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Etiópia: a história de um refugiado de apenas 13 anos
As lágrimas escondidas de Emanuel
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A família deu-lhe o que tinha para ser resgatada da pobreza. Era a última oportunidade, mas ele caiu numa rede de traficantes de seres humanos e perdeu tudo. Regressar a casa seria humilhante. Que fazer? Este é apenas um dos dramas dos milhares de refugiados perdidos algures no mundo. Ajudá-los é mesmo um imperativo. De consciência.

 

Emanuel está a chorar. Tem os olhos escuros. Está sentado num banco comprido, de madeira, numa esquadra de polícia, mas nem sabe bem onde está. As lágrimas atrapalham a vista, atrapalham tudo, mas Emanuel só tem uma preocupação: não pode regressar a casa. Quando fala, quando tenta explicar-se aos polícias, balbucia argumentos, às vezes nem se percebe bem o que está a dizer, mas ali ninguém se atreve sequer a pensar que está a mentir, a inventar uma história qualquer. Há uma sinceridade espantosa naquele rosto, naqueles olhos escuros, naquelas lágrimas que escorrem como se viessem do lugar mais profundo do seu corpo, a alma. Emanuel é apenas um rapaz. Na verdade, quase se pode dizer que é ainda uma criança apesar de ter já 13 anos. Mas, mesmo sendo tão novo, sabe como poucos o que vale a palavra honra, o que significa vergonha. Sabe isso tudo por antecipação. Se Emanuel traduzisse a sua vida naquele instante, bastar-lhe-ia uma palavra: derrota. Mas não há desonra alguma escrita no relatório da polícia que alguém está ainda a dactilografar. Emanuel não roubou, não matou, não destruiu. Apenas foi apanhado a vaguear perdido, faminto, completamente desorientado, à beira de uma estrada no Iémen. Tinha fugido de um pesadelo.

 

Conto do vigário

A quinta onde trabalhava, às vezes mais de 15 horas por dia, e onde não recebia qualquer salário, transformara-se num pesadelo. Apenas o último pesadelo na sua curta vida de 13 anos. Há meses, perante a certeza de um futuro miserável na Etiópia, Emanuel aceitou o desafio de se fazer à estrada à procura de um emprego que resgatasse a família da quase indigência em que vivia. Com a bênção dos pais, partiu em busca de um intermediário que o levaria até à fronteira com a Somália, para chegar ao Iémen ou à Arábia Saudita, onde teria emprego – garantiram-lhe – em grandes empresas de construção civil. Para conseguir isso, teve de pagar um preço elevado, quase 90 euros, que levou tudo o que a família de Emanuel possuía, até as poucas cabras que restavam. Quando chegou à cidade de Bossaso, na Somália, praticamente já não tinha dinheiro. E era necessário, ainda, apanhar um barco que o levaria ao Iémen. Era um barco de pescadores, com capacidade para aí umas 50 pessoas. Quando largaram amarras, mais de 250 homens, mulheres e crianças acotovelavam-se no seu interior. Emanuel não conseguia sequer esticar as pernas. Às vezes, até respirar se tornava complicado, pois sentia-se esmagado no meio daquela multidão.


Sem nada nem ninguém

Todos eles estavam nas mãos de traficantes de seres humanos e, para alguns, a viagem não chegaria ao Iémen. Para não terem aborrecimentos com as autoridades locais, a algumas milhas da costa, os traficantes, donos do barco, obrigaram os passageiros a saltar borda fora. Que chegassem a nado. Os que não sabiam nadar afogaram-se. Emanuel nunca mais esqueceu os gritos, as mãos esticadas a descerem lentamente dentro das águas, tantos foram os que se afogaram. Emanuel conseguiu chegar a terra. Desesperado, andou de terra em terra à procura do contacto prometido, da pessoa que o levaria até ao estaleiro onde teria trabalho bem pago que iria redimir a família da pobreza. Ninguém. Nada. De bolsos vazios, começou a chorar. Pela estrada, havia outros etíopes que caminhavam. Também eles vítimas de logro. Emanuel seguiu-os e foi assim que lhe abriram as portas da quinta onde trabalhou mais de 15 horas por dia, a troco de nada, até que se encheu de coragem e fugiu.

 

Ainda o sonho

Agora, quase um destroço humano, Emanuel chora num banco comprido de uma esquadra da polícia. Só quer que não o obriguem a regressar a casa. Como regressar? Os 90 euros, toda a fortuna da família, deram em nada. A família estava agora mais pobre do que nunca e ele sentia-se culpado. Regressar de mãos vazias é que não! Emanuel tem ainda esperança de encontrar trabalho em Dire Dawa ou Jjiga, na fronteira com a Somália. Ouviu dizer que isso talvez seja possível. E assim, conseguiria enviar algum dinheiro para a família e talvez tentasse de novo a sua sorte no Iémen.
Há crianças que são obrigadas a crescer depressa de mais. As lágrimas de Emanuel dizem isso. Uma das missões da Fundação AIS é apoiar os refugiados, vítimas dos cartéis de traficantes de seres humanos. Etiópia, Somália, Sudão do Sul… Infelizmente, há muitas pessoas com histórias tristes como Emanuel. Felizmente, há benfeitores que permitem que algumas destas histórias tenham final feliz. Já pensou nisso?

 

Saiba mais em www.fundacao-ais.pt

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