Falecido no passado dia 8 de Setembro, o padre 'Zé Eduardo' foi pároco das duas paróquias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana) durante 36 anos. Da sua presença, deixa uma obra de construção de comunidade.
Disponibilidade, generosidade, entrega e “construtor de coisas e de pessoas”, são algumas das características apontadas ao padre José Eduardo Ferreira Martins, falecido no passado dia 8 de Setembro, em Alenquer. “O padre José Eduardo era um homem que não se conhecia à primeira, ia-se conhecendo”, observa a actual responsável da catequese em Alenquer, Palmira Pereira, referindo-se ao sacerdote com quem conviveu durante cerca de 40 anos, nas paróquias de Triana e Santo Estevão, em Alenquer.
Caracterizando-o como sendo, também, um homem com “uma personalidade muito forte e muito vincada”, Palmira Pereira lembra do padre ‘Zé Eduardo’ os seus conselhos, a sua amizade e as palavras certeiras que nem sempre eram agradáveis. “O padre ‘Zé Eduardo’ tinha a palavra certa no momento certo. Por vezes, não era a palavra que gostávamos de ouvir mas era a palavra certa no momento certo”, reforça, em declarações ao Jornal VOZ DA VERDADE.
Mão de Deus
Nascido a 22 de Agosto de 1934 em Pé de Cão, na freguesia de Olaia, concelho de Torres Novas, o padre José Eduardo intui os primeiros sinais de vocação sacerdotal quando ainda era criança. “Em qualquer altura, o entusiasmo de um sacerdote que trabalhava na minha freguesia levou-me a entusiasmar-me pelo sacerdócio e, claro, como por detrás desta situação exterior, chamemos-lhe assim, aparece depois a mão de Deus, lá fui encaminhado por essa mão de Deus para o sacerdócio”, relata o padre José Eduardo Ferreira Martins, numa publicação editada em 2008, quando celebrava 50 anos de ordenação sacerdotal.
Tomada a decisão, em 1945 é admitido no Seminário de Santarém. Transfere-se, depois, para o Seminário de Almada, em 1948, e chega ao Seminário dos Olivais em 1952, onde irá permanecer até à ordenação sacerdotal, que acontece a 15 de Agosto de 1958.
Presença
Na sua primeira nomeação como presbítero é colocado como coadjutor na paróquia de Tomar, onde vai permanecer durante três anos. Em 1961 é nomeado pároco de Aldeia Galega da Merceana e de Aldeia Gavinha, no concelho de Alenquer. A chegada às paróquias de Nossa Senhora da Assunção de Triana e de Santo Estêvão, em Alenquer acontece a 5 de Outubro de 1975.
“O padre ‘Zé’ só não me baptizou”, salienta Palmira Pereira, de 43 anos, relevando o facto de ter sido, inclusive, crismada pelo seu pároco. “Foi numa situação excepcional, no Ano do Espírito Santo. Não havia disponibilidade da parte dos senhores bispos e então houve, naquela altura, uma autorização excepcional para que os párocos crismassem”.
Palmira Pereira é, actualmente, professora de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC), opção profissional que deve ao seu pároco. “Se eu hoje sou cristã e professora de EMRC devo-o ao padre José Eduardo. Aos meus pais, obviamente, e ao padre ‘Zé Eduardo’ que me acompanhou a mim e penso que à maior parte das pessoas em Alenquer, a vida toda”.
‘Construtor’ de pessoas
No seu dia-a-dia, o pastor das paróquias de Alenquer não tinha mãos a medir e quando era preciso estava presente. “Andava sempre muito atarefado. Sempre o vimos a correr de um lado para o outro, com o carro amolgado, porque não tinha tempo, mas em momentos cruciais estava presente e punha sempre mãos à obra. Quem o procurava tinha uma resposta. Não era pessoa de andar atrás das pessoas, mas quem o procurava tinha uma resposta. Mesmo já debilitado fazia as coisas e gostava de construir. Construía coisas exteriores e, acima de tudo, construía pessoas”, salienta Palmira Pereira.
Atento à localidade
Em Alenquer, o padre José Eduardo Martins deixou uma marca muito presente em diversos organismos civis, não religiosos. Entre outros, foi professor e director do Colégio Damião de Góis, colaborou na organização do Museu Hipólito Cabaço, na Associação de Estudo e Defesa do Património do Concelho de Alenquer, de que foi um dos fundadores e dirigente, e co-fundador da rádio local 'Voz de Alenquer'. “O padre ‘Zé’ gostava muito de história e de arte e, por isso, há várias coisas em que esteve inserido, que não têm nada a ver com a paróquia mas que tinham o seu cunho. Estava sempre na retaguarda das coisas. Muita gente em Alenquer desconhece que em muitas coisas da vila estava a participação do padre ‘Zé Eduardo’”, acentua esta catequista, que é também professora de EMRC no Colégio Militar, em Lisboa.
Próximo da juventude
Em Alenquer o padre José Eduardo “fundou o Agrupamento de Escuteiros, deixou igrejas restauradas, a Santa Casa da Misericórdia da qual foi provedor durante 12 anos, e um centro paroquial activo. Deixou mais de uma década de catequese para adultos, movimentos e uma comunidade muito viva. Não sei se muito participada, mas é uma comunidade muito boa e muito forte”, observa Palmira Pereira.
Embora alguns considerassem que o padre José Eduardo “tinha um feitio difícil”, a sua personalidade cativava crianças e jovens. “Tinha uma relação magnífica com os jovens e conseguia que todas as crianças gostassem dele”, destaca Palmira Pereira. “Era forte nas tomadas de posição com os jovens e com as crianças, mas muito companheiro. As crianças tinham uma tendência natural para se aproximarem do padre ‘Zé’”, refere. “Os meus sobrinhos diziam que era Jesus com óculos”, graceja.
Partir serenamente
Há cerca de um ano, o padre José Eduardo deixou as paróquias de Alenquer, cujo testemunho passou ao padre Francisco Ludovino. Por essa altura, foi-lhe diagnosticado um cancro nos pulmões, já em estado avançado, doença que, segundo Palmira Pereira, “o padre ‘Zé’ viveu de forma admirável”. “Nunca se queixou, nunca se questionou pela doença, vivendo-a com confiança em Deus”, destaca. “Este ano foi doloroso. Era visível a degradação física, e espiritualmente acho que foi visível o aproximar de Deus. Transmitiu sempre serenidade e estava contente porque tinha deixado a paróquia entregue, e bem entregue”, revela.
Segundo conta Palmira Pereira ao Jornal VOZ DA VERDADE, diante deste estado de espírito o padre José Eduardo sentia que “tinha a sua missão cumprida, que cumpriu até ao fim e, por isso, agora estava ao dispor de Nosso Senhor para o que fosse necessário. Partiu com serenidade. Foi serenamente com um sorriso nos lábios”, desvenda.
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Adeus Padre Zé, nosso querido amigo!
O Padre José Eduardo partiu de junto de nós. Tanto quanto o conheço – e julgo conhecê-lo bem, pois ele veio para terras deste concelho de Alenquer precisamente no ano em que nasci (1961) e desde há muito que tinha com ele uma proximidade e uma relação de colaboração praticamente diárias – estou absolutamente convicto de que o Padre Zé (era desta forma informal e próxima com que todos o tratávamos) partiu com a consciência do dever cumprido.
No fundo, partiu com aqueles mesmos sentimentos que o apóstolo São Paulo expressou, certo dia, a um seu discípulo, ao dizer: «O tempo da minha partida está iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. E agora já me está preparada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me há-de dar naquele dia».
O combate que o Padre Zé combateu é de todos conhecido mas, porque a memória às vezes é curta e a fragilidade humana fixa-se frequentemente mais nos defeitos do que nas qualidades, valerá a pena registar algumas das principais realidades em que ele se envolveu: nas artes, no património, na investigação histórica, na divulgação dos valores locais, na cultura em geral, na educação, na promoção da juventude, no associativismo, na comunicação social, na assistência social, na vida eclesial (como não podia deixar de ser) e em tantas outras coisas que deixaram marcas e testemunho em múltiplas gerações de alenquerenses. De resto, ele próprio se fez alenquerense por adopção.
Nunca ninguém o viu como um “padre de sacristia”. Foi, autenticamente, um “cidadão do mundo” sem ser mundano; e um “cidadão do céu” presente na terra. Com a sua sabedoria, a sua sensatez, a sua prudência, a sua visão esclarecida das coisas, o seu olhar crente das realidades e uma certeza inabalável acerca dos valores e das convicções de fé em que acreditava, guiou e conduziu tantas e tantas pessoas – mesmo não crentes e até bastante arredadas da comunidade cristã de que foi pastor – ao reencontro de uma felicidade desfeita, de uma dignidade destruída ou de uma esperança perdida. Estava sempre – literalmente «sempre» – disponível para um conselho, uma orientação, uma palavra certa dita no momento oportuno ou uma ajuda fosse qual fosse – não raras vezes ajuda material (conheço poucas pessoas tão desprendidas dos bens materiais como foi o Padre Zé). Para os fiéis, a sua disponibilidade estendia-se ainda aos dons espirituais que, enquanto sacerdote, distribuía como mediador das graças de Deus.
Foi a este homem grande ou, na expressão recente de um Bispo referindo-se ao Padre José Eduardo, a este «grande apóstolo do Reino», que no passado dia 8 de Setembro dissemos Adeus. Dizer «Adeus» significa, afinal, que confiámos e entregámos o Padre Zé «a Deus». Era nisso que ele acreditava – e nós também – porque, para aqueles que crêem em Cristo, a vida não acaba, apenas se transforma; desfeita a morada deste exílio terrestre, adquire-se no céu uma habitação eterna.
É certo que fica a saudade do homem vertical, do amigo extraordinário, do “pai espiritual”, do bom Pastor. Mas fica também a certeza da fé de que um dia virá em que nos reencontraremos. Voltarei de novo a ser o seu Diácono mas, então, a celebrar a Liturgia do Céu!
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