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Pe. Alexandre Palma
Inércia: da resistência à persistência
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Diz-nos a ciência que há nos corpos físicos uma espécie de preguiça natural. É essa uma característica da matéria e da energia: resistir à mudança. Dito assim, isto pode causar alguma estranheza. Contudo, esta resistência que há na matéria é de todos bem conhecida. Sentimo-la nos nossos próprios corpos quando, por exemplo, num autocarro nos sentimos empurrados para trás ou para a frente conforme o condutor acelera ou desacelera. Ou num elevador quando, conforme as circunstâncias, sentimos os nossos corpos impelidos ora para baixo ora para cima. A esta força a física dá o nome de inércia. Uma resistência dos corpos físicos a alterações no seu movimento.

 

A inércia não é, contudo, apenas uma força que condiciona o mundo das coisas exteriores. Ela percebe-se também na nossa vida interior. Também aí sentimos como que uma resistência natural à mudança (ou podemos sentir). Vejo, por isso, nas forças descritas pelas ciências uma bela metáfora acerca das forças que compõem o nosso universo interior. Sempre neste registo simbólico, quase poderíamos criar uma física do mundo interior, um mapa humano em que se percebe como a gravidade, o magnetismo, a impulsão ou o atrito são tudo forças que se manifestam também em nós e não somente no mundo à nossa volta.

Voltemos, porém, à inércia, essa força do mundo corpos mas também das almas. Setembro é um mês de retomar actividades e rotinas (mesmo, porventura, para quantos não gozaram férias). É, pois, um tempo em que as nossas vidas intensificam o movimento. É, consequentemente, também um tempo em que sentimos em nós a força da nossa inércia interior. Uma certa resistência psicológica às alterações que este regresso induz nas nossas vidas. Uma dificuldade em retomar o movimento, que faz com que só o façamos de forma lenta e gradual. Como um comboio que só com muito esforço inicia a sua marcha.

Mas, como nos ensina a ciência, não há inércia apenas quando se procura acelerar. Também há inércia quando se procura travar. E ainda quando é preciso alterar o sentido do movimento. Assim também será no nosso universo interior. Também aí os espíritos mais agitados oferecem resistência à necessidade de abrandar, os mais faladores à necessidade de escutar. Também aí se sentem as tensões próprias de uma resistência interior, quase natural, às mudanças que temos ou queremos introduzir no sentido dado ao nosso viver. A tendência é para conservar a direcção de nós já conhecida. E a inércia é uma força que é tanto mais forte quanto maiores forem essas mudanças.

Estou em crer que, como no mundo dos corpos, também a inércia das almas parece só ser vencida pela persistência. Há nesta física da inércia qualquer coisa que pertence ao domínio da vontade: para vencer essa barreira inicial há que persistir, há que permanecer. Há, no fundo, que resistir à resistência que é a inércia. Talvez esta metáfora da física do mundo interior não sirva para muito. Aliás, ela é apenas o fruto de alguém em luta com a sua própria inércia interior! Se servir para nos conhecermos um pouco melhor e com isso aprendermos qualquer coisa terão já servido de muito, pois, como dizia o H. Bergson, «genial é o que obriga a inércia da humanidade a aprender».