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Pedro Vaz Patto
Luzes para a Europa e para Portugal
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Num momento de crise europeia e nacional, em que entre nós se procura reconfigurar relações económicas e laborais, é muito útil a leitura do documento da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE) Uma Comunidade Europeia de Solidariedade e Responsabilidade (acessível, em alemão, inglês e francês em www.comece.eu), sobre o objectivo de «uma economia social de mercado competitiva» para que aponta o Tratado de Lisboa.

Na elaboração do texto teve papel decisivo o cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e Freising, presidente da Comissão Social da COMECE, que se tornou mais conhecido sobretudo depois da difusão de um seu livro (campeão de vendas na Alemanha) com o título O Capital (como o do histórico livro do seu homónimo e compatriota Karl Marx) e o sub-título Por uma crítica cristã das razões do mercado.

Pretende o documento dar conteúdo mais substancial ao conceito de “economia social de mercado”, que se generalizou inicialmente na Alemanha do põs-guerra e foi agora adoptado no Tratado de Lisboa. Esse conteúdo liga-se à busca de um «justo equilíbrio entre liberdade e solidariedade e entre o respeito da dignidade de todas as pessoas e uma protecção particular dos mais fracos».

Começa por salientar os fundamentos culturais e antropológicos da “economia social de mercado”, que remontam às raízes culturais da Europa, à filosofia grega e ao direito romano, mas sobretudo à teologia bíblica: as suas concepções da dignidade da pessoa humana (criada, como ser relacional, à imagem e semelhança de Deus e elevada pela incarnação de Deus em Jesus Cristo), da justiça e da caridade (que exigem que a nenhuma pessoa seja negada uma existência digna, como decorre da parábola do bom samaritano).

Algumas das ideias que desenvolve merecem destaque.

A competitividade da economia, a que alude o Tratado de Lisboa é necessária para vencer as crises da dívida, mas como um meio, porque o fim é o serviço da pessoa, a dimensão social da economia. Para evitar a repetição da crise financeira são necessárias, sem se excluírem, uma regulação jurídica e uma ética pessoal de virtude. Propugna-se a tributação das transacções financeiras, pela menos nos países do euro. Sugere-se um contributo especial dos bancos para a superação da crise (uma vez que na sua génese estão factos da sua responsabilidade). Relembra-se que o mercado tem virtualidades, mas não deve invadir, com a sua lógica, todos os domínios de actividade humana.

No que às políticas sociais diz respeito, sublinha-se a importância dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade, cujas exigências se devem manter para além dos ajustamentos necessários em função da redução demográfica e da diminuição de receitas. A solidariedade exerce-se através da acção do Estado financiada por impostos. Mas a acção livre e gratuita (na linha do que também afirma a encíclica Caritas in Veritate) é essencial para a coesão social e a criação de um precioso capital de confiança e deve, por isso, ser promovida e enquadrada juridicamente de acordo com a sua especificidade. A família deve ser encarada como «fonte viva de solidariedade e responsabilidade».

A economia de mercado deve, por outro lado, assumir uma dimensão ecológica, para o que é importante a difusão de uma cultura de “moderação” e sobriedade. A União Europeia deve continuar a ser «pioneira da salvaguarda da criação nas instâncias internacionais».

Ideias úteis e importantes quando é posto em causa o chamado “modelo social europeu”, e quando se impõe, na Europa como em Portugal, renovar tal modelo sem destruir os seus alicerces e as suas conquistas civilizacionais.