Entrevistas |
Padre Tony Neves, novo Provincial dos Missionários Espiritanos
“Reforçar as presenças paroquiais”
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Eleito recentemente Provincial dos Missionários Espiritanos, o padre Tony Neves encara a nova missão com sentimento de serviço. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, este sacerdote que este ano celebra 30 anos de profissão religiosa deseja que os Espiritanos reforcem a presença nas paróquias e espera aprofundar as relações mútuas entre o mundo diocesano e a sua congregação.

 

No passado dia 23 de Abril foi eleito Provincial dos Missionários Espiritanos. O que sentiu ao ser-lhe confiada esta missão?

Senti um peso muito grande nos ombros e acho que ainda me dói o pescoço por isso! Por um lado, ao avaliar os últimos anos, esta decisão era por muitos esperada. Eu tentei convencer-me do contrário e lutar para que assim não fosse. Já era assistente provincial há 12 anos, por isso a questão da administração, para mim, não traz novidade mas traz agora o peso da última decisão ser sempre tomada pelo Provincial. É a decisão que pesa e que por vezes é dolorosa quando não é uma decisão muito ‘simpática’ para as pessoas envolvidas. Quando fui eleito disse que aceitava, por fazer este ano 30 anos de vida consagrada. E em 30 anos nunca disse 'Não' a nenhum pedido de trabalho e de responsabilidade fosse ele qual fosse, partindo do pressuposto de que estamos para servir. Por isso aceitei, porque é um serviço, um acto de fé e uma entrega que vai na sequência destes 30 anos de missão!

 

O que vai ser esta missão enquanto provincial?

O meu trabalho é essencialmente em Portugal mas como somos uma congregação mundial há todo um conjunto de maneiras de ser e de estar na vida que derivam da regra de vida e da documentação que nos chega da Casa Geral que nos vai dando orientações. Em Portugal temos 11 comunidades, de norte a sul do país, o que faz com que um provincial esteja sempre a caminho. Há muito trabalho que podemos fazer pela internet e pelo telemóvel, mas nada substitui o contacto pessoal sobretudo quando há decisões importantes a tomar e quando é preciso animar as comunidades. Se com o trabalho com os Jovens Sem Fronteiras e na comunicação já circulava muito, agora terei de circular muito mais! Tenho de me sentar com muita gente, conversar com as pessoas, ver as expectativas, as angústias e as alegrias, o que se pode melhorar em termos de presença espiritana na Igreja em Portugal. Como responder a desafios que diversos bispos têm lançado para que assumamos outras responsabilidades. É uma gestão difícil porque somos poucos e temos muito trabalho. Temos de reequacionar os nossos compromissos, mas temos de manter esta abertura à Igreja local. Esse será também o meu papel moderador porque somos 150 membros e cada um tem a sua forma de estar, as suas características.

 

Quais as prioridades a assumir neste momento pela congregação?

Nós temos desafios que são de sempre e que temos de continuar a manter. Um deles tem a ver com a pastoral vocacional, também a animação missionária na Igreja local e depois os compromissos que a Igreja local nos pede e que nós de forma espiritana estamos a assumir. Temos já compromissos muito concretos que são para manter. Mas queria reforçar algumas linhas de frente. Por exemplo, temos diversas paróquias onde só temos um padre directamente envolvido. Mas o nosso espírito comunitário também deveria sentir-se mais nos nossos compromissos paroquiais, e por isso gostaria que todas as nossas presenças paroquiais fossem reforçadas. Estamos a trabalhar nesse sentido e de certeza que isso irá acontecer, em alguns casos, já este ano. Por outro lado, em relação à animação missionária temos de reequacionar algumas coisas, porque os bispos portugueses publicaram, em 2010, a Carta Pastoral 'Como Eu vos fiz fazei vós também', que é uma carta fantástica que rasga horizontes muito grandes e que nos compromete, a nós institutos missionários, de uma forma diferente e nova perante a Igreja local. Há que continuar a aprofundar essas relações mútuas entre o mundo diocesano e o mundo das congregações. Porém, há algumas sugestões, como a criação dos centros diocesanos missionários, onde também queremos ajudar. São projectos ousados e criativos que respondem a este dinamismo de nova evangelização em que a Igreja está envolvida. Também a frente solidária é uma preocupação. Estamos num momento crítico, onde sentimos que as franjas mais pobres da sociedade são aquelas que ainda vão ressentir mais os efeitos desta crise. Recordo de modo particular os migrantes. Temos o CEPAC (Centro Padre Alves Correia), em Lisboa, que vai respondendo por muitas valências, com muita qualidade e capacidade. Temos investido muito neste centro, quer em termos humanos quer materiais e achamos que neste período essa aposta tem de ser mais aprofundada.

 

Este Centro tem sido muito procurado?

Muitíssimo! Todos os dias temos centenas de pessoas que vêm pedir ajuda. Uns por causa de documentos, outros por questões de saúde, de roupa, de alimentação e até por questões jurídicas e de apoio psicológico. Vamos, assim, tentando responder aos pedidos.

 

A presença dos Espiritanos nas paróquias, de modo especial através dos Jovens Sem Fronteiras, tem permitido uma maior sensibilização para as questões da missão?

A nossa presença nas paróquias acontece de três formas complementares. Uma delas é sendo párocos. E temos alguns. Outra, é fazendo animação missionária a convite. Somos muito requisitados pelos párocos para fazer pregações e participar em celebrações. A terceira é tendo uma inserção paroquial com os nossos movimentos, concretamente a LIAM (Liga Intensificadora de Acção Missionária), para um público mais adulto, e os Jovens Sem Fronteiras (JSF). A experiência que tenho, no âmbito dos JSF, é muito positiva porque os jovens por natureza mexem mais. E onde estão e onde intervêm, a sua intervenção nota-se mais! Em todo o país estamos em 42 paróquias, temos uma excelente relação com todos os párocos, e tem sido muito interessante reparar que as paróquias sentem que com a presença dos JSF também crescem na dimensão missionária, na pastoral juvenil. Creio que também em termos gerais, missionários, a Igreja fica beneficiada porque é um dinamismo transversal a todos os dinamismos pastorais e paroquiais.

 

Tem-se verificado uma grande procura da realização de experiências missionárias, sobretudo por jovens leigos. Como é que os Espiritanos se relacionam com estas experiências de voluntariado?

Há um dado histórico que muito nos honra. A primeira experiência de voluntariado missionário organizado em Portugal foi feita por nós em 1988 quando enviámos um grupo à Guiné-Bissau para, numa das nossas missões, ajudar a reconstruir uma escola que ainda hoje funciona: a Escola Sem Fronteiras de Caió, que ainda hoje é uma referência da educação da Guiné-Bissau. Essa experiência foi sempre continuada e todos os anos temos dois tipos de voluntariado que se enquadram bem no nosso espírito Espiritano. Temos o Projecto Ponte, na caminhada normal dos JSF, que são experiências de um mês muito importantes, e depois um outro tipo de voluntariado que pode ir de um a três anos. Neste momento temos Cabo Verde, Guiné e Moçambique como países para onde temos enviado jovens com frequência. Sinto que esse mundo de voluntariado devia ser mais capitalizado porque o voluntariado missionário está a fazer na Igreja portuguesa uma espécie de revolução silenciosa. Enquanto durante séculos foram os padres, irmãos e irmãs a partir, e isso não abalava a comunidade paroquial, com a partida de leigos a situação é contrária. Quando um leigo empenhado na paróquia se propõe ir em missão isso provoca uma revolução na paróquia fazendo com que toda a paróquia se mobilize por essa causa, tornando a causa voluntária um projecto não apenas da pessoa em si mas da própria paróquia. No entanto, penso que essa experiência devia ser mais aproveitada e capitalizada para a nova evangelização, porque no regresso as pessoas trazem uma experiência nova e uma vontade muito firme de um empenhamento diferente na Igreja.

 

Segundo um estudo sobre o voluntariado, apresentado recentemente pela Fundação Evangelização e Cooperação, verifica-se que são as raparigas quem mais adere a este tipo de experiência. Há alguma explicação sociológica para estes dados?

Sim, há, porque se verifica também que a presença do lado feminino é sempre mais numerosa na prática das diversas Igrejas. Deve haver alguma razão que faz com que o feminino seja mais sensível às questões de espiritualidade e religiosas! Por isso, se numa comunidade cristã a maioria das pessoas que são activas e praticantes são mulheres, é normal que isso também se reflicta neste tipo de experiência. Devo dizer que também tenho tido bastantes rapazes, jovens, a fazer experiência missionária mas neste momento são duas raparigas que estão em missão.

 

Em termos vocacionais qual é a situação actual da congregação?

Este ano vamos ter três ordenações. Duas delas são de jovens naturais de Cabo Verde. Na verdade, nos últimos tempos são escassas as ordenações e os nossos seminários não têm muita gente. É uma área de investimento, mas continuamos a acreditar que Deus nos há-de dar aqueles que nós precisarmos e merecermos. Fazemos com muita ousadia a proposta aos jovens, mas as respostas não dependem de nós. Não estamos em pânico com a situação mas reconhecemos que a Província está muito envelhecida.

 

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Perfil

O padre Tony Neves nasceu em Foz do Sousa, concelho de Gondomar, em 1962, foi ordenado sacerdote em 1989 e exerceu parte da sua missão em Angola durante a guerra civil, de 1989 a 1994. Licenciado em Teologia e Comunicação Social, fez pós-graduações em Ciência das Religiões, Lusofonia e Relações Internacionais e defendeu em 2011 a tese de doutoramento sobre o impacto no processo de paz das intervenções da Igreja Católica em Angola.

Exerceu funções como presidente da Missão Press, presidente dos Institutos Missionários Ad Gentes, coordenador da Animação Missionária Espiritana, professor do Ensino Superior no Kuito, no Huambo, em Lisboa e no Porto.

O actual Provincial dos Espiritanos é ainda director do jornal Acção Missionária, coordenador nacional dos Jovens Sem Fronteiras e coordenador de projectos da ONGD Sol Sem Fronteiras. Pertence, ainda, à Comissão Episcopal Missão e Nova Evangelização, à equipa do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil e à Equipa Ecuménica Jovem. É autor de vários livros e artigos em revistas e mantém presença regular nos meios de comunicação social.

 

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Colaboração com o Patriarcado deixa marcas

Durante alguns anos esteve à frente do Departamento de Acção Missionária do Patriarcado de Lisboa. Que balanço faz deste serviço?

Foram seis anos de um trabalho que me deu uma alegria muito grande. Permitiu criar ligações entre praticamente todos os agentes de pastoral que intervêm no Patriarcado. Desde os párocos e os leigos mais comprometidos das paróquias, até aos diferentes institutos missionários. Foi uma riqueza muito grande onde todos pudemos crescer muito. Tentei lançar algumas iniciativas que estão a fazer o seu caminho, mas há três coisas que gostaria que continuassem. Uma delas tem a ver com a formação para a missão. Há um curso a decorrer que acho que se devia valorizar; por outro lado as semanas missionárias nas paróquias, que mexem com as paróquias, e a co-responsabilização das vigararias para este trabalho.

 

O que lhe parece ainda fazer falta na diocese, em termos desta dinamização missionária?

Creio que falta aprofundar todos estes dinamismos. Seria importante que os horizontes se rasgassem e se apostasse ainda mais no voluntariado missionário.


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Enriquecimento pelos testemunhos ‘anónimos’

Durante vários anos colaborou com o Jornal VOZ DA VERDADE, apresentando rostos de missão. Com que ideia fica desta perspectiva missionária que foi publicando semanalmente?

É curioso que quando lancei este formato, que não é original, tinha dúvidas sobre a sua eficácia porque é um formato que corre o risco de personalizar demais. Mas as reacções que fui tendo foram sempre muito positivas e construtivas, o que me deu muito alento para continuar! Enriqueci-me muito com o testemunho de tanta gente que fui apresentando. Creio que por essa página passou a Igreja missionária no seu plural, com muitas expressões, deixando a convicção de que a missão é um campo aberto a todos, e todos os que quiserem podem trabalhar.

 

Mesmo no anonimato?

Sim, porque acho que a grande missão faz-se no anonimato!

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