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Guilherme d’Oliveira Martins
Estado Social e Sociedade Solidária
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Realizar-se-á no Porto, na Casa de Vilar, a 23 e 24 de Novembro próximo, a Semana Social 2012, subordinada ao tema «Estado Social e Sociedade Solidária». A iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa insere-se numa antiga tradição, sempre renovada, que procura proceder a uma reflexão aprofundada sobre um tema candente da sociedade portuguesa em cada momento. Em Portugal, a primeira série das Semanas Sociais teve lugar a partir de 1940 até 1962, abordando aspetos fundamentais da Doutrina Social Cristã e os problemas no trabalho e na educação. Recorde-se que a iniciativa vem na linha das Semanas Sociais francesas, realizadas pela primeira vez em 1904, na cidade de Lille, com significativas repercussões na sociedade. As Semanas Sociais portuguesas foram retomadas em 1991 com temas como: as exigências atuais do desenvolvimento solidário, família e solidariedade; economia social, desenvolvimento humano e cidadania pessoal; responsabilidade coletiva e sociedade criadora de emprego.

Não basta falar de crise ou insistir nas dificuldades indiscutíveis que atravessamos, é indispensável proceder como ensinou de forma pioneira S. Vicente de Paulo (1581-1660) – o serviço aos pobres e aos que sofrem injustiça é fundamental e tem de estar antes de tudo. Impõe-se ligar pensamento e ação. Para além dos princípios, é essencial ir ao encontro das pessoas em dificuldades e com carências. A responsabilidade social obriga a que o amor e a caridade sejam organizados com inteligência e determinação. Nesse sentido, o Estado Social deve ser discutido e pensado de modo a corresponder às exigências da justiça e da dignidade. O Estado Social não pode ser centralizado, distante, burocratizado e incontrolável. Não pode ser produtor de bens e serviços nem confundir-se com o mercado, tem de mobilizar e de representar os cidadãos, tem de salvaguardar a subsidiariedade. Se é verdade que foi criado num contexto muito diferente do atual, quer pela demografia quer pelo nível de cobertura de riscos sociais – estamos chegados a um momento em que há que garantir o seu futuro, em termos modernos e eficientes. Urge assim assegurar: (a) a proteção de todos os cidadãos; (b) a diferenciação positiva, que permita tratar diferentemente o que é diferente; (c) o equilíbrio entre a livre iniciativa e a igual consideração de todos; (d) a justiça distributiva entre grupos sociais e gerações; (e) a complementaridade entre a igualdade e a diferença; (f) a subsidiariedade e a participação na decisão e na legitimidade; bem como (g) a prestação de contas e a responsabilidade social e cívica. Defender o Estado Social não é manter cegamente as soluções vigentes; é, sim, encontrar novas respostas que impeçam o domínio do curto prazo, das aparências e dos ganhos fáceis e ilusórios. Onde há injustiças e desigualdades, importa agir. É nesse sentido que o Papa Bento XVI insiste na necessidade de políticas públicas claras e justas contra o escândalo das políticas que esquecem a liberdade e a igualdade, a dignidade e o sentido de comunidade. «O binómio exclusivo mercado-Estado corrói a sociabilidade, enquanto as formas económicas solidárias, que encontram o seu melhor terreno na sociedade civil, sem no entanto se reduzir a ela, criam sociabilidade» (Caritas in Veritate, 39).

A Semana Social de 2012 procurará ir ao encontro das questões mais prementes da sociedade contemporânea. Como poderemos deixar na penumbra o tema do desemprego estrutural ou o da preservação do trabalho humano? A economia para as pessoas exige dignificação do trabalho e promoção do emprego em condições de justiça e igualdade. Como poderemos deixar de combater, a um tempo, a pobreza e a desigualdade? Urge romper o ciclo vicioso que entende a desigualdade como fatalismo e a pobreza como inevitável. Como poderemos esquecer a solidariedade entre pessoas e gerações? Impõe-se considerar o lugar das famílias e das redes de proximidade, designadamente quanto aos novos desafios do envelhecimento e da solidão. Cada um destes temas envolve um mundo complexo de problemas de difícil solução com que a sociedade se debate amargamente. Como reformar o Estado Social, assumindo os riscos sociais e compatibilizando sustentabilidade financeira e justiça? Como romper o descontrolo do endividamento? Como encontrar novos estilos de vida – capazes de articular sobriedade e desenvolvimento? Como pôr cobro à escalada do desperdício e da destruição do meio ambiente, com efeitos trágicos e imprevisíveis? E qual o papel da Igreja como fator de orientação e de proximidade, contrapondo a esperança à crise? Não com palavras vãs, mas com compromissos humanos efetivos, como nos refere Guy Coq no seu livro acabado de sair: «Mounier – O Compromisso Político» (Gradiva, 2012).