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Guilherme d’Oliveira Martins
Não ficar indiferentes!
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Dentro de uma semana, terá lugar no Porto a Semana Social 2012. É o momento de aproveitar esta oportunidade para tentarmos perceber os sinais dos tempos. A Doutrina Social da Igreja tornou-se mais atual do que nunca em virtude da crise financeira e económica com que nos debatemos. Sabemos que há sinais de desesperança e desalento, por isso é fundamental não ficarmos indiferentes. Os cristãos e todas as pessoas de boa vontade são chamados a dar testemunho. Não se trata de pensar um projeto ideológico, mas de assumir uma proposta com uma dimensão transversal relativamente às diferentes famílias políticas. Não estamos perante um conjunto de providências técnicas respeitantes às políticas públicas. Do que se trata é de considerar princípios de ética pública, que ponham a dignidade da pessoa humana no centro da vida política. Poder-se-á perguntar se há compatibilidade com uma orientação mais liberal ou mais intervencionista – e a resposta deverá ser a de que, não se tratando de uma receita política e muito menos de uma doutrina económica, estamos perante propostas que envolvem flexibilidade relativamente às soluções técnicas, mas obrigam a respeitar desígnios de humanismo, de liberdade, de igualdade, de respeito por todos e de salvaguarda da Justiça e da Paz.

O pluralismo é fundamental, do mesmo modo que a alternância política e a possibilidade de escolha por parte dos cidadãos entre diferentes propostas. Jacques Maritain ou Giorgio La Pira disseram-no muito claramente, praticando a atenção e o cuidado – e a Doutrina Social da Igreja aponta para o respeito dos direitos e dos deveres fundamentais, para a democracia e para o desenvolvimento humano. Daí não estarmos perante uma conceção eurocêntrica ou exclusivista, mas diante de uma proposta universalista. O Papa João XXXIII compreendeu-o melhor do que ninguém, na Encíclica Pacem in Terris, e o Concílio Vaticano II consolidou esse entendimento na Constituição Pastoral Gaudium et Spes – ao dirigir-se a todos os homens e mulheres de boa vontade. Ora, hoje, perante as consequências desastrosas do fundamentalismo do mercado e da idolatria do lucro (fazendo-nos reviver a lógica do bezerro de ouro), somos chamados a ouvir uma mensagem simples e clara, segundo a qual a sobriedade, a tolerância e a dignidade têm de ser tornadas prioridades.

Nos anos oitenta, diversos teóricos pretenderam dizer-nos que as desigualdades poderiam constituir-se em fatores de progresso e de competitividade. Outros sugeriram que o progresso não teria limites. Hoje sabemos que não tinham razão, uma vez que a desigualdade gera a exclusão e favorece a injustiça, e assim põe-se em causa a coesão económica e social e afeta-se o capital social. A liberdade igual e a igualdade livre são faces da mesma moeda e decorrem do valor universal da eminente dignidade da pessoa humana. Impõe-se, assim, criar instrumentos capazes de reduzir as desigualdades e de evitar a exclusão. Eis por que razão não basta falar de Estado social. É indispensável ligá-lo à sociedade solidária, às redes de proximidade, à subsidiariedade, à cooperação voluntária e à reciprocidade. Impõe-se, pois, ouvir o Concílio Vaticano II a afirmar: «num momento em que o desenvolvimento da vida económica, se fosse orientado e ordenado de um modo racional e humano, poderia permitir atenuar as desigualdades sociais, muito mais frequentemente traz consigo o agravamento aqui e além, e até a regressão das condições sociais dos mais débeis e desprezo pelos pobres (…). O luxo e a miséria vivem juntos. Enquanto um pequeno número dispõe de amplo poder de decisão muitos estão privados de quase toda a possibilidade pessoal e da responsabilidade de ação, vivendo com frequência em condições de vida e de trabalho indignas da pessoa humana» (G.S., 63). No entanto, esta tendência agravou-se – e importa tomarmos consciência de que o Estado social moderno, capaz de tirar lições da atual crise, tem de ser modesto (na expressão de Michel Crozier), sóbrio, equitativo, eficiente, subsidiário, descentralizado, próximo das pessoas e dos cidadãos. E não pode ser centralista, incontrolável, omnipresente, distante, burocrático e indiferente à sociedade das pessoas concretas. Bento XVI denunciou injustiças gritantes da sociedade e da economia em que vivemos na Encíclica «Caritas in Veritate». É relativamente a essas injustiças que se exige que o Estado social aja, sem ocupar o lugar da sociedade e da cidadania. Temos de ouvir esse alerta e de agir com consequência. A indiferença pode tornar-se um refúgio, com que não devemos conciliar. É tempo de encontrar soluções solidárias.