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Hermínio Rico, sj.
Respeitar o tempo no desenvolvimento
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Crescer, aumentar, progredir, valorizar-se, expandir, ter-mais, saber-mais, experimentar-mais... tudo-mais. Vivemos numa cultura assente no movimento em dinâmicas sempre expansivas, marcada pela ideia de desenvolvimento como acrescento. Estagnar, simplesmente conservar o que já é, deixar de acrescentar é visto como fracasso ou até desperdício, sinal de crise, ameaça de decadência. Chega-se, nalgumas coisas, a valorizar mais as taxas de crescimento do que a quantidade absoluta dos valores já alcançados.

Crescer, e crescer rápido, tornou-se o valor fundamental na base de todas as nossas escalas de valores: desde a acumulação de mais riqueza até ao crescimento espiritual. É uma coisa recente. A experiência do desenvolvimento tecnológico e económico sentido na duração de uma vida humana e a tomada de consciência que podemos fazer algo para acelerar esse progresso é muito recente na história da humanidade.

Mas sendo coisa recente, não é mal. Antes pelo contrário, ajudou-nos a materializar algo que é intrínseco à nossa identidade humana mais profunda. Somos essencialmente criaturas de busca, à procura de se transcenderem; estamos sempre salutarmente insatisfeitos, marcados pelo desejo de ser mais.

Há, no entanto, que estar atento a que demasiado de uma coisa boa pode tornar-se rapidamente uma coisa má. Muito provavelmente já ultrapassámos esse limite em muitas dimensões da nossa vida. Por exemplo, na gestão das nossas actividades, somos tão frequentemente tomados pelo stress que isso diz-nos que já cruzámos a linha limite daquilo que, como agentes e sujeitos de trabalho, somos capazes de processar com qualidade de vida humana, sem nos tornarmos em máquinas à beira de rebentar. A organização social do trabalho empurra-nos para aí, nalguns casos, mas entramos por esse caminho muitas vezes pela auto-imposição de metas irrealistas e objectivos desproporcionados. Presos pela ilusão do caminho de querer fazer sempre mais, estamos cada vez mais a ser menos.

Na economia, o capitalismo permitiu a acumulação e mobilidade do capital e abriu o caminho à possibilidade do investimento sustentado no crédito. Mais crescimento, mais rapidamente tornou-se possível. Mas, com a hipertrofia do sistema financeiro este meio que permite ganhar tempo no processo de desenvolvimento económico exagerou na antecipação do uso de recursos ainda por criar, que se pagariam, mais tarde, com os rendimentos por si criados. A dependência exacerbada da dívida, o permanente atirar para o futuro dos custos que suportam o que se quer usufruir já a partir do presente, levou-nos para lá do limite. A ganância de alcançar mais e a pressa de querer trazer o futuro para o mais perto possível do presente acabou por nos colocar numa situação em que o futuro ficou pior do que aquele que alcançaríamos se fossemos mais devagar e o presente, em vez de aproveitar já do futuro antecipado, está completamente bloqueado pelas consequências da aposta inviável num futuro rápido demais.

Todo o crescimento se faz ao longo do tempo. A forma de olhar e de gerir o factor tempo é crucial. Pela confluência de desenvolvimentos rápidos em muitas áreas do nosso saber, entrámos numa espiral de tentativa de compressão do intervalo entre o desejo e a satisfação. Inventamos permanentemente mecanismos para diminuir este adiamento da gratificação, o tempo de maturação que vai entre o projecto e os seus resultados. Procuramos sempre alcançar mais mais depressa. O progresso tecnológico parece ser sempre positivo, tanto que beneficiamos das constantes descobertas, mas extrapolar daí para considerar que tudo o que nos permite alcançar mais rapidamente o que desejamos é sempre positivo vai um salto perigoso. Sentimos isso nas consequências sofridas dum ritmo de vida acelerado. E estamos agora a pagar o preço do recurso a mecanismos financeiros (curiosamente fala-se aí também de “engenharia financeira”) demasiado arriscados. Não respeitámos o tempo imprescindível para crescer saudavelmente.

Ao valor do crescimento temos que aprender a juntar sempre o conceito de sustentabilidade. Desenvolvimento sustentável, desenvolvimento que respeita o tempo como aliado e não como inimigo. Nem estagnação, nem impetuosidade imprudente; nem retrocesso para o passado, nem ilusão de rapidez que inviabiliza futuros melhores.

Precisamos de olhar para a nossa cultura da pressa. Há que analisar os sinais de ansiedade, a impaciência que nos condena à superficialidade, os perigos que decorrem de querer ir tão depressa que acabamos por chegar antes de estarmos preparados para apreciar o que alcançámos. Não perder tempo é o contrário de fazer tudo o mais depressa possível com o mínimo intervalo entre o projecto e a sua realização. Quando se quer passar por cima do tempo, comprimi-lo, ultrapassá-lo, aí é que se esbanja o tempo. Porque o valor do tempo é permitir que as coisas cresçam bem, como deve ser. Desperdiçar tempo é tirar do tempo certo do desenvolvimento das coisas tudo aquilo que esse tempo pode dar ao preparar-nos para acolher o que vem, ao permitir que as coisas nasçam e medrem, amadureçam e possam ser desfrutadas no momento certo, quando as maturidades adequadas do objecto e do sujeito se encontram, com tempo e a tempo.