Entrevistas |
Monsenhor Fernando Sebastián, Arcebispo Emérito de Pamplona
Ateísmo e indiferença religiosa devem ser porto de desembarque para a Igreja
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Presente em Lisboa para falar ao clero diocesano sobre nova evangelização, monsenhor Fernando Sebastián, Arcebispo Emérito de Pamplona, concedeu uma entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE onde aponta “a proximidade” e “uma intensidade espiritual nova” como caminhos para anunciar Cristo. Este bispo espanhol, de 83 anos, recomenda ainda rezar: “Se queremos colaborar com Ele, temos de nos pôr em sintonia com Ele”.

 

Veio a Lisboa falar ao clero sobre a nova evangelização. Que desafios se colocam, actualmente, à Igreja para o novo anúncio?

Em primeiro lugar, temos os dados que nos apontam para uma crise geral de fé e de religiosidade em todo o Ocidente cristão. No documento ‘Porta fidei’ (‘Porta da fé’) publicado recentemente, o Papa Bento XVI reconhece isso mesmo. E portanto a Igreja tem que intensificar o anúncio da mensagem de Jesus e da fé cristã, precisamente, nos nossos próprios países. Essa é uma tarefa muito nova. Tanto Espanha como Portugal eram países homogeneamente cristãos e católicos nos séculos V e VI, e nessa altura podíamos dedicar-nos a muitas coisas, tendo a fé como dado adquirido. Hoje, a fé não é um dado adquirido. Os crentes têm muita dificuldade em crer, sobretudo as novas gerações. E há muita gente que perdeu a fé ou que tem uma fé muito vacilante, com dúvidas, confusa, que já não serve para organizar a sua vida. Então o repto principal e o problema principal é: como suscitar a fé em Cristo, de uma maneira clara, firme, operante? Primeiro nos cristãos vacilantes e segundo nesses 50 ou 60 por cento dos nossos concidadãos que não vêm habitualmente à Igreja, nem têm nenhuma prática religiosa que se conheça. Isto requer uma proximidade, uns métodos, uma intensidade espiritual nova que nós temos agora que reflectir e pôr em prática.

 

E como se pode agir? Dirigindo-se aos clero falava sobre as atitudes a ter na nova evangelização. O que recomenda fazer?

Primeiro parece-me que é preciso rezar. Pormo-nos em sintonia com o Senhor. O Bom Pastor, o primeiro evangelizador é o próprio Jesus Cristo. Se queremos colaborar com Ele temos de nos pôr em sintonia com Ele. Pensar que atitude teve Jesus com os não praticantes do seu tempo. Estudando o Evangelho vê-se que a atitude principal de Jesus é a compaixão. Jesus crê na boa vontade das pessoas e aproxima-se delas com mansidão, com confiança para anunciar-lhe fraternalmente a boa notícia da proximidade de Deus, das promessas de vida eterna que Deus nos fez, da verdadeira humanidade. Porque Jesus é o princípio da nova humanidade. É o novo Adão. Há que recordar muito esta expressão: Jesus é o novo Adão. Ou seja, aprendemos a ser homens a partir de Jesus Cristo. Esta é a nossa fé. E com esta condição e com estes sentimentos de humildade, mansidão e proximidade, sem qualquer prepotência, temos que anunciar claramente a boa notícia de Jesus.

 

Um dos problemas da sociedade de hoje é a crise de valores que tem repercussão nas famílias. Como pode a Igreja ajudar?

Em primeiro lugar há que estabelecer contacto com as famílias. Um problema muito sensível e difícil de resolver é o de estabelecer contacto com os que não vêem à Igreja. Nós, cristãos, temos que desembarcar neste novo continente espiritual do laicismo, da indiferença, do afastamento religioso. Há que buscar, com a colaboração dos leigos e dos meios de comunicação que hoje temos, uma forma de ir ao encontro das pessoas que não vêm à Igreja. E depois, para nós, o ‘remédio’ da crise é o descobrir Jesus, a fé em Jesus Cristo e o aprender a viver dos ensinamentos e do testemunho de Cristo, confiando no amor, na providência e na esperança de Deus. Porque os valores não podem ser conclusões filosóficas e teóricas. Os valores têm de ser exemplos vivos que nos sirvam de apoio, de companhia. Os valores não os podemos criar dentro de nós próprios, mas temos de encontrar ao nosso lado pessoas firmes que nos ajudem e ensinem a viver! Em primeiro lugar Cristo, e com Ele os santos, e com eles os irmãos na fé. Para aprender e para ser capazes de viver cristãmente neste mundo temos de conviver com outros cristãos. Em pequenos grupos, pequenas assembleias, reuniões de amizade, para comentar, clarificar e estimular a nossa fé, coincidindo todos no respeito e na veneração e no amor a Jesus Cristo que é quem nos indica o caminho da verdadeira humanidade e nos sustem espiritualmente com a sua graça.

 

Nestes dias em Lisboa falou na relação entre fé e cultura. Como se pode chegar a um equilíbrio nesta dimensão?

Com uma boa educação. Nesta questão da relação entre fé e cultura o factor decisivo é a educação que se recebe nas famílias, nos colégios, nas universidades católicas. Há uma ampla doutrina sobre as relações entre fé e razão, fé e ciência. O Papa Bento XVI tem um amplo magistério. Já o Papa João Paulo II tinha publicado a encíclica ‘Fides et ratio’, e há um amplo magistério que temos de levar à prática da educação, sabendo que, a priori, não pode haver contradição entre uma fé bem formulada e uma verdadeira ciência, porque a verdade das coisas tem origem no mesmo Deus da Salvação. Deus criou o mundo para o Homem e o Homem para Cristo, e Cristo para Deus. Portanto há uma certa continuidade, uma profunda harmonia entre a criação que investiga a ciência e os dons que Deus faz ao Homem para a sua própria felicidade e salvação. Há uma harmonia porque tudo está ordenado. Portanto, uma ciência serena, sossegada, tranquila não pode criar obstáculos à fé, nem a fé pode criar obstáculos à ciência. Pelo contrário, a ciência purifica a fé, e a fé ilumina, liberta e estimula o Homem para conhecer a verdade do mundo.

 

Na sua reflexão abordou a predominância do ateísmo nas sociedades. É possível converter os ateus?

Sem dúvida alguma. O fenómeno da socialização do ateísmo, de um ateísmo muitas vezes não formalizado mas implícito e prático, é consequência da impregnação cultural mais do que uma decisão pessoal. Faz falta que nos aproximemos deles sem medo porque nós, cristãos, temos de estar convencidos de que não há razões verdadeiras para ser ateu. O ateísmo é uma opção. Não é uma fé que tenha os sinais de um redentor, como nós temos. Não há razões válidas para ser ateu, ainda que o ateu creia que sim. Por isso, nós podemos aproximar-nos deles com serenidade, tranquilidade e também com respeito, porque o ateu, sobretudo aquele que é ateu explícito, tem as suas razões. Então, a primeira coisa a fazer é escutar. Ganhar a sua confiança e escutá-lo. Os temas religiosos são todos temas confidenciais. Por isso, há que falar num clima de confidencialidade, de confiança, de benevolência para que o ateu nos diga, de verdade, porque é ateu e para que nós o possamos esclarecer dos equívocos e dos bloqueios que podem existir no seu itinerário pessoal que o levou ao ateísmo. Há muitas classes de ateus. Há o ateísmo da indiferença, do erro, e também o ateísmo do orgulho. Um ateísmo que é realmente pecado. É a recusa da soberania de Deus. Esse é o mais difícil mas, com a graça de Deus, tudo é superável.

 

Ultimamente tem-se falado sobre o ‘Pátio dos Gentios’. O que se pretende?

O Pontifício Conselho para a Cultura e o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização já tem feito ensaios em várias capitais europeias de encontros, em formas diferentes, de diálogo. Eu entendo que estes encontros têm de ser pouco numerosos, onde todos podem intervir e onde se pode falar com sinceridade. Mesmo sobre temas científicos, como por exemplo, a compatibilidade entre Evolução e Fé cristã, Criação, ou mesmo sobre temas da moral como o Matrimónio, a Família. Muitas vezes os que recusam o ensinamento da Igreja, não a conhecem bem. Têm recordações de muitos anos e recusam a Igreja que não é a que existe. Não é a que nós vivemos. Ou então, recusam um Deus que não é o Deus de Jesus Cristo. Quando há um clima de confiança, facilmente se podem aclarar coisas que facilitam o caminho para a fé. Porque ninguém lhes quer mal. Ninguém os quer ver no erro. Há que ajudar a libertarem-se de muitos possíveis mal entendidos que hoje estão no ambiente envolvente. Não podemos negar que tanto em Espanha como em Portugal temos muitos anos de uma imprensa laica que difunde muitas notícias e muitos comentários falsos sobre a Igreja. E há muita gente que tem mal entendidos sobre a Igreja, que bloqueiam o seu caminho para a fé. Temos de falar com eles, e de multiplicar o número de cristãos capazes de manter uma conversação confidencial com os ateus, para os libertar e ajudar a crer em Deus e em Jesus Cristo, que é a fonte da felicidade e da plenitude humana.

 

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Perfil

Monsenhor Fernando Sebastián nasceu em 1929, em Espanha, e ingressou nos missionários do Coração de Maria em 1945. Foi ordenado sacerdote em 1953 e estudou teologia em Roma e em Lovaina. Desde 1956 até 1979, a sua actividade ministerial esteve centrada no estudo e no ensino da Teologia dogmática. Foi professor na faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia de Salamanca, onde também foi decano e reitor. Em Setembro de 1979 foi consagrado Bispo de Léon e em Abril de 1988 foi nomeado Arcebispo de Granada. Em 1993 é nomeado Bispo de Pamplona e Tudela, de onde é emérito desde Julho de 2007.

É autor de várias obras ligadas à antropologia teológica e questões pastorais. Entre essas obras está ‘Evangelizar’, de onde saíram as temáticas que veio apresentar ao clero de Lisboa.


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Padres de Lisboa convidados a irem “além das fronteiras da Igreja”

Nestes três dias que esteve em Lisboa nas Jornadas de Formação Permanente do Clero, que mensagem quis deixar?

Quis esclarecer este tema da nova evangelização e ajudar os sacerdotes a conhecer a realidade espiritual e pastoral das pessoas e, sobretudo, dar-lhes o desejo, a confiança e o ânimo de comprometerem-se nesta nova dimensão da pastoral que é ir mais além das fronteiras da Igreja, para entrar no mundo do laicismo e testemunhar.

Da mesma forma que os nossos evangelizadores foram aos novos continentes anunciar o Evangelho, hoje temos de ir a este novo continente espiritual do laicismo, ateísmo e indiferença. Desembarcar entre os indiferentes e falar-lhes fraternalmente de Jesus, porque eles esperam e precisam disso, como nós.

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