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Cónego José Amaro (1911-2012)
O padre formador e pastor
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No passado dia 2 de janeiro faleceu aos 101 anos o cónego José Amaro, o padre mais velho do país. Dedicou um terço da sua vida à formação dos futuros padres e durante o Concílio Vaticano II chegou a ser governador da diocese.

 

“Mas... governador do Patriarcado de Lisboa? O que faço eu?”. Assim reagiu o cónego Amaro, em 1962, quando foi confrontado com a decisão do Cardeal Cerejeira em nomeá-lo para o cargo de governador do Patriarcado, por ocasião do início do Concílio Vaticano II. “Quando o Concílio se iniciou eu estava em São Mamede. O Senhor Cardeal Cerejeira mandou-me chamar e disse-me: ‘Olha, como sabes vai haver um Concílio e todos os bispos têm de ir a Roma. Tu ficas como governador do Patriarcado. Tens todos os poderes que eu tenho mas não podes mudar os padres de lugar. De resto ficas com a governação da diocese’. A partir daí, tinha que ir todos os dias para o Patriarcado para assinar e tratar das coisas”.

 Foi deste modo que o cónego José Amaro Teixeira, em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, publicada a 5 de novembro de 2006, testemunhou o desafio que lhe tinha sido colocado, e que enfrentou com dificuldade. “Quando foi a segunda sessão do Concílio pedi-lhe: ‘Senhor Cardeal, peço-lhe um favor: não me nomeie de novo governador episcopal. Custa-me tanto!’”, contava.

 

Formar verdadeiros pastores

Nascido a 19 de agosto de 1911, em Belmonte, na Diocese da Guarda, o cónego Amaro fez os seus estudos eclesiásticos no Seminário de Santarém, de 1925 a 1931, e no Seminário dos Olivais, de 1931 a 1935. Foi, precisamente, dos primeiros alunos deste novo seminário da Diocese de Lisboa, fundado pelo Cardeal Cerejeira, em outubro de 1931. Sobre o tempo da fundação do Seminário Maior de Cristo Rei dos Olivais, o cónego Amaro, que era o único aluno vivo que esteve presente no primeiro dia daquele seminário, partilhava em entrevista que o Seminário de Santarém “já não podia receber mais alunos do que aqueles que o frequentavam”. Por outro lado, “também o Patriarcado precisava de muitos seminaristas para ter depois muitos padres.” No entanto, com a implantação da República tinha havido “um grande choque nas vocações” e “muitos padres abandonaram o sacerdócio e muitos seminaristas o seminário”, contava. Neste sentido, o Cardeal Cerejeira tinha notado a necessidade de promover “uma formação diferente para o clero da diocese – não tanto a nível dogmático, mas pastoral. Formar verdadeiros pastores para a Diocese de Lisboa”, lembrava o cónego José Amaro.

Ultrapassadas algumas dificuldades no processo de fundação do Seminário dos Olivais, a escolha do lugar para a sua implementação – num palácio junto à Quinta do Cabeço – foi objecto de críticas. “O Cardeal Cerejeira procurou diferentes locais para edificar o novo seminário e escolheu aquela quinta maravilhosa. No entanto, havia muitas pessoas que, na altura, diziam ao Senhor Patriarca: ‘Afinal vai colocar os padres aqui nesta casa a viver com este luxo todo....’. A estas pessoas o Cardeal Cerejeira respondia-lhes sempre da mesma forma: ‘Eu quero que os meus padres saibam viver com pobres e com ricos, com pessoas educadas e não educadas, com pessoas que têm palácios e pessoas que vivem em choupanas’. No fundo, ele tinha uma preocupação profundamente pastoral”, sublinhava o cónego Amaro, na entrevista concedida em 2006, por ocasião dos 75 anos do Seminário dos Olivais.

 

Missão diocesana

No dia 6 de abril de 1935, o cónego José Amaro Teixeira era ordenado padre na capela daquele seminário, pelo Cardeal Cerejeira, ficando, desde logo, incardinado na Diocese de Lisboa.

Em outubro daquele mesmo ano, é nomeado diretor espiritual do Seminário de Almada. Dez anos mais tarde, em 1945, regressa ao Seminário dos Olivais como vice-reitor e professor das disciplinas de Moral Fundamental, Moral Especial, Liturgia Ascética e Mistagogia Pastoral. Em 1946 é nomeado cónego tesoureiro-mor do Cabido da Sé Patriarcal e deixa o Seminário dos Olivais em 1959 quando recebe a nomeação como pároco de São Mamede, em Lisboa. Entre as diversas funções que exerceu, desde então, ao serviço da Diocese de Lisboa, o cónego José Amaro foi juiz pró-sinodal do Tribunal Patriarcal, presidente da Comissão Liturgia e Música Sacra, vigário episcopal, reitor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (ao Rato), diretor e capelão da Casa de Retiros do Bom Pastor, na Buraca. Em 1981, o Papa João Paulo II atribui-lhe o título de capelão da Santa Sé ou seja, monsenhor.

 

Formador e pastor

Na mesma entrevista concedida ao Jornal VOZ DA VERDADE, o cónego Amaro testemunhava que um terço da sua vida tinha sido ligada ao seminário, tendo sido pároco apenas durante nove anos. No entanto, sobre o seu papel como formador de futuros padres afirmava: “Essa parte da minha vida marcou-me muito. Os padres sabem que, como vice-reitor, fui muito rigoroso. Insistia para que mantivéssemos uma certa linha de disciplina na formação. Aceito que, às vezes, terei sido um pouco duro e, por ventura, injusto até em algumas ocasiões. Mas creio que desempenhei bem o meu papel”, declarava.

Quanto à sua missão como pastor na paróquia, segundo o próprio cónego Amaro, já assumia contornos diferentes. “Como pároco pensei: ‘Eu sou um pastor que não posso impor nada. Eu digo o que me parece, aconselho e ajudo mas não posso mandar embora a pessoa por qualquer razão’. Lembro-me que nessa altura até o meu coadjutor me dizia: ‘O senhor cónego é muito diferente do que era no seminário!’. Eu respondia-lhe: ‘Pois, meu caro padre, porque no seminário tinha que dar conta ao senhor Bispo da formação dos padres; como pároco tenho que receber e ouvir as pessoas mas não julgá-las’. Tive que me adaptar a esta nova situação, mas a gente veste sempre o fato de que necessita mais em cada ocasião, não é?”, gracejava.

Da experiência como pároco, o cónego Amaro manifestando a sua opinião sublinhava: “Gostei muito dos anos como pároco. Aliás, acredito que todos os padres deveriam ter um contacto com o povo. Claro que a vida de pároco mudou muito nestes anos. Eu tive a graça de ter encontrado uma comunidade muito viva e muito simpática para comigo”.

 

Abertura ao mundo novo

Tendo sido formado e ordenado muitos anos antes do Concílio Vaticano II, e olhando para a atualidade, o cónego Amaro referia nessa entrevista que “mudou tudo, a começar pelas próprias celebrações litúrgicas. O estilo de vida, a relação com os bispos, a pregação nas igrejas. Não sei se sabe, mas antes do Concílio os bispos não iam aos funerais dos padres! Claro que tudo mudou para melhor! Esta vida em que hoje estamos, quer em matéria da Igreja, vocações e mesmo em sociedade não é culpa do Concílio. Acredito que se não tivesse existido o Concílio, teria havido uma maior clivagem entre a Igreja e o mundo contemporâneo. Na altura, a Igreja estava muito fechada sobre si; era muito dogmática e não entendia o mundo novo. As pessoas não fazem ideia do que era a Igreja a esse nível!”, garantia.

 

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Homenagem aos 100 anos

No dia 19 de Agosto de 2011, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, presidia à eucaristia onde celebrava o centenário de monsenhor cónego José Amaro, de quem tinha sido aluno. Nesse dia, o Patriarca de Lisboa manifestava o desejo de que o cónego Amaro sentisse “o amor fraterno e a grande amizade do seu bispo, dos padres do seu presbitério, muitos dos quais ajudou a formar, e também de todo o povo de Deus”. Recordando que o cónego Amaro “ajudou a construir no Seminário dos Olivais uma marca que ainda hoje o alimenta, ainda hoje o orienta e ainda hoje o desafia”, D. José Policarpo frisou a dedicação de “grande parte das suas forças, ajudando a formar sacerdotes”.

 

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A morte é o triunfo da vida

Na celebração das exéquias do cónego José Amaro, o Cardeal-Patriarca de Lisboa lembrou que Deus deixou “a promessa do prémio da vida eterna” e por isso salientou “o desafio de crescer na vida deste mundo em união com Jesus Cristo”.

Na celebração realizada no passado dia 3 de janeiro, na capela da Casa Sacerdotal, em Lisboa, estiveram presentes padres da diocese, diáconos e diversos amigos e familiares. Na sua homilia, D. José Policarpo frisou que “o que distingue o cristão dos outros homens, ou o que é a graça própria do cristão é unir-se a Ele [Jesus Cristo] neste crescimento, imitá-l’O na fidelidade, fazer da vida um dom e ser capaz de a oferecer quando se morre”.

Lembrando que aquela celebração de exéquias acontecia poucos dias após o Natal, o Patriarca de Lisboa apontava “a imagem do Menino Jesus que nasce e a do senhor Cónego Amaro que morreu”, sublinhando que “o segredo da nossa fé é perceber a relação entre estes dois momentos: o nascimento misterioso para a vida humana do próprio Verbo de Deus e o nascimento para a eternidade de alguém que Ele redimiu”.

“Que a morte não seja a desgraça humana mas o triunfo da vida”, observou.

texto por Nuno Rosário Fernandes; fotos por Arquivo Jornal VOZ DA VERDADE
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