Artigos |
Guilherme d'Oliveira Martins
Ainda o Concílio e a Semana Social
<<
1/
>>
Imagem

As conclusões da Semana Social – Porto 2012, há pouco realizada, afirmaram: «os cristãos são chamados a viver a caridade na verdade, o que reclama uma prática verdadeiramente humana, uma ação de proximidade e o compromisso com a justiça. Para tal, importa que os cristãos se interessem, estudem e aprofundem a Doutrina Social da Igreja, nas famílias e comunidades, para que possam fazer a leitura das realidades de cada momento à luz dessa doutrina, que tem o mérito de ser transversal e aplicável a todas as famílias políticas. Neste Ano da Fé, a Semana Social Porto 2012 afirma que há uma esperança cristã que tem de ser princípio e critério que, sobretudo em tempo de crise, cabe aos cristãos inscrever na organização social e na participação política».

Neste tempo de Advento, permito-me insistir na reflexão realizada no Porto, que recordou, de modo especial, a passagem do cinquentenário do Concílio Vaticano II, num momento em que, aliás, a Caritas Portuguesa recebeu, no dia 10 de dezembro, o Prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República. Ora, a Doutrina Social da Igreja tem uma palavra importante no repensar do Estado Social – devendo lembrarmo-nos de que o Papa Bento XVI na Encíclica «Caritas in Veritate» defende uma conceção forte de justiça distributiva intimamente ligada ao desenvolvimento humano. O Estado moderno deixou de ter condições para garantir a cobertura integral de compromissos sociais para o futuro, correspondentes a um sistema universalista e exclusivamente assente num sistema não contributivo e de repartição; a crise do Estado-Providência obriga a introduzir, nos sistemas de cobertura de riscos sociais, correções, no sentido da consagração do princípio da diferenciação positiva (tratando diferentemente o que é diferente e centrando-se na resposta necessária aos mais carenciados), bem como da adequação entre os compromissos comunitários e a evolução social (p. ex. consideração da esperança média de vida e da natalidade). Só há resposta à crise do Estado-Providência, tornando a democracia um “mundo comum” que reconheça quais os valores partilhados, que permitam regular conflitos. As mudanças estruturais, no sentido da diferenciação positiva e da justiça plural e complexa, obrigam à adoção de consensos políticos duradouros, envolvendo governos e oposições – assentes na subsidiariedade (resolver os problemas o mais próximo possível dos cidadãos), na liberdade, na coesão, na confiança, na sustentabilidade e na igualdade. O Estado moderno tem de se basear na liberdade igual e na igualdade livre, de modo a superar as tensões entre liberdade e igualdade e entre igualdade e diferença – a igualdade de oportunidades tem de ser corrigida momento a momento, de modo que a justiça realizada não seja puramente formal. Ao Estado-Providência do pós-guerra temos de contrapor a ideia de Sociedade-Providência, em que a noção de serviço público tem de deixar de se confundir com serviço estatal – o moderno serviço público tem de envolver, além do Estado democrático, a sociedade civil, a solidariedade voluntária e as instituições de cidadania, voluntariado e cooperação. A subsidiariedade só funcionará se o serviço público se tornar serviço da sociedade toda. A sustentabilidade do Estado democrático contemporâneo exige, no fundo, maior partilha de recursos e responsabilidades em torno da ideia de serviço público, enquanto serviço das e para as pessoas. Eis por que razão as preocupações transversais da Doutrina Social têm de se tornar atuantes. Como disse Luciano Manicardi: “longe de representarem duas dimensões opostas, justiça e caridade podem e devem encontrar-se: a justiça é o rosto social da caridade”.