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Guilherme d'Oliveira Martins
O Concílio Vaticano II está vivo!
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Regresso ao último número da revista «Didaskalia» da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, dirigida pelo Padre José Tolentino Mendonça (2012, vol. XLII, fascículo II) sobre os cinquenta anos do início do Concílio Vaticano II. Uma das questões fundamentais nesta celebração é a de saber como faremos hoje um «autêntico e frutuoso acolhimento» desse acontecimento, que se mantém jovem apesar do tempo decorrido. José Eduardo Borges de Pinho fala-nos, assim, de uma «hermenêutica criativa como desafio a uma profunda renovação pastoral», a partir das decisões conciliares. Impõe-se uma «tomada de consciência da amplitude e profundidade de alguns desafios que se apresentam e da urgência em definir prioridades na busca de caminhos que interpelem a consciência dos crentes e ajudem a configurar de forma renovada a vida das comunidades cristãs». E o certo é que à «riqueza oferecida» ainda corresponde algo de não devidamente recebido. Urge, assim, dar resposta à consciência cultural dos nossos contemporâneos. Por exemplo, a realidade familiar hoje alterou-se significativamente, mesmo para os cristãos, o que obriga a encontrar novas respostas de acolhimento e de comunhão.

É indispensável procurar uma nova disponibilidade para «processos de aprendizagem, de criatividade e de reforma». Há medos que paralisam e inércias que desmoralizam, que devem ser considerados, de modo a abrir caminhos à «ação do Espírito» e aos sinais de Deus. A «pastoralidade» do Concílio não se confunde com relativização doutrinal, antes obriga à consideração do essencial da fé. «Isto exige dar prioridade absoluta e optar com todas as consequências por caminhos que conduzam a um laicado adulto, assente numa atitude crente pessoalmente assumida, disponível para e capaz de novas configurações da existência crente em termos de consciência pessoal, de liberdade responsável, de compromisso (individualmente assumido, mas comunitariamente suportado) ao serviço do mundo». E o certo é que o laicado adulto aponta para uma «colegialidade efetiva» e para a partilha de responsabilidades – dando consequência a uma renovação interior e a uma existência cristã coerente. Estamos, aliás, num domínio de reencontro com as raízes da Igreja, bem evidentes dos Atos dos Apóstolos. Neste sentido, Michel de Certeau, não se tendo pronunciado profusamente sobre o Concílio prefere pensar o acontecimento não como tal, mas a partir dele, como revolução do credível que o Concílio reconhece, interpreta e inaugura – procurando «encontrar Deus em todas as coisas». Daí José Manuel Pereira de Almeida fazer uma pergunta que é um autêntico desafio: será a Igreja hoje ainda «eticamente habitável»? A resposta tem muito que se lhe diga, porque depende de nós mesmos.

Afinal, a palavra Ética provém de dois étimos gregos êthos e éthos, que significam, respetivamente, lugar seguro e interioridade, de um lado, e hábito ou forma de agir, de outro. Estamos, deste modo, a falar de habitabilidade e de hospitalidade. E temos de lembrar que o Concílio provocou uma alteração de paradigma na teologia moral: apresentando a consciência como «instância última da responsabilidade moral da pessoa» (como salienta Vítor Coutinho). A liberdade responsável torna-se, assim, crucial, como recusa da indiferença e da mera relatividade. No fundo, ser crente cristão é «compreender a existência como ser a partir do outro e ser para o outro» (na expressão de João Manuel Duque), o que representa o apelo ao respeito, à dignidade e à difícil diferença. E o certo é que este tema constitui o cerne de uma identidade religiosa fecunda e aberta aos outros.

Com afirma Hervé Legrand: «não podemos contentar-nos propondo apenas valores cristãos». A verdade é que temos de ir além do testemunho do dia-a-dia, «devemos explicitar os efeitos da experiência pessoal do encontro de Jesus no Evangelho», confiando que o encontro das diferentes culturas nos revele a novidade permanente do mistério de Cristo. Assim, a História não nos dispensa de um esforço criador. Hans Urs von Balthasar interpela-nos – a um problema novo deve corresponder uma solução nova. A repetição dos gestos ou das atitudes é sempre insuficiente. Por isso, «para continuar fiel a si mesma e à sua missão, a Igreja tem de fazer continuamente um esforço de invenção criadora».