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Pe. Alexandre Palma
Alargar os espaços da racionalidade
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«Sabei alargar os espaços da racionalidade com uma fé amiga da inteligência, quer no âmbito de uma cultura popular, quer no contexto de uma busca mais elaborada e reflexiva» (Bento XVI, Dircurso aos membros da Acção Católica Italiana, 4/5/2008).

Um terapeuta da razão. Talvez tenha sido isto que Bento XVI quis ser. Vinha de longe a intuição de que a razão, fechando-se em si, tinha estreitado o seu espaço, porque tinha abaixado o seu horizonte. Vinha, pelo menos, desde os tempos de docência na Alemanha. Por isso, sem surpresa para quem conhecia o pensamento de Ratzinger, esta preocupação tomou assento na sede de Pedro. Ao longo destes anos, esta preocupação esteve sempre presente, ora no discurso ora no gesto. Diria mesmo que esta intuição acompanhou o Papa, fazendo caminho com ele em tantos lugares onde tomou a palavra: na Aula Magna da Universidade de Regensburg (2006), no Collège des Bernardins em Paris (2008), no Castelo de Praga (2009), no nosso CCB aqui em Lisboa (2010), em Londres no Westminster Hall (2010). Também no discurso, nunca proferido, preparado para a universidade romana La Sapienza (2008). Regressando a um habitat que também era o seu (entre académicos, pensadores e artistas), Bento XVI insistiu sempre nesse ponto: alarguemos os espaços da nossa racionalidade. Com o seu génio alemão, foi-o expondo de modo claro e frontal. Com o seu espírito cristão, foi-o propondo com a firmeza da humildade.

Pergunto-me se este eixo do seu pontificado não terá sido melhor acolhido fora da Igreja que no seu interior. Na verdade, são muitos os que, mesmo sem se reconhecerem cristãos, se revêm do diagnóstico de Bento XVI. Talvez porque na fronteira do mundo se sinta hoje de forma mais viva o empobrecimento que é uma razão fechada em si, uma razão que desconsidera existência de vários tipos de racionalidade.

Abrir à razão todo o seu espaço. Tal supõe, em primeiro lugar, prosseguir na senda aberta pelo Concílio Vaticano II, encetando o necessário diálogo com a cultura deste tempo. Trata-se de nos abrirmos todos de novo às «questões da verdade e do bem, unir entre si a teologia, a filosofia e as ciências, no pleno respeito pelos seus próprios métodos e pela sua autonomia recíproca, mas também na consciência da unidade intrínseca que as conserva unidas» (Verona 19/10/2006). Em segundo lugar, supõe afirmar a religião na nossa esfera pública. Sem complexos de inferioridade nem de superioridade. «O papel da religião no debate político não consiste tanto em oferecer normas, como se elas não pudessem ser conhecidas pelos não-crentes […] mas sobretudo em ajudar a purificar e lançar luz sobre a aplicação da razão na descoberta dos princípios morais objetivos» (Londres 17/9/2010). Significa, por fim, combater a fragmentação do saber humano, hoje acentuada pelas modernas formas de comunicação. «Há que ser reconquistada a ideia de uma formação integral, baseada sobre a unidade do conhecimento radicado na verdade» (Praga 27/9/2009).

Na hora em que Bento XVI se retira fica o seu magistério. E fica, claro está, o desafio de alargarmos os espaços da racionalidade. Na Igreja como no mundo. De sermos consequentes com uma razão que sabe que não é só por ela se encontra a verdade. Mas também de cultivarmos uma fé «amiga da inteligência».