Lisboa |
50 anos da igreja do Bairro Padre Cruz
Construir comunidade pela escuta da Palavra
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É o maior bairro municipal da Península Ibérica. O Bairro Padre Cruz cresceu juntamente com a igreja, que neste mês de Outubro assinala 50 anos. Uma paróquia confiada aos franciscanos, que faz da aplicação da Palavra de Deus o grande desafio.

 

É uma igreja cuja história atravessa a história do próprio bairro. A igreja paroquial do Bairro Padre Cruz assinala, ao longo deste mês de Outubro, os 50 anos. “A construção da igreja teve um grande impacto no Bairro Padre Cruz. Deu muita alegria a todas as pessoas, de tal maneira que a primeira imagem da igreja – uma imagem de Nossa Senhora de Fátima – foi comprada pelos moradores e não pela comunidade cristã. Porque a paróquia preocupou-se sempre com todos os aspectos da vida das pessoas”, salienta ao Jornal VOZ DA VERDADE a paroquiana Elizete Andrade.

Fernando d’Oliveira é também paroquiano do Bairro Padre Cruz e lembra a importância da igreja na construção de todo o bairro. “A inauguração do bairro acontece quase em simultâneo com a inauguração da igreja, porque a igreja está, desde o princípio, contemplada no projecto do Bairro Padre Cruz. Sendo um bairro municipal, estava já criado o projecto da igreja! Tudo cresce ao mesmo tempo e começa a haver uma fusão entre a comunidade social e a cristã”, conta ao Jornal VOZ DA VERDADE. Fernando nasceu no Bairro Padre Cruz, em 1967, tendo ido viver, no princípio da adolescência, para o centro de Lisboa. Quando casou, em 1993, regressou a ‘casa’, apesar de ter mantido sempre a ligação à sua paróquia de origem. É o responsável pelos acólitos e pela catequese. “A minha história pessoal, tal como a do bairro, passa muito por esta igreja”, observa.

 

Criar comunidade

Elizete Andrade chegou ao Bairro Padre Cruz com 15 anos, acompanhada dos pais. Na época, no início da década de 60, não existia ainda a capela do bairro, mas o pároco procurava já criar comunidade. “O Bairro Padre Cruz pertencia à paróquia de Carnide e o padre Francisco – que depois foi eleito o primeiro Bispo da Diocese de Santarém [D. António Francisco Marques] – vinha todos os dias ao bairro e tinha muito a preocupação de ir captando e estar atento para perceber com quem é que podia começar a criar um primeiro núcleo de cristãos”, refere, lembrando o “atrevimento evangélico” do sacerdote que andava sempre vestido de hábito franciscano. “Ele tinha muito a mania de se ‘meter’ com as pessoas e abordá-las! Foi muito importante esta primeira abordagem às pessoas”, assegura esta paroquiana, que é também presidente da Associação de Moradores do Bairro Padre Cruz.

Elizete lembra-se que nos primeiros três anos que viveu no bairro não havia ainda transportes públicos. “Andávamos muito pela azinhaga, o que proporcionava muita convivialidade e muito contacto com as pessoas”, recorda.

 

Conhecer o povo

A paróquia de Nossa Senhora de Fátima do Bairro Padre Cruz está confiada, desde há muitos anos, aos padres franciscanos. O padre António Baptista de Abreu, de 80 anos, está já há mais de trinta anos no Bairro Padre Cruz. “Cheguei a esta paróquia a 5 de Outubro de 1981!”, aponta ao Jornal VOZ DA VERDADE. Mas o seu conhecimento da realidade local vem de trás. “Após a ordenação, em 1961, estive um ano no bairro – como coadjutor do então padre Francisco, que depois foi eleito Bispo de Santarém –, antes da partida para África, onde fiquei vinte anos”, acrescenta. “Assisti ainda, a 1 de Outubro de 1962, à bênção da capela do Bairro Padre Cruz”.

No início da década de 60, o padre Baptista recorda-se dos tempos em que o bairro era quase uma miragem. “Eu estava no Seminário da Luz e ia a pé dar aulas de Moral e Catequese à Ulmeira. Nessa altura andavam a construir o bairro: era uma terra de trigo, de lagoas, de patos. Ainda me recordo dos primeiros tractores começarem a trabalhar na construção do bairro!”. No início do bairro, a população era sobretudo constituída por almeidas e calceteiros. “Tinha um acento muito forte de provincianismo e religião popular”, refere o pároco do Bairro Padre Cruz.

Em 1981, após a nomeação para o Bairro Padre Cruz, o padre Baptista encontrou uma forma de ‘conhecer’ a gente que lhe estava destinada: “Andei três dias de autocarro para ouvir as conversas… porque as pessoas fazem do autocarro um jornal. Cheguei à conclusão que é gente humilde, que não faz mal a ninguém. Uns chamam-me padre Baptista, outros senhor prior, outros ainda padre António e há até quem me chame senhor Baptista!”.

 

Requalificação do bairro

Elizete Andrade é presidente da Associação de Moradores e sublinha o sentimento de pertença que se vive no Bairro Padre Cruz. “Este bairro foi construído a pensar nos trabalhadores da Câmara Municipal de Lisboa, sobretudo gente das beiras. Pessoas humildes, trabalhadoras, com bons princípios. A base do bairro é esta, o que configurou uma certa cultura do próprio bairro, que tenta perpassar, mesmo apesar de agora aparecerem outras pessoas e outras construções”, refere. “Sentimos ainda o estigma dos bairros que se chamavam sociais e que agora apelidam de municipais. Este é o maior bairro municipal da Península Ibérica, mas é um bairro possível de gerir precisamente devido ao sentimento de pertença”.

O Bairro Padre Cruz tem mais de cinquenta anos e desde há seis que decorre a requalificação habitacional. “Primeiro de tudo, as dimensões das divisões são pequeníssimas. Mas a requalificação é um processo que já anda há bastante tempo a ser germinado para ver se se avançava com ele. A demolição das casas tem sido faseada, porque como não há mais terreno para construir, tem de ser feito um puzzle muito complicado”, salienta a presidente da Associação de Moradores, sublinhando o sentimento de pertença das pessoas ao bairro: “Na primeira fase, já mudaram de casa 42 famílias e, destas, apenas um senhor quis sair do bairro porque tinha familiares noutro bairro municipal”. A segunda fase da requalificação tem de estar pronta até ao final deste ano e “envolve 56 famílias”, das quais “apenas cinco querem sair do bairro”. Elizete Andrade frisa que, “após estas duas fases, há ainda outras cinco fases, que se vão prolongar por mais 15-20 anos”.

 

Culturas e respostas

As culturas misturam-se neste bairro alfacinha. “Há muitos africanos, em especial cabo-verdianos, mas também ciganos, além da comunidade portuguesa, já muito envelhecida”. Segundo Fernando d’Oliveira, o Bairro Padre Cruz tem bastantes carências, mas a resposta social é dada sobretudo pelo pólo que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem no bairro. “Enquanto paróquia, temos muitas pessoas a baterem-nos à porta, mas não temos grande capacidade de resposta. A comunidade paroquial é bastante envelhecida e não tem sido possível manter as respostas que a paróquia prestava. Neste momento, fazemos actividades pontuais, apoiando famílias mais carenciadas na época do Natal e da Páscoa”.

 

Pastoral “difícil”

Ao longo dos anos, o crescimento do bairro levou também a um enorme aumento populacional. “Antigamente, éramos dois mil, hoje somos mais de oito mil habitantes”, salienta o pároco, padre Baptista, referindo que a prática cristã nesta paróquia ronda os cinco por cento. “Antigamente, tínhamos ruas inteiras a vir à Missa! Hoje, vem uma ou outra família de cada rua. O grande desafio é, sem dúvida, ensiná-los a ouvir a Palavra e a pô-la em prática. A escuta da Palavra de Deus e o compromisso em Igreja, como comunidade”.

Ao nível dos movimentos, a paróquia do Bairro Padre Cruz conta essencialmente com a Liga Operária Católica, o Apostolado de Oração e a Liga Eucarística. “Tem sido difícil fazer pastoral. Por exemplo, catequistas formados são poucos”, lamenta o pároco, indicando contudo que tem cerca de 150 crianças na catequese. Para aproximar os jovens da Igreja, a paróquia iniciou, desde há dois anos, um projecto de música, especialmente dirigido às crianças da catequese. “Torna-se difícil, porque os jovens são crismados no 10º ano e depois ‘fogem’. Penso muitas vezes que devemos sempre começar a apostar nos jovens, mas começo a perceber que a aposta deverá ser antes pelos pais…”.

 

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Peregrinação, exposição, concertos e visita do Cardeal-Patriarca

A paróquia de Nossa Senhora de Fátima do Bairro Padre Cruz vai assinalar os 50 anos da sua igreja com diversas iniciativas e celebrações, que “pretendem sair do espaço da igreja e ir ao encontro das pessoas”, observa ao Jornal VOZ DA VERDADE Fernando d’Oliveira. “A primeira acção destes 50 anos foi o embelezamento interior e exterior da igreja. Porque no dia 29 de Dezembro do ano passado, tivemos um incêndio no presépio e isso obrigou-nos a ter que mover esforços para recuperar a igreja”, sublinha este paroquiano, destacando “o apoio da junta de freguesia à paróquia na pintura e no arranjo da calçada à volta da igreja”. Elizete Andrade sublinha que “as pessoas estão muito contentes por verem a igreja assim, tão bonita!”.

As festividades tiveram início no passado Domingo, dia 23, com a conferência ‘Por Maria a Jesus - O segredo de Peregrinar’, que foi preparatória da peregrinação a Fátima que acontece a 5 de Outubro e que “tem já mais de 150 pessoas inscritas”. No dia 7, Domingo, será inaugurada a exposição fotográfica ‘50 anos de historia de uma Igreja e de uma comunidade’, no Centro Cultural de Carnide (CCC), que ficará patente até 4 de Novembro. “É uma iniciativa que pretende ir ao encontro da própria história”, salienta Fernando. Para o dia 13 de Outubro, data da última aparição de Nossa Senhora em Fátima, a paróquia preparou, a partir das 17h, uma procissão com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, pelas ruas do Bairro Padre Cruz, seguida de Eucaristia. “Queremos que seja uma forma de oração com as pessoas do bairro”, frisam estes paroquianos.

No dia 21, às 16h, na igreja, tem lugar o Concerto Coral Polifónico, com o Orfeão dos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa e “de homenagem a D. Cândida Sanches, cidadã do Bairro Padre Cruz, membro activo na paróquia, e que assistiu ao parto de muitas centenas de pessoas desta comunidade”, destaca Fernando d’Oliveira. Seis dias depois, também às 16h, decorre o Concerto pela Orquestra Ligeira da Carris, no CCC.

As celebrações dos 50 anos da igreja do Bairro Padre Cruz terminam no dia 28 de Outubro, Domingo, a partir das 10h30, com a presença do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, para a celebração da Eucaristia, com administração do Sacramento da Confirmação (Crismas). “Este será o final oficial das celebrações. O que nós esperamos é que seja o ‘motor’ que nos leva depois à acção”, sublinha Fernando.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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