção. Eu estou há muito pouco tempo na obra, mas esta é uma distinção que reconhece um trabalho que é único, particularmente no campo do acompanhamento das nossas comunidades lá fora. Por isso, como lema para estes 50 anos escolhi ‘Celebrar a memória’. Temos que celebrar esta memória que é única para podermos projectar o futuro!

 

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Perfil

Natural dos Açores, frei Francisco Sales Diniz, de 48 anos, é director nacional da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) há cinco anos. Franciscano, foi ordenado em 1997, com o grupo de sacerdotes do Patriarcado de Lisboa. Nos Franciscanos esteve sempre ligado à pastoral juvenil e, durante quatro anos, esteve na Diocese de Leiria também com esta pastoral. Esteve depois seis anos nos Açores. “Como os açorianos têm uma grande ligação com a emigração, particularmente nos Estados Unidos e no Canadá, e como eu tenho família nestes locais, surgiu o convite da Conferência Episcopal para integrar a OCPM”, recorda frei Sales Diniz.

Nestes cinco anos que leva à frente da obra, tudo mudou em relação às migrações: “Em cinco anos, as coisas mudaram muito, começou a crise… Quando eu cheguei, ainda havia um grande movimento de imigração e não havia este movimento da emigração”, aponta, lembrando que esteve na parte final do debate da nova lei da imigração: “O mundo das migrações está em permanente mutação, está sempre a mudar!”.

 

 

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Número de Padres a trabalhar com as comunidades de língua portuguesa na Europa, ligadas à OCPM

 

Alemanha

28

Bélgica

4

França

70

Holanda

5

Itália

4

Luxemburgo

9

Reino Unido

4

Suíça

18

 

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