02.06.2013
Mundo |
RDC: A história de Jean-Pierre Kilosho
Uma lição de santidade
Uma criança, com menos de três anos de idade, foi vítima de uma bala traiçoeira quando estava escondida em casa, com a família, procurando escapar aos combates entre o exército e forças rebeldes. Jean-Pierre seria apenas mais uma vítima do caos que se vive no Leste da República Democrática do Congo, se não tivesse previsto a sua própria morte e não a encarasse com total serenidade.
Leste da República Democrática do Congo. 20 de Novembro de 2012. São três horas da tarde. Em frente da Capela da Beata Isabel da Trindade, o pequeno Jean-Pierre Kilosho, de apenas dois anos e oito meses, acaba de fechar os olhos. Serenamente. Toda a família está ali à sua volta. Há um silêncio profundo. Lágrimas escorrem nos rostos, mas ninguém se atreve a dizer palavra. Só o choro se faz ouvir. Jean- Pierre Kilosho acabou de morrer vítima de uma bala que foi disparada ao acaso, numa rajada de metralhadora num dos muitos confrontos entre as tropas do Exército e os homens do movimento rebelde M23.
Tragédia imensa
Não há ideologia nestes combates, apenas ganância, cobiça, roubo. No Leste da República Democrática do Congo o solo esconde uma riqueza imensa que é saqueada por grupos armados, que fazem desse tráfico a razão de ser da sua existência. Um tráfico que é alimentado também pelos países da região dos Grandes Lagos, como o Ruanda, o Uganda e o Burundi. Este conflito esconde uma tragédia que o mundo parece querer ignorar. Nas últimas décadas, calcula-se que mais de 5 milhões de pessoas foram mortas na região, mas nem a dimensão dantesca deste número parece incomodar as consciências da comunidade internacional. Entre os minérios que se escondem no solo da República Democrática do Congo, além do ouro, do estanho e do tungsténio, está o coltan, absolutamente necessário para a indústria espacial, mas que também é essencial para a produção de telemóveis, tablets, computadores. Oitenta por cento das reservas mundiais estão neste país. A guerra não é ideológica, mas sim de conveniência. É roubo disfarçado.
Uma morte anunciada
Nesse dia 20 de Novembro do ano passado, a cidade de Goma assistiu, assustada, à ensurdecedora troca de tiros entre soldados e rebeldes. Os combates e os ataques são vulgares na região, mas ninguém se habitua à sombra da morte, ninguém. Nesse dia, quando o cheiro a pólvora chegou à cidade, as ruas ficaram praticamente desertas, com todas as pessoas refugiadas em casa, à espera do fim da tempestade. Os pais de Jean- Pierre só recordam o som do silvo de uma bala que entrou casa dentro, que projectou o menino ao chão, e o fio de sangue que começou a jorrar da sua cabeça. Nesse instante em que correram para ele, para o ampararem, recordaram de imediato as suas palavras, horas antes quando disse, como se fosse uma profecia, que uma bala entraria em casa e que todos deveriam manter a calma. Aconteceu.
“Faça-se a Tua vontade”
Os combates que prosseguiam e não permitiram que elementos da Cruz Vermelha acudissem ao menino. Jean- Pierre não chorou. Pediu aos pais que o abençoassem, um de cada vez: “Papá, abençoa-me; mamã, abençoa-me”. Depois, rezou em silêncio, fez o sinal da cruz, rezou o Pai Nosso e disse: “Faça-se a Tua vontade!”. Voltou a pedir a bênção aos pais, pediu-lhes desculpa e morreu algum tempo depois. Lá fora continuavam os disparos, mas já ninguém ouvia as bombas. O funeral do menino reuniu toda a comunidade. Todos se juntaram num gesto de repulsa pela violência que tinha ceifado aquela vida tão inocente.
Semente de paz
A bala que matou Jean- Pierre acabou por ser semente de paz. O funeral do menino foi uma impressionante manifestação de dor e de solidariedade. Há duas semanas, D. François-Xavier Rusengo, Arcebispo de Bukavu, visitou Portugal a convite da Fundação AIS. Ele veio ao nosso país denunciar a tragédia silenciosa que está a matar este país tão rico, mas cuja população vive numa miséria inacreditável. O bispo veio ao nosso país denunciar este saque e, ao mesmo tempo, afirmar uma contagiante certeza de fé. Em Goma, todos já sabem quem foi o menino Jean- Pierre Kilosho e conhecem a sua história, sabem como a bala o matou e sabem da serenidade com que enfrentou os últimos instantes entre nós. Em Goma, todos sabem como ele, profeticamente, falou do que lhe ia acontecer e das suas últimas orações. Hoje, em Goma, o menino Jean-Pierre é já considerado santo. Afinal, aquela bala não matou ninguém. Jean-Pierre está vivo no coração de todos e basta falar dele para derrubar os argumentos dos que usam como retórica o poder das armas.
Saiba mais em www.fundacao-ais.pt
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