Entrevistas |
Padre Rui Pedro, missionário scalabriniano
Com os emigrantes, ver o Reino de Deus
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Originário de Peniche, na Diocese de Lisboa, o padre Rui Pedro, conselheiro geral da Congregação dos Missionários Scalabrinianos, cumpre este ano 25 anos de sacerdócio. Neste Domingo, 29 de Abril, em que a Igreja assinala o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, o Jornal VOZ DA VERDADE foi conhecer, em Roma, o testemunho de vida de um padre que se faz um com os emigrantes.

 

O que marcou o seu caminho vocacional?

Marcaram-me pessoas. Começo por referir o meu pároco, o padre Manuel Bastos. Um homem que me transmitiu um grande amor à Igreja e que eu via que era feliz no trabalho que fazia. Era também muito próximo da vida das pessoas, dos pescadores, dos jovens, dos idosos... esta figura silenciosamente foi sendo um sinal de Deus para mim. Depois os meus pais, sobretudo a minha mãe. Ela foi uma militante da Acção Católica, da JOC. E isso sentia-se em casa. Sentia-se essa espiritualidade muito sólida que recebeu na sua juventude, desta Igreja aberta ao mundo. Desta Igreja que vai além das portas do templo. Penso que aqui estará a origem do meu lado missionário! Também tenho de referir o padre José Magrin, missionário scalabriniano, que na fase mais avançada do meu discernimento foi alguém que soube acompanhar-me com muita liberdade, transmitindo-me o entusiasmo e a esperança desta missão.

Por outro lado, também há lugares que me marcaram e posso dizer que o primeiro foi a oração. A oração que aprendi na paróquia, no grupo de jovens e nas várias actividades que fazia. Ainda hoje a oração é o lugar essencial de renovar, sempre, a minha entrega. Outro lugar que me marcou, para além da paróquia, foi o mundo. O estar no meio dos jovens com ideais de liberdade e de justiça, num mundo um pouco sem norte, como era na época do 25 de Abril. Ao ver as injustiças e com o olhar de jovem que quer mudar o mundo, senti também aí Deus a chamar-me. Deus revela-se de modos muito diferentes a todos nós, mas eu sentia que, em tudo o que acontecia, havia pequenos sinais que me chamavam e que eram mais fortes do que eu. A entrega ao mundo que vivo na vocação missionária é talvez ainda hoje o lugar mais desafiante onde sinto que Deus me chama!

 

Estando, na sua missão apostólica, ligado a esta dimensão vocacional, como vê a actual realidade das vocações na Igreja?

Penso que Deus nunca chamou tanto como agora! Olhando para trás, vejo que a Igreja depois do Congresso Europeu das Novas Vocações, despertou para esta realidade e hoje há um ambiente muito mais favorável para que um jovem possa ouvir a vocação. Há mais sensibilidade, mais oração. Contudo, o que me parece que continua a dificultar a pastoral vocacional é que por vezes ficamos muito fechados na técnica e no aspecto promocional. E os animadores vocacionais acabam por não transmitir com a transparência e limpidez o que estão a viver. Hoje, para que os jovens possam interrogar-se, penso que falta na Igreja mais narrativas de vida. Que os sacerdotes, os leigos, as religiosas, contem o que Deus tem feito nas suas vidas. O testemunho é a palavra-chave! Que nos habituemos a falar mais disto aos jovens e não apenas em sessões e em vigílias. Se formos por aí, os jovens sentir-se-ão muito mais desafiados!

Por outro lado, há também muito ruído no mundo. Aumentou a ideia da precariedade, da insegurança. Os jovens têm medo de dizer ‘Sim’. Por vezes têm medo deles próprios e não avançam, não dão o passo!

 

Mas parece-lhe não haver testemunho de vida religiosa?

Não! Eu acho que há testemunho, porém há que desenvolver na pastoral vocacional esta dimensão que era tão forte nas igrejas primitivas em que se narrava o que se vivia. Quando estou com emigrantes e me dizem que os filhos não são praticantes eu questiono-os: ‘Alguma vez disse aos seus filhos por que é que é cristão e por que vai à missa ao Domingo?’. É preciso dizer! Na Igreja hoje é preciso ir mais para uma linha de um Cristo que abrange a nossa vida, nos preenche! O jovem hoje não se faz padre para trabalhar! Ou ainda, eu não me fiz padre para os emigrantes! Nós optamos por esta vocação para seguir Jesus Cristo. No meu caso, vejo que Deus através dos emigrantes está a realizar o seu Reino e a sua obra. Com os emigrantes, vou tentar construir o Reino. A Ordem Hospitaleira fá-lo-á com os doentes, etc. Por isso, penso que a vocação para fazer qualquer coisa não atrai mais os jovens. Daí esta ideia de que a Igreja deva apostar mais no testemunho que possa chegar aos jovens, às famílias, aos movimentos, de modo a que isso se torne uma coisa muito natural do nosso celebrar e evangelizar. Se antigamente se via uma grande tendência para o social e para as obras, hoje vê-se uma grande tendência para o espiritual. E não é por acaso que isso acontece! Por vezes até os jovens preferem esta dimensão do espiritual. Por isso acho que é preciso um equilíbrio neste momento.

 

Neste âmbito, considera que é importante dar lugar às técnicas de marketing para a promoção vocacional?

É desafiante. Para comunicar uma mensagem, este dom que é a vocação, todos os meios servem. É importante conhecer as técnicas porque há um tipo de juventude que procura em toda a parte respostas às suas inquietações. Mas não é o mais importante! Penso que por vezes alguma pastoral vocacional aposta demais na parte técnica porque depois falta o resto. Eu posso fazer encontros bem organizados mas depois não tenho tempo para os jovens, para os ouvir. Os eventos que qualquer pastoral é chamada a fazer, têm de ter uma alma. Por isso penso que se a técnica fica no seu lugar, em que não oculta a mensagem que se quer transmitir, e os animadores empenhados nesse trabalho sabem que o mais importante é a relação que vão estabelecer com os jovens e o testemunho que vão dar, aí penso que estamos a dignificar a vocação como um dom de Deus. No entanto, considero que é preciso que haja na Igreja, de modo particular na pastoral vocacional um grupo de pessoas ligadas à comunicação que ajudem a uma boa transmissão da mensagem para que o jovem possa iniciar um caminho de resposta sem ser ‘enganado’.

 

Como é a presença dos Missionários Scalabrinianos em Portugal?

A presença em Portugal é a mais reduzida dos últimos 41 anos. Estamos apenas em Amora, com o Centro Missionário, o Seminário e a paróquia. Já estivemos em Aveiro e em Trás-os-Montes. Mas a Província fez agora a opção de África e por isso em Janeiro deste ano abrimos uma nova paróquia em Joanesburgo a pensar também nos portugueses.

A presença em Portugal é reduzida e, por isso mesmo, neste momento está suspensa a animação vocacional. Temos apenas dois sacerdotes na Amora, em plena actividade, e um que está reformado mas ajuda nas celebrações. Há também um grupo de leigos que colabora nas actividades.

 

Que desafios se colocam neste momento à congregação?

O desafio interno é o da interculturalidade. A passagem de uma congregação praticamente de origem europeia, europeus e brasileiros de origem italiana, a outros modelos, a uma maior diversidade de carácter mais latino-americano, e a dimensão asiática. Nos últimos 20 anos fomos para países da Ásia onde se percebe ser um outro mundo. Este desafio é muito grande: o de criar a partir da internacionalização que já vivemos estes dinamismos positivos de modo a que todos possam dar o seu contributo cultural, espiritual e eclesial à congregação.

Um outro desafio é o da estruturação de uma ONG que já existe, a SIMN (Scalabrini Internation Migration Network) através da qual nos podemos equipar e podemos crescer para que para além da pastoral, além do laicado e além da Igreja e da formação dos leigos, possamos também levar o nosso carisma e a voz da Igreja às entidades de vértice que hoje decidem os destinos do mundo, da política, da paz e da justiça. Temos já colegas destacados que estão a trabalhar na ONU. Esta é outra maneira de sair da sacristia, indo para outros fóruns que trouxe à congregação o desafio da formação específica.

 

A crise económica que se vive na Europa tem tido implicações na missão que se desenvolvem? Tem levado a uma maior intervenção da congregação?

Sim, a nível das migrações assistimos a novas mobilidades, mesmo de portugueses. Estamos preocupados e queremos dar uma resposta porque, por exemplo, em Luxemburgo, onde estive há pouco tempo, a missão estava organizada de um certo modo e agora temos mais pessoas a chegar. Gente que não tem o perfil dos que já chegaram há mais tempo. Isto verifica-se sobretudo em Luxemburgo e na Suíça alemã. A crise está, de facto, a forçar mais gente para a emigração. Quer jovens, que vão à procura de trabalho e alguns casais jovens que não conseguem mais estar à altura dos seus deveres, e outros que perderam os seus empregos em Portugal.

A crise europeia também veio diminuir alguns recursos nos quais estamos envolvidos. A resposta social que damos em determinados lugares é reduzida neste momento. Por outro lado estamos também a ser confrontados com o desafio de encontrar uma linguagem para as pessoas que se encontram em situação difícil, sobretudo no ajudar a reconhecer Deus nestes momentos. Ajudar a ver que no meio do sofrimento Deus não está alheio. 

 

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História de uma vocação

O padre Rui Pedro é de Peniche e na sua juventude frequentou o curso de Mecânica da Escola Industrial. Desde muito cedo integrou movimentos da paróquia, fazendo parte do grupo dos acólitos e das conferências de São Vicente de Paulo. “Havia uma grande alegria em servir a Igreja", conta ao Jornal VOZ DA VERDADE. Em certo momento da sua juventude sentiu que "era preciso falar com alguém" e por isso mesmo recorreu a um sacerdote scalabriniano que tinha conhecido em Peniche, o padre José Magrin. "Aí iniciámos um certo diálogo mensal, e isso levou-me depois a optar pela vida missionária que já era para mim uma luz muito forte. Eu conhecia o meu pároco e muitos outros sacerdotes mas havia em mim este apelo missionário", conta o padre Rui Pedro.

À época, a Congregação dos Missionários Scalabrinianos "não tinha muita implantação em Portugal e por isso foi preciso pedir ajuda à Diocese de Lisboa", conta salientando o facto de, juntamente com outro jovem, ter sido aluno do Seminário de Almada, onde diz ter sido sempre "muito bem acolhido". Em Amora, na Diocese de Setúbal, "foi criada uma pequena estrutura de acolhimento", por onde passou e depois do noviciado em Loreto, Itália, partiu para Roma onde realizou e concluiu os estudos teológicos. Ordenado a 26 de Julho de 1987, em Peniche, foi depois enviado para França onde trabalhou numa zona de fronteira com emigração portuguesa e regressa a Portugal para assumir as funções de capelão militar durante dois anos na Base Aérea do Montijo e no Campo de Tiro de Alcochete. Foi animador vocacional, reitor, director do Serviço das Migrações de Setúbal, da Obra Católica das Migrações, e na congregação foi conselheiro provincial, regional e assume, desde 2007, as funções de conselheiro geral.


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Missionários Scalabrinianos: ao encontro dos emigrantes

Os Missionários de São Carlos Borromeu são uma congregação que nasceu no final do século XIX (1887), “numa altura em que surgem também muitas congregações ligadas ao social”. “A Igreja viu a necessidade de ir ao encontro do mundo operário. A Europa conhecia um grande êxodo em direcção às Américas e daí o fundador, o Beato João Baptista Scalabrini, sentiu a inquietação de fazer algo para os muitos diocesanos da sua diocese que partiam. Diante disto, sentiu o chamamento e na sua oração fez o discernimento. Verificando o tipo de estruturas que existia na sociedade, e a desprotecção legal nestas situações de emigração reuniu um grupo de sacerdotes e fundou a Pia Sociedade”, conta o padre Rui Pedro. O fenómeno das migrações não era visto como um problema, mesmo pelas estruturas superiores da Igreja pelo que “foi difícil” ao padre Scalabrini a fundação da congregação. “A Santa Sé, da leitura que fazia do fenómeno das migrações não via oportuno a constituição de uma congregação. Para eles era um fenómeno passageiro", acrescenta. “Vemos, no entanto, que a intuição do padre Scalabrini antecipou algo que hoje se vive. Vemos que é algo transversal a todas as pastorais. Hoje é uma dimensão da vida moderna”, refere.

Presente em 31 países, a congregação religiosa tem cerca de 700 missionários, incluindo os estudantes, e caracteriza-se como “uma modesta congregação que se sente feliz por ver que há outras congregações que cada vez mais se interessam pelo fenómeno da emigração”.

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