26.05.2013
Artigos |
Hermínio Rico, sj
Formação da opinião pública política
A democracia precisa de uma opinião pública formada e bem informada, motivada para, e capaz de, formar juízos próprios esclarecidos sobre todos os âmbitos da vida social. Só sobre esta base de conhecimento se poderão colher as vantagens do pluralismo, sustentando um verdadeiro debate público criativo e encontrando consensos que preservem uma estabilidade subjacente às saudáveis alternâncias eleitorais. Esta é uma das funções essenciais dos meios de comunicação social: informar sobre factos, o dito e o feito, mas também promover a reflexão interpretativa sobre o que está a acontecer, identificando as vantagens, os riscos e os custos de cada posição, revelando o alcance pleno e as consequências mais relevantes do que se ouve e se vê.
Isto necessita-se particularmente em tudo o que concerne a vida política. Para uma compreensão perspicaz do jogo partidário de captação de eleitorado, é indispensável o contributo de uma visão mais distanciada e crítica, mas sabedora, que ajude a desmascarar a parte de manipulação que sempre está presente no legítimo esforço de persuadir. Só assim se evita que o debate político se torne um mero cansativo exercício de propaganda em que a demagogia e o populismo compensem. É isto que distingue a informação política dos comícios ou tempos de antena.
Percebe-se assim a importância da função dos comentadores especializados em analisar a vida política. Mas é aqui que nos encontramos com uma surpreendente originalidade portuguesa. Se um dos atributos do analista político tem que ser a sua independência, o não ser parte interessada directa nos processos eleitorais, o que encontramos nos principais órgãos de comunicação social do país é a ênfase dada a «analistas» que são simultaneamente políticos no activo. Temos, então, políticos a analisarem-se a si mesmos, numa promiscuidade que cria a confusão entre política e opinião, não se podendo saber onde começa esta e acaba aquela, ou quando uma aparece disfarçada da outra. E nem sequer as declarações de interesse – que não as há – salvariam a suspeita.
Mas mais espantoso ainda é a popularidade de tais exercícios. Parece que não se estranha esta confusão e até se aprecia. Em vez de desafios críticos e reflexão exigente, propostos por alguém distanciado que pode pôr em causa ideias feitas ou juízos preconceituosos, prefere-se o repetitivo reforço das opiniões parciais próprias feito pelo «analista» com quem sempre se concorda. E tudo apimentado pela ocasional revelação de informação privilegiada, não haurida pelo trabalho jornalístico de conseguir o «furo» sobre o que aconteceu, mas pela indiscrição de quem é parte nesse mesmo acontecer. Não admira que todo o debate político em Portugal sofra de um grande imobilismo de posições, definidas rigidamente apenas por oposição, sublinhando sempre mais a incompatibilidade e valorizando pouco a abertura à busca de consensos de fundo e de longo prazo.
Porque é que os jornalistas se se secundarizam tanto face aos políticos, numa função que devia ser sua? São vítimas da ditadura das audiências, subserviente às popularidades mediáticas? Precisamos de mais jornalismo de análise política independente. Os políticos devem ser questionados e confrontados pelos jornalistas, não substituir-se a estes em exercícios de análise supostamente independente. Mas quando são os próprios jornais que, invertendo a lógica do comentário depois do facto, fazem manchete política do comentário do dia anterior, transformando-o em facto político, reconhecendo que, afinal, a análise é parte do jogo político…