Entrevistas |
Padre José Miguel Barata Pereira
"As famílias são dificuldade para as vocações”
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Reitor dos seminários dos Olivais e S. José de Caparide, o padre José Miguel Barata Pereira está ligado à formação dos futuros sacerdotes da diocese de Lisboa desde 1996. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, no início da Semana dos Seminários, o reitor traça o perfil do padre do século XXI e lembra a necessidade do empenho das comunidades paroquiais na promoção vocacional. 

 

Estando  em pleno século XXI, e 50 anos depois do Concílio Vaticano II, que padres são formados no Seminário dos Olivais?

Procuramos, na fidelidade ao que o Seminário dos Olivais tem vindo a fazer, dar expressão aos documentos da Igreja sobre a formação sacerdotal, de modo especial à 'Pastores dabo vobis' [Dar-vos-ei pastores]. Por isso, procura-se formar padres cujos fundamentos sejam a caridade pastoral de Jesus Cristo e a entrega, em caridade, pelo Reino de Deus, sob a vontade do Pai na identificação com Jesus Cristo. Neste sentido, procura-se que sejam homens profundamente conhecedores daquilo que são os dinamismos da vida humana, profundamente identificados com aquilo que é a proposta do Evangelho de Jesus Cristo.

Há outros desafios que têm a ver, também, com uma Igreja que se entende por comunhão, e a capacidade de ser ponte entre Deus e os homens.

Por outro lado, não se pode esquecer a fidelidade ao próprio Seminário dos Olivais que tem uma história legado que é muito actual para os dias de hoje. A centralidade da liturgia, como ponto de chegada e de partida de toda a acção da Igreja e de toda a vida da Igreja e, portanto, também do ministério, não significam uma redução ao culto mas significam uma marca de toda a acção pastoral e de toda a presença sacramental do sacerdote, como expressão e sacramento de Jesus Cristo.

Há um estudo teológico sério, e essa foi uma grande intuição do Cardeal Cerejeira,  de forma a procurar que a teologia, sólida, seja uma grelha de leitura da realidade. Depois, é preciso procurar uma grande unidade em tudo isto para  que a vida espiritual não seja apenas uma dimensão 'pietista' mas seja a vida segundo o Espírito que dá unidade às várias dimensões. Também não podemos deixar de atender à questão da nova evangelização, que é de facto uma urgência que se põe à Igreja, sobretudo no ocidente, e não só.

 

O que é que um rapaz precisa de ter para ser padre hoje?

Em primeiro lugar, precisa de ter a recta intenção. Que a história que o trouxe até aqui com profundas e fortes experiências de fé seja colocada nas mãos de Deus, através da Igreja, com confiança, humildade, lealdade e esperança. Que seja capaz de colocar-se assim disponível para ser formado e guiado nos dinamismos que o Senhor vai fazendo através da Igreja. Que tenha uma docilidade ao Espírito, no sentido de uma profundidade de vida. É importante, também, que se abra às virtudes teologais, à dimensão teologal da fé, onde esta não seja apenas intelectual e ideológica. Que seja de facto o aprofundar de uma experiência de Deus, aliada à esperança e à caridade, como inerentes à própria fé. Que haja este sentido de buscar a Deus e de ser portador de Deus para as pessoas, nas condições próprias em que estas se encontram e na capacidade muito grande de amar o mundo. Até de aceitar perder-se e perder algumas das suas formas de religiosidade pessoais ou até do que foi o seu caminho.  Não no sentido de entrar em rupturas com a sua história ou da Igreja, mas no sentido de ser capaz de fazer-se tudo para todos a fim de ganhar alguns, no espírito paulino. No entanto, o importante é que os seminaristas que chegam aqui venham abertos à diversidade que é um bem e uma expressão do Espírito Santo na Igreja. A diversidade pode e deve concorrer para a comunhão. Por vezes, há perspectivas de comunhão muito redutoras, onde a comunhão é estarmos todos a fazer da mesma maneira, numa só expressão e numa só forma, mas é importante que no Seminário se forme para outro modo de estar.

 

Essa é, de alguma forma,  uma consequência do Concilio Vaticano II ?

Este é um desafio permanente da Igreja. É claro que ao longo da história da Igreja houve etapas onde isto se acentuou mais, ou menos. Mas não se pode dizer que seja exclusivo do Vaticano II. Na história da Igreja houve muitos momentos em que a Igreja avançou com carismas de novidade que trouxeram enriquecimento à Igreja.

 

O que a sociedade pede, hoje, de um padre?

Isso depende! A sociedade em geral, que muitas vezes não entende qual a missão específica da Igreja, pede que seja um homem que ajude os pobres. Uma grande parte do mundo apenas entende a missão da Igreja como o ajudar os pobres, sobretudo em situações de crise e de maior necessidade. Depois, aqueles que  são mais capazes de aprofundar dinamismos mais transversais da presença da Igreja na história e na sociedade, pedem que o padre seja alguém que aponte para uma capacidade de reflectir a história e o mundo. Que o padre seja capaz de dialogar com a cultura e de apresentar desafios à cultura. Há outros sectores que pedem que o padre seja uma referência moral e, sobretudo no tempo de hoje  com uma série de dificuldades nessa matéria e também de maus exemplos do testemunho de alguns sacerdotes, pedem que o padre seja um homem de referência moral, segura, credível e exemplar. Há também grupos que pedem que o padre seja um homem santo, um homem de Deus que transmita qualquer coisa de mais seguro e perene no meio da instabilidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade dos tempos de hoje. Por último, pedem que o padre seja sacramento de Jesus Cristo, bom pastor.

 

O padre consegue ser tudo isso?

Eu acho que há testemunhos bonitos de padres que conseguem. Não digo que seja sempre uma realidade vivida a cem por cento, em todas as dimensões, como nada o é na nossa vida. Mas há momentos mais felizes e outros menos felizes. Há sacerdotes mais capazes de fazer unidade e expressão disso, assim como há outros que não. Mas isso faz parte dos dinamismos próprios.

 

O Seminário dos Olivais recebe seminaristas de outras dioceses. Como é a formação dos futuros padres de outras dioceses no contexto específico de Lisboa?

Em primeiro lugar é um enriquecimento porque é a experiência da tal diversidade que concorre para a unidade. Nós temos aqui seminaristas de vários continentes e de várias dioceses do país, com os seus dinamismos e realidade próprias. Isso acaba por ser um desafio interessante no sentido de viver e de ser Igreja comum. 

É o apostar numa consciência de Igreja universal mais alargada.

 

Há um modelo único de formação para os diversos contextos?

Sim, o projecto de seminário é único. É um projecto actual que tem a ver com as diversas realidades eclesiais. Portugal é pequeno e por isso mesmo nas suas diferenças há uma realidade comum à Igreja e ao ser padre no nosso tempo. Mesmo a diocese de Cochim, na Índia, a realidade pode ser diferente. Mas o bispo quando pediu que os seminaristas viessem ser formados para Lisboa foi neste projecto. Com Cabo-Verde acontece a mesma coisa e no Seminário de Caparide vamos ter também essa experiência com São Tomé e Principe. É um projecto comum que oferecemos às dioceses que querem crescer aqui.

 

O Vaticano II trouxe uma nova dimensão de Igreja missionária. Como é que o padre é formado para esta dimensão?

A solicitude por todas as Igrejas faz parte do ministério apostólico, e isso é dito directamente no Concílio em relação a todos os bispos. Nesse sentido, o sacerdote enquanto participante do ministério, no grau de presbítero, também participa dessa solicitude. O nosso Patriarca tem chamado a atenção para isso, e nós procuramos que isso se transmita. O facto de aqui haver contacto com as várias dioceses, e nas paróquias onde os seminaristas fazem formação pastoral haver já várias experiências de missão em países africanos, também vai incutindo nos candidatos ao sacerdócio essa descoberta e valorização.

 

Qual a actual situação vocacional nos seminários da Diocese de Lisboa?

No Seminário de Penafirme estão dez seminaristas. Todos da Diocese de Lisboa. No Seminário Redemptoris Mater, ainda que provenientes de vários países, estão 16 em formação para o Patriarcado. Creio que cinco ou seis na itinerância. Depois no Seminário de Caparide estão 20 candidatos da diocese de Lisboa.  Nos Olivais são 14. Ao todo, entre os 130 seminaristas que estão nos seminários da diocese,  66 são para a Diocese de Lisboa.

 

Esse número é suficiente?

Não! Até porque é preciso estar consciente que o Seminário de Penafirme e de Caparide, bem como o Redemptoris Mater porque  recebe seminaristas desde o primeiro ano, têm uma etapa muito forte de discernimento vocacional, o que conduz a algumas saídas. Por isso, é preciso ter em conta que desses 66, provavelmente, nem todos virão a ser ordenados. Por outro lado, o número de cristãos da diocese de Lisboa e da população em geral, é muito elevado. São muito mais do que o número de possíveis ordenações que nós vamos ter. Precisávamos de mais! A Pastoral das Vocações, as comunidades e os seminários  têm feito algum trabalho nesse sentido. Mas esse é um trabalho que precisa de estar sempre a sempre iniciado.

 

Qual é a dificuldade de uma pastoral vocacional?

Eu penso que é ainda uma consciência mais viva da própria vida da fé como vocação, como resposta a um apelo continuo que Deus vai fazendo em cada etapa da nossa vida. Isso respira-se pouco na forma como as famílias e as comunidades comunicam a fé. As vocações são entendidas como decisões pessoais, mais ou menos generosas, como uma construção de um querer pessoal diante de uma hipótese em aberto. Depois, há outra dificuldade que é a de as famílias não entenderem a vocação consagrada como um tesouro. Mesmo as famílias que rezam pelas vocações olham mais do ponto de vista das dificuldades e das durezas que ela pode ter, do que do tesouro e da densidade de relação com Cristo que ela traz a um filho ou uma filha chamados a uma vocação consagrada.

Quando surge um jovem inquieto as famílias, muitas vezes, tremem e tentam retirar esse horizonte de possibilidade porque se assustam e acham que as dificuldades são muitas. Esta é uma grande dificuldade e por isso as famílias são, ainda hoje, alguma dificuldade para as vocações. As comunidades também sofrem um pouco disso. Por vezes reduzem a vocação consagrada à utilidade, ao agir e ao fazer. E como apesar de tudo ainda vão tendo os padres para celebrar os sacramentos, ainda vão tendo uma outra freira para ser catequista, não se atêm a que a Igreja enriquece pelo sinal que a vida consagrada é e pela presença do sacerdócio sacramental e ministerial. É preciso renovar constantemente essa catequese e essa descoberta.

 

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Perfil

Ordenado em 29 de Junho de 1996, o padre José Miguel, de 41 anos, foi desde logo nomeado Prefeito do Seminário Menor de S. José de Caparide e membro da equipa formadora do Pré-Seminário. Três anos depois, quando o Seminário de Almada é transferido para a Diocese de Setúbal, o seminário menor desloca-se para Penafirme, para onde foi nomeado vice-reitor.  Em 2001 com a reformulação dos seminários do Patriarcado de Lisboa, o padre José Miguel continua a assumir a função de vice-reitor, agora sem a presença de um reitor, e assume também a direcção do Pré-Seminário. Foi professor de Educação Moral e Religiosa Católica no Externato de Penafirme, colaborou na Paróquia de A-dos-Cunhados e foi, ainda, assistente do Núcleo do Oeste do CNE. Em 2007 é nomeado vice-reitor do Seminário dos Olivais e director, com o padre Rui de Jesus, do Sector da Animação Vocacional do Patriarcado. Actualmente, é também coordenador da equipa de formação e selecção dos candidatos ao diaconado permanente e secretário do Serviço de Acção Pastoral (SAP). Em Novembro de 2011 foi nomeado Reitor do Seminário dos Olivais com responsabilidades também no Seminário de S. José de Caparide. 

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