Lisboa |
EMRC (Educação Moral e Religiosa Católica)
Aprender a olhar a vida de maneira diferente
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Tem início esta semana o novo ano lectivo. Na escola pública da Damaia, a disciplina de EMRC é frequentada por cerca de 95% dos alunos. “Eles gostam de abordar os temas que os preocupam, gostam de trabalhar e aprender coisas sobre a Bíblia, sobre Jesus e sobre Deus”, garante o professor Fernando Moita.

 

A presença do professor Fernando Moita na Escola Professor Pedro D’Orey da Cunha, inserida hoje no Agrupamento de Escolas da Damaia, é entendida pelo próprio como uma missão. “Na Escola da Damaia há uma dinâmica e uma dimensão que, para nós cristãos, é muito importante porque estamos em missão. Eu sempre quis ser missionário e continuo a sê-lo, numa dinâmica de evangelização que é estar junto destes miúdos, adolescentes e também crianças do 1º Ciclo, e trazer-lhes um bocadinho da novidade que é o Evangelho, que é Jesus Cristo”. Professor da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) nesta escola, desde há 19 anos, Fernando Moita considera que esta sua missão “não é entendida numa perspectiva catequética” porque, afirma, “não é essa a nossa função, a de fazer crentes e celebrar a fé, mas de tornar a mensagem de Jesus Cristo apetecível para que, à luz dessa mensagem, os alunos possam entender melhor a sua vida, a sua família, o seu contexto tornando-se pessoas mais interpelativas e mais transformadoras da sociedade”.

 

Grande adesão à disciplina

Segundo o professor Fernando Moita, de 50 anos, a disciplina de EMRC é acolhida pelos alunos desta escola da Damaia do mesmo modo que as outras matérias leccionadas. Observando, no entanto, que tendo em conta que a disciplina é facultativa, “é com muito agrado” que verifica que “a grande maioria dos alunos faz esta escolha”. “Anualmente fazem a escolha da disciplina na ordem dos 90 a 95% dos alunos, do 5º ao 9º ano”, revela, com satisfação, ao Jornal VOZ DA VERDADE. “Fazem a escolha pelos professores?”, questiona, sugerindo a própria resposta. “Também! Mas fazem-na porque percebem que apesar de tudo há aqui qualquer coisa de diferente. Não diferente porque somos melhores, mas diferente porque são ajudados, ligeiramente, a encararem a vida e a serem mais pessoas. O que é muito entusiasmante, e constitui, para nós, um desafio enorme, diário e contínuo. Por isso, agradecemos a Deus o facto de os alunos virem para a escola uma hora mais cedo ou irem para casa uma hora mais tarde para terem Educação Moral. E nesse sentido, tento transmitir também aos colegas de grupo disciplinar e aos formandos, que os alunos, ao saírem da aula, fiquem com a sensação agradável de que valeu a pena!”.

 

Entusiasmo juvenil

O senso comum poderá ditar a falta de interesse pelas aulas de EMRC, mas no entendimento do professor Fernando Moita, e da equipa de quatro professores que coordena na Escola Professor Pedro D’Orey da Cunha, o objectivo é o de que as suas aulas “tenham um ritmo, uma dinâmica e não sejam uma desilusão”. “Por vezes, pensa-se que a aula de EMRC é apenas o entretenimento e não o é”, garante o professor. “Eles gostam de abordar os temas que os preocupam, gostam de trabalhar e aprender coisas sobre a Bíblia, sobre Jesus e sobre Deus. E estas duas dimensões estão muito confusas na cabeça deles. Eles gostam de se tornar, pelo menos, melhores agentes. Quando muitas vezes se estimula e se lhes diz que a paz é possível, que o perdão é possível, parece coisa lamecha, mas eles deixam-se entusiasmar”, refere.

 

Luz e farol

Localizada às portas de Lisboa, a Damaia é rodeada por diversos bairros conhecidos pela sua ‘má fama’, associada muitas vezes ao crime e à violência. Muitos dos alunos desta escola vêm destes bairros e por isso a disciplina de EMRC tem tido um contributo importante para a edificação de uma consciência diferente. “Muitos destes miúdos moram nos bairros da Cova da Moura, 6 de Maio, Estrela de África, e vivem um quotidiano de violência, de ‘dente por dente, olho por olho’. E quando se lhes propõe ‘ama o teu inimigo, tolera o teu inimigo, não gozes com o que é portador de deficiência, não gozes com quem é angolano ou com quem é cabo-verdiano’, a disciplina de EMRC é para eles um pouco esta luz e farol”, garante o professor Fernando Moita.

 

Valorizar

Outro aspecto importante na relação do professor de EMRC, acentuado por Fernando Moita, passa pelo olhar o aluno como único, transmitindo afecto e valorizando aquele que tem à sua frente. “O professor de EMRC tem de ser, no meu entender, uma pessoa de afectos e humanidade. O aluno tem de perceber que é olhado como se fosse o único, porque muitas vezes estes alunos são pouco acompanhados em casa. A criança, hoje, tornou-se ‘o rei’ de tudo mas não tem tempo para poder dizer o que lhe vai na alma, os medos que tem, para poder dizer que o pai está preso ou que não há pão em casa. Isto acontece não só na aula de EMRC, porque não temos a ousadia de ser os únicos anunciadores desta boa nova, mas acreditamos que somos um contributo significativo para esta visão positiva da vida”, observa.

 

EMRC não é catequese

Segundo o professor Fernando Moita, um dos objectivos da disciplina de EMRC é o de “iluminar a vida a partir da mensagem cristã” distinguindo-se, por isso, da catequese oferecida nas comunidades paroquiais. “A EMRC não é catequese! Tem uma característica própria”, adverte, explicando que “a catequese tem a finalidade de preparar ou celebrar a fé e destina-se aos crentes ou àqueles que se preparam para ser crentes”. Já a EMRC “não tem a pretensão de fazer crentes mas de iluminar a vida com a mensagem cristã. Fazer com que os alunos olhem para a mensagem cristã, para os textos bíblicos, do magistério ou de alguns exemplos propostos pelo cristianismo e dizer que a transformação da vida é possível. Trata-se de iluminar a vida, dar sentido à vida a partir da mensagem cristã”, comenta, salientando que isto “não significa que a dimensão da fé não esteja presente, porque o professor de Religião e Moral é um homem de fé e apresenta-se como tal aos alunos e à comunidade educativa”, releva.

 

A presença do religioso

Outra dimensão apresentada nas aulas de EMRC está relacionada com a forma de viver dos cristãos, procurando pôr de lado determinados tabus. “Na aula de Moral há a descoberta de uma outra dimensão: o conhecimento de como é que vivem os cristãos e como é que os cristãos se organizam. Por vezes parece que não se pode falar da dimensão religiosa porque é tabu, mas a disciplina de EMRC é o contrário. O religioso é parte integrante da vida humana e da vida em sociedade. Isto não significa que todos o vivenciem e que todos o experienciem. Mas nas aulas de EMRC há este pressuposto de que o professor é um homem de fé e os programas apresentados têm muito clara a dimensão do religioso, desafiando os alunos”, insiste Fernando moita. “E ai de nós, professores de EMRC, se omitimos a dimensão do religioso, porque os alunos que procuram a disciplina não procuram apenas a disciplina de educação da cidadania. Procuram uma disciplina onde o professor não tem vergonha de dizer o que é e onde os textos da mensagem cristã são apresentados, não havendo, por isso, uma confusão entre catequese e EMRC. São dois contributos essenciais para a vida de um adolescente”, esclarece.

Segundo este professor, “a uma criança ou jovem que frequenta a comunidade paroquial deve ser colocado o desafio de frequentar a disciplina de EMRC, como testemunho de fé”. Por outro lado, já não se pode questionar um aluno de EMRC pelo facto de não frequentar a catequese. Como desafio e estimulo sim, mas não como obrigatoriedade de testemunho”, refere.

Acreditando que "o que se aprende e vive nas aulas e o que se vive no recreio e nas múltiplas actividades e experiências que os professores de EMRC proporcionam aos alunos contribui para o projecto educativo da escola”, o professor Fernando Moita reconhece que “na escola está uma boa parte da sua vocação”, e que “sem a EMRC a escola seria muito diferente”. “Há aqui uma quota-parte de humanização e de respeito pelo outro que é o contributo da EMRC. Admito que não somos os únicos e a disciplina não é a única que colabora para este desenvolvimento harmonioso pessoal, mas temos uma quota-parte. E se não formos nós a dá-la, mais ninguém a dá. Sobretudo esta dimensão do religioso”, sublinha.

 

EMRC no projecto educativo

Na Escola Pedro D'Orey da Cunha, na Damaia, há quatro professores de EMRC que abarcam desde o primeiro ao terceiro ciclo. “Somos professores perfeitamente envolvidos na dinâmica da vida da escola, e todos nós temos mais funções atribuídas pela própria direcção da escola, ou outros cargos derivados de candidaturas pessoais”, comenta Fernando Moita. “Somos quatro professores, todos bem integrados e sentimos que a escola é nossa e que nós somos escola. E quando as coisas estão bem é porque também contribuímos para isso, mas quando alguma coisa vai mal é também por nossa culpa”, aponta.

Relevando que a disciplina de EMRC neste agrupamento de escolas “faz parte do projecto educativo e por isso não é algo tabu”, o professor Fernando Moita salienta que o trabalho destes professores "é construído ano a ano". "Não nos sentamos à sombra do já conquistado. Trabalhamos, esforçamo-nos e vivemos cada dia como se fosse o primeiro mas também como se fosse o último, porque todos os dias são desafios".

 

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Apelo às comunidades

“A disciplina de EMRC tem um contributo e uma ajuda a dar. É uma gota de água no oceano que é a formação do adolescente ou jovem. Deixo, por isso, uma palavra de estímulo aos pais e também às comunidades paroquiais que têm uma responsabilidade muito grande de dizer aos seus jovens que, participar nas aulas de EMRC é um testemunho para dizer aos colegas que é possível ser crente e ser feliz, ser crente e ser radical”.

Professor Fernando Moita

 

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A equipa de professores de EMRC na Damaia

Natural das beiras, o professor Fernando Moita quis ser missionário, mas Deus trocou-lhe as voltas e, após uma experiência nos Missionários da Consolata, acabou por vir a concretizar a sua missão numa escola às portas de Lisboa, como professor de Educação Moral e Religiosa Católica. "Ser professor de EMRC é a minha tarefa e missão principal", afirma. No entanto, considera ter uma segunda missão que está relacionada com a primeira: "Ajudar a criar nos futuros professores, este bichinho, esta beleza de ser professor de Educação Moral”. É também professor cooperante da Universidade Católica Portuguesa, orientando estágios aos novos professores da disciplina.

Luís Coelho, natural de Marco de Canavezes, fez parte da sua formação teológica enquanto religioso dehoniano, realizou uma experiência missionária em Moçambique por dois anos e foi estagiário nesta escola da Damaia. Está há quatro anos como professor da disciplina de EMRC nesta escola, um desafio que agarrou e que considera "estar a dar bons resultados".

Luís Natário (à esquerda na foto) fez a sua formação teológica nos Missionários do Verbo Divino, e já fez também uma experiência missionária em Timor como voluntário. Está na escola da Damaia há 8 anos.

Maria João Cruz é de Lisboa e pertenceu à Fraternidade Missionária Verbum Dei, onde fez os seus estudos teológicos. Fez o estágio também na Escola Professor Pedro D’Orey da Cuha, onde acabou por ficar.

texto e fotos por Nuno Rosário Fernandes
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