Lisboa |
D. Albino Cleto (1935-2012)
Um homem de uma grande proximidade
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O Bispo Emérito de Coimbra, D. Albino Mamede Cleto, deixa, junto daqueles que com ele conviveram mais de perto, um rasto de amizade, simplicidade, proximidade e sentido de humor. O antigo Bispo Auxiliar de Lisboa faleceu em Coimbra, no passado dia 15 de Junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, aos 77 anos.

 

“Foi um grande amigo, um grande padre e um grande bispo, sempre muito próximo”. É assim que é caracterizado D. Albino Cleto por aqueles que com ele conviveram, ainda em tempo de seminário, em lugar de trabalho e até mesmo em férias de Verão, no cimo da Serra da Estrela.

O actual pároco da igreja do Sagrado Coração de Jesus, cónego António Janela, diz ter conhecido D. Albino Cleto ainda no seminário e recorda, de modo especial, “as férias passadas juntos”, entre as rochas das Penhas Douradas, onde se desenrolavam “longas conversas de empenho pastoral num clima de grande amizade e abertura”. “Foi um grande amigo que me deixa muita saudade! Era realmente um homem bom, e como bispo era disponível e acolhedor”, acentua o cónego António Janela, com emoção, ao Jornal VOZ DA VERDADE.

 

Boa-disposição contagiante

O actual Bispo do Porto, D. Manuel Clemente, afirma ter conhecido D. Albino Cleto há cerca de 40 anos, e destaca, também, a grande amizade e alegria que caracterizavam o Bispo Emérito de Coimbra. “Estivemos sempre muito perto, até mesmo no Verão, porque passávamos uns dias na Serra da Estrela. Foi sempre uma companhia muito presente, muito alegre, um homem muito generoso. Um homem que mantinha, agora aos 77 anos, a frescura com que o conheci aos 30 anos. Isso era muito contagiante para todos nós, que ficávamos sempre muito bem-dispostos”.

O falecimento de D. Albino Cleto apanhou, também, de forma inesperada D. Manuel Clemente que revelou ao Jornal VOZ DA VERDADE ter recebido no Porto, há cerca de 15 dias, o Bispo Emérito de Coimbra, que mantinha uma agenda sempre preenchida. “Ele ia a caminho da América para estar com os emigrantes. Tinha a mesma agenda de sempre: preenchida. Porque não dizia ‘não’ a nada. Conseguia manter a correspondência, não digo ‘em dia’, mas ‘em meses’ porque era tanta que ele respondia sempre, mesmo que fosse meio ano depois! O que significa a atenção que tinha para como todos”, salienta D. Manuel Clemente. “Era um grande sacerdote, um grande bispo e um grande amigo. Um homem total nos seus sentimentos e na sua dedicação”, observa.

 

Proximidade com todos

Companheiro de uma vida, desde o tempo de seminário, o padre Fernando Guerra, do Patriarcado de Lisboa, foi colega de seminário e ordenado junto e no mesmo dia (15 de Agosto de 1959) com o então jovem Albino. “Somos de um curso que todos os anos se reúne. Padres, bispo (D. Albino), alguns que foram padres e deixaram de exercer, e outros leigos que nunca chegaram a ser ordenados”, conta ao Jornal VOZ DA VERDADE. “É um curso pelo qual nos sentimos vaidosos, porque nos encontramos”, acentua o padre Fernando Guerra.

Para este sacerdote de 81 anos, “a proximidade” é a marca deixada por D. Albino Mamede Cleto. “Para mim, o que define D. Albino é a proximidade. Com os colegas, com as pessoas, com as pessoas mais simples deste mundo”, destaca. “Era um homem que sabia conviver. Falava muito bem o português. Um homem simples, culto e com uma admirável sensibilidade para a arte. Tinha também um certo sentido de humor”, frisa o padre Fernando Guerra, lembrando uma história em discurso indirecto. “Certo dia, numa visita pastoral, foi a uma paróquia da Diocese de Coimbra e quis falar sobre o ‘ser Pastor’. Para isso, optou por recorrer à imagem do báculo, explicando o seu simbolismo. E perguntava: ‘Quando na serra vêem um homem, com um pau, uma vara na mão, o que é que lhe chamam?’ E as crianças responderam: ‘Um velho’. Na altura ficou triste, porque tinha completado, há pouco tempo, 65 anos, mas depois contava com graça estas histórias da sua experiência pastoral”.

 

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Deu-se até ao fim

 

Instantes depois de começar o velório a D. Albino, com a Sé Nova de Coimbra ainda praticamente vazia, dois mendigos percorreram a nave central da catedral, detiveram-se uns segundos diante do féretro e cada um deixou um rosa branca. Saíram como entraram, apressadamente, sem sequer darem tempo a que soubesse seus nomes. Que bela oração a daqueles Homens!

Neste gesto tocante vejo muito daquilo que é exemplo a vida de D. Albino. Proximidade humana, simplicidade, humildade, delicadeza.

“Amigo de todos” e “Bispo do Povo” foram designações que gostei de ouvir entre as muitas escutadas na última despedida a D. Albino. Toma-as como itinerário para este testemunho breve, a que acrescentarei outras: grande crente, homem do Vaticano II, incansável construtor do Reino de Deus.

Há mais de quarenta anos aprendi a vê-lo como Mestre. Ao longo do tempo sempre senti o Amigo que estava à frente do Tempo.

D. Albino seguiu o tempo e vida com o jornal numa mão e o Evangelho na outra. Recordo uma recoleção em Lisboa, nos idos 1969, quando se interrogava, e ao mesmo tempo interpelava um grupo de jovens, sobre o sentido da imolação de Jan Palach em protesto político contra a invasão dos tanques soviéticos em Praga.

A sua agenda, sempre preenchida, era a agenda da construção do Reino de Deus. Não tinha agenda pessoal, pouco cuidava de si, o tempo não era seu porque sempre o empregou ao serviço dos outros e de acordo com as necessidades da Igreja: Lisboa, a “diocese mãe”; Coimbra, a “diocese esposa”.

Como formador marcou três gerações distintas: a geração da guerra colonial; a geração do 25 de abril; ultimamente a “geração à rasca”.

Tocou também milhares de famílias a quem levou paz, harmonia, capacidade e força para recomeçar.

Interessava-lhe a vida das pessoas concretas, as angústias, sobretudo, desejava comunicar-lhes a capacidade da esperança.

A Esperança que nunca lhe faltou por ser um Homem de Deus, um grande crente. Nem no final da vida quando reservou em sua intimidade as dores da doença, e impôs sigilo a um grupo muito restrito que dela tinha conhecimento (médicos e pouco mais). 

D. Albino não consentia que eventuais preocupações pessoais, ou mesmo questões de saúde, fossem causa de inquietação para a família e amigos. Também não podia perder tempo consigo porque o Tempo lhe faltava para se dar aos outros por inteiro.

Viveu integralmente a divisa que escolheu: “Há mais alegria em dar do que em receber”.

 D. Albino deu-se sempre. Até ao fim!

 

José António Santos

 

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Reacções à morte de D. Albino Cleto

 

“Personalidade de destaque da Igreja portuguesa, D. Albino Cleto exerceu um magistério e uma acção pastoral marcantes, quer pelo seu sentido humanista de abertura ao mundo, quer pela clarividência com que, na linha do ensinamento do Concílio Vaticano II, soube ler os sinais dos tempos.”

Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República

 

“Fomos colegas durante muito tempo e ele serviu o Patriarcado durante quase toda a sua vida, primeiro como pároco depois como Bispo Auxiliar. Era um homem de uma grande simplicidade, de uma autenticidade evangélica muito grande. Alguns colegas até brincavam com ele porque interpretavam a sua simplicidade, a sua candura interior, como uma certa ingenuidade. Deixa um rasto de autenticidade sacerdotal, porque foi realmente um grande sacerdote. Nosso Senhor tem os seus caminhos, achou que ele merecia já o prémio eterno, mas a tristeza que nos deixa é muito grande, sobretudo porque fomos apanhados de surpresa com a sua morte.”

D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa

 

“O seu modo de ser e a sua atitude de vida tornaram-no um homem de Deus, numa relação de proximidade e amizade, que deixou marcas no Povo de Deus, tanto nos leigos e religiosos como sobretudo nos sacerdotes. Na acção pastoral disponibilizou a totalidade da sua pessoa, tomado como estava pelo anseio de anunciar o Evangelho e pela alegria de celebrar o encontro da comunidade com Cristo na liturgia.”

D. Virgílio do Nascimento Antunes, Bispo de Coimbra

 

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Biografia de D. Albino Cleto

 

Nasceu a 3 de Março de 1935, na freguesia de São Pedro, em Manteigas, na Diocese da Guarda. Frequentou o seminário do Patriarcado de Lisboa, diocese onde é ordenado presbítero a 15 de Agosto de 1959. Frequentou a Universidade Clássica de Lisboa, onde obteve, na Faculdade de Letras, a licenciatura em Românicas, e foi professor ocasional, na Universidade Católica de Lisboa, de Línguas e Literatura.

No exercício do seu ministério presbiteral, na Diocese de Lisboa, fez parte da equipa formadora do Seminário de Almada como perfeito de estudos e vice-reitor, presidiu à comissão administrativa do Santuário de Cristo Rei, foi pároco da paróquia da Estrela e membro da Comissão Diocese de Arte Sacra do Patriarcado.

A 6 de Dezembro de 1982 é nomeado Bispo Auxiliar do Patriarcado de Lisboa, com o título de Elvira, pelo Papa João Paulo II, tendo sido ordenado a 22 de Janeiro de 1983, no Mosteiro dos Jerónimos. A Santa Sé nomeou-o Bispo Coadjutor de Coimbra no dia 29 de Outubro de 1997, tendo tomado posse no dia 11 de Janeiro de 1998. Por resignação do Senhor D. João Alves, assume o governo da Diocese de Coimbra a 24 de Março de 2001.

Foi secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, desempenhando diversas tarefas como presidente das Comissões Episcopais de Liturgia e Educação Cristã e de coordenador das Comemorações dos Cinco Séculos e Encontro de Culturas. Foi também presidente da Comissão Episcopal dos Bens Culturais da Igreja.

A 28 de Abril de 2011, por nomeação de D. Virgílio Antunes para Coimbra, passou a ser administrador apostólico da diocese, tendo ficado Bispo Emérito a 10 de Julho de 2011. Actualmente fazia parte da Comissão Episcopal para a Liturgia e a Espiritualidade.

Faleceu a 15 de Junho de 2012, Solenidade do Coração de Jesus, nos hospitais da Universidade de Coimbra.

texto por Nuno Rosário Fernandes, com Diogo Paiva Brandão
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