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P. Duarte da Cunha
A família no coração da Igreja
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Um milhão de pessoas juntas para dar graças a Deus e pedir pela própria família, pela dos seus amigos e por todas as famílias do mundo. É um acontecimento impressionante que deve fazer o mundo pensar. À frente deste acontecimento estava o Papa que com mais de 500 bispos e uns 50 cardeais mostrou o quanto a família está no coração da Igreja que a reconhece como um dom e um bem que deve ser agradecido, protegido e promovido.

Em Milão, de 1 a 3 de Junho, a Igreja renovou a sua convicção e reafirmou que acredita que o nosso Deus, que é o Criador de tudo, ao criar a ser humano, criou "homem e mulher, com igual dignidade, mas também com características próprias e complementares, para que os dois fossem dom um para o outro, se valorizassem reciprocamente e realizassem uma comunidade de amor e de vida." Além disso, o Papa recordou que o trabalho e a festa são aspectos fundamentais da vida humana e estão intimamente relacionados com a família. O tema do encontro era: família, trabalho e festa.

Estes acontecimentos em torno do Papa, tal como aconteceu com as Jornadas Mundiais da Juventude em Madrid, sugerem algumas notas que poderiam parecer paradoxais umas e inesperadas outras.

Por um lado, vemos que aquilo que o Papa diz e a sua presença toca verdadeiramente o coração das pessoas porque sentem que ele é verdadeiro. Bento XVI não tenta adocicar a realidade ou adaptar a doutrina. Ele parte da realidade vista em toda a sua complexidade, e recorda as verdades de sempre da nossa fé, sem fugir dos pontos polémicos na sociedade actual, conseguindo explicar como poucos que o que Jesus nos pede e nos dá vale mesmo a pena ser vivido com toda a radicalidade e é o único caminho que torna mais humano o nosso mundo. O amor do Papa a Jesus e à Igreja e o amor que cada pessoa sente que ele tem pelos homens e mulheres concretos, a ponto de cada um sentir que ele percebe por dentro os seus dramas e sofrimentos, torna evidente que só o amor consegue abraçar a realidade e que a doutrina da Igreja, que vem de Jesus e vibra com a força do Espírito Santo, faz mesmo sentido.

Em segundo lugar, vemos um milhão de pessoas de todas as idades em festa, contentes sem estarem alienadas, sem que ninguém possa dizer que a alegria é um efeito de massas, porque toda a celebração é sóbria, calma, serena e, sobretudo, profunda. Uma Missa de duas horas onde se consegue ver que há tanta gente atenta, a entrar dentro de si nos momentos fortes de silêncio, a rezar com convicção e a cantar com entusiasmo, não é uma coisa evidente para o mundo, mas com o Papa parece natural. Seria fácil pensar que para haver alegria se devia excitar a multidão para que ninguém se fartasse. Mas o Papa já tem mostrado que o objectivo destes encontros é sempre o mesmo objectivo da pastoral da Igreja nas suas múltiplas expressões: mostrar Jesus, levar cada pessoa a estar totalmente presente para encontrar pessoalmente e, ao mesmo tempo, comunitariamente, Jesus. E é Ele que consegue dar alegria e esperança duradouras e profundas. Alguém me dizia que este papado será conhecido por ser um contínuo apontar para Jesus.

Em terceiro lugar, não se pode deixar de ficar comovido por ver um homem de 85 anos a olhar com atenção e alegria para cada pessoa que cruza o seu olhar. Todos sabemos que o Papa tem imensos problemas e que lhe chegam todos os dias notícias de tantas confusões no mundo e na Igreja, e apesar disso não o vemos a desistir, a perder a alegria ou a tentar inventar estratégias novas para evitar os problemas, nem o vemos fechado em si nos seus problemas e sem atenção aos outros, mas vemo-lo tranquilo a insistir, neste caso a propósito da família, na "revolução" de Jesus que começa no coração de cada pessoa, para enfrentar os desafios com coragem. É por isso que o Santo Padre insiste que se deve "privilegiar sempre a lógica do ser sobre a do ter: a primeira constrói, a segunda acaba por destruir. É preciso educar-se para crer, em primeiro lugar na família, no amor autêntico: o amor que vem de Deus e nos une a Ele e, por isso mesmo, «nos transforma em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja “tudo em todos” (1 Cor 15, 28)» (Enc. Deus caritas est, 18)."

Por fim perguntamo-nos: que podemos esperar destes encontros? Julgo que da lógica do Evangelho, esperamos que os talentos postos a render sejam multiplicados. Quem se empenhou para participar ou ajudar outros a participar, quem dedicou tempo e dinheiro para poder estar presente, para ler os textos e dialogar com outras famílias e com sacerdotes ou religiosos em vista deste encontro, quem renunciou a outras coisas para poder viver estes dias, não volta para casa na mesma. E se voltar mudado também será capaz de agir no mundo e na Igreja. Quem põe a render os talentos e se deixa abraçar pela beleza e grandeza destes encontros faz a mesma experiência dos apóstolos André e João quando estiveram com Jesus uma tarde. Eles voltaram para casa e disseram a todos, certos do que tinham vivido: "encontrámos o Messias". E não é isso que salva o mundo?