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Pedro Vaz Patto
O direito a um pai e a uma mãe
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Foi aprovado na generalidade um projeto de lei que permite a coadoção por pares homossexuais, ou seja, a adoção por uma pessoa casada com outra do mesmo sexo (ou a ela unida de facto) quando em relação a esta já esteja estabelecida a filiação, natural ou adotiva. O que significará que por esta via se poderá tornear facilmente a atual proibição da adoção conjunta por pares do mesmo sexo, deixando-se «entrar pela janela aquilo a que se fechou a porta»: basta que uma das pessoas adote singularmente, ou que uma mulher recorra à procriação artificial num país que não a proíba (os casos mais frequentes na prática), e depois o seu cônjuge, companheira ou companheiro, solicite a coadoção. Dizem os apoiantes do projeto que se trata apenas de proteger situações já existentes. Mas função de uma qualquer lei não é reconhecer factos consumados ou regular situações já existentes, ela vigora para o futuro e abre (ou não) as portas a novas situações. Aqui, trata-se da possibilidade de alcançar, pela via indicada, alguns dos resultados a que chegaria através da legalização da adoção conjunta. É bom ter presente este facto para não cair na ilusão de que o projeto aprovado difere substancialmente dos que foram rejeitados e que admitiam a adoção conjunta por pares do mesmo sexo. Trata-se de uma opção estratégica de alcançar o mesmo resultado de forma gradual e menos ostensiva.

Corresponde a uma intuição do bem senso, e sempre tal foi afirmado pelos manuais de psicologia do desenvolvimento infantil, que o bem da criança e o seu crescimento harmonioso reclamam a presença de uma figura materna e de uma figura paterna, sendo de todo lamentável a ausência de qualquer delas. Nenhum pai substitui uma mãe, tal como nenhuma mãe substitui um pai. Como afirma o filósofo e teólogo Xavier Lacroix, todos crescemos num duplo jogo de identificação e diferenciação, todos recebemos o amor segundo estas duas cores e estas duas vozes, masculina e feminina, pois nenhuma delas esgota a riqueza do humano. Assumir legalmente a filiação por duas pessoas do mesmo sexo é, de acordo com a filósofa Sylviane Agacinsky, negar violentamente a incompletude e finitude de cada um do sexos em relação ao outro, é simbolizar, aos olhos dos visados e de toda a sociedade, a negação da limitação de cada um dos sexos e, consequentemente, a negação da riqueza da dualidade sexual.

Não é por acaso que a filiação envolve dois progenitores, não só um, mas também não três ou quatro: porque cada um deles, na sua unicidade, é portador de uma especificidade (a que é própria do seu sexo) que completa e enriquece a do outro.

O pedopsiquiatra Christian Flavigny, por seu turno, salienta (em Je veux papa et maman – «père- et- mère» congédiés par la loi; Salvator, 2013) como a identidade da criança se constrói a partir da noção de que foi gerada pela união entre o pai e a mãe. Isso é possível quando ela é adotada por um homem e uma mulher, que sempre poderiam ser seus pais biológicos, mas nunca quando é adotada por duas pessoas do mesmo sexo (ou coadotada por uma delas), que nunca poderiam ser seus pais biológicos, como ela sabe. Neste caso, a adoção serve de ficção legal falsificadora e geradora de uma confusão prejudicial à construção dessa identidade. Convenhamos que será difícil explicar a essa criança (numa nova versão da “história da cegonha”) como é que na sua origem pode estar uma relação entre pessoas do mesmo sexo…

É por estas razões que sempre o regime da adoção foi concebido no sentido de a aproximar da filiação natural, para que a criança adotada se sinta o mais possível semelhante à que é criada pelos pais biológicos. E também para que a criança adotada não se sinta diferente das que o não são, muitos pais adotantes procuram ocultar de outras crianças o facto de ela ser adotada, o que nunca será possível quando é adotada por um par do mesmo sexo.

 Ao contrário do que muitas vezes se diz, não há “consenso científico” a respeito da ausência de malefícios da educação de crianças por pares do mesmo sexo. O estudo mais extenso até hoje realizado, do professor da Universidade do Texas Mark Regnerous, publicado na revista Social Science Research, demonstra o contrário.

Também foi aprovada recentemente em França a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, associada à possibilidade de adoção. Mas o que a todos surpreendeu e ultrapassou todas as expectativas, foi a mobilização popular de oposição a esse projeto, que continua e não dá sinais de cessar. Realizaram-se, por várias vezes, manifestações das mais numerosas dos últimos anos. Juntaram-se pessoas de sensibilidades muito diferentes: católicos, mas também fieis de outras denominações religiosas e intelectuais laicos e de esquerda. Essa mobilização provocou, de acordo com as sondagens, a inversão da opinião geral a respeito do projeto: de uma aceitação claramente maioritária a uma oposição.

Um sinal de que não estamos perante “conquistas irreversíveis” contra as quais nada pode fazer-se.