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‘Lumen Fidei’, a primeira Carta Encíclica do Papa Francisco
A fé não é um refúgio para gente sem coragem
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“Recuperar o carácter de luz que é próprio da fé”, capaz de iluminar toda a existência do homem, e revigorar a perceção da amplitude dos horizontes que a fé abre para confessá-la em unidade e integridade são algumas das motivações que levaram à nova Carta Encíclica ‘Lumen Fidei’ (‘A Luz da Fé’), a primeira assinada pelo Papa Francisco.

 

Segundo explica o próprio Pontífice, as considerações sobre a fé que apresenta neste documento “pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Ele já tinha quase concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé”, escreve o Papa Francisco, na introdução desta nova obra com cerca de 80 páginas. “Estou-lhe profundamente agradecido e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, limitando-me a acrescentar ao texto qualquer nova contribuição”, observa o Papa argentino.

Dividida em quatro capítulos, mais uma introdução e uma conclusão, esta nova Carta Encíclica vem reforçar que a fé não é um pressuposto mas um dom de Deus que precisa de ser alimentado e reforçado. “Quem acredita, vê; vê com uma luz que ilumina todo o percurso da estrada, porque nos vem de Cristo ressuscitado, estrela da manhã que não tem ocaso”, refere.

 

Escuta

No primeiro Capítulo desta Encíclica, que encerra as virtudes teologais (fé, caridade e esperança), o Papa Francisco referindo-se à figura bíblica de Abraão explica a fé como “escuta” da Palavra de Deus, “chamada” a sair do próprio eu isolado para abrir-se a uma vida nova e promessa de futuro. “A fé assume um carácter pessoal”, salienta o Papa Francisco, acentuando que a fé “é a resposta a uma palavra que interpela pessoalmente”. Apresentando o exemplo da história de Israel onde no lado oposto à fé está “a idolatria”, esta nova Carta Encíclica sublinha que a fé é o “confiar-se ao amor misericordioso de Deus, que sempre acolhe e perdoa”. “É um dom gratuito de Deus que pede humildade e a coragem de confiar e confiar-se a Ele para ver o luminoso caminho do encontro entre Deus e os homens, a história da salvação”.

Apoiando-se sobre a figura de Jesus, a Carta Encíclica ‘Lumen Fidei’, aponta que a fé não só olha para Jesus, mas olha também do ponto de vista de Jesus, com os seus olhos. E usando uma analogia, o Papa explica que como na vida quotidiana nos confiamos “a pessoas que conhecem as coisas melhor do que nós”, para a fé precisamos de alguém que seja de confiança e especialista nas coisas de Deus. E Jesus “é aquele que nos explica Deus”, observa. Por isto, “acreditamos em Jesus quando aceitamos a sua Palavra e acreditamos em Jesus quando O acolhemos na nossa vida, e nos confiamos a Ele”.

 

Fé e verdade

No segundo Capítulo desta nova Encíclica, o Papa Francisco demonstra a relação estreita que existe entre fé e verdade, a verdade de Deus, a sua presença fiel na história. “A fé sem verdade não salva, não torna seguros os nossos passos”, refere o Papa. “Seria uma linda fábula, a projeção dos nossos desejos de felicidade, algo que nos satisfaz só na medida em que nos quisermos iludir”.

Apontando “a crise de verdade em que vivemos”, o Papa observa que a cultura contemporânea tende a aceitar só a verdade da tecnologia, aquilo que o homem consegue construir e medir com a ciência e que é verdade “porque funciona”. “A busca da verdade é uma questão de memória, de memória profunda, porque visa algo que nos precede e, desta forma, pode conseguir unir-nos para além do nosso “eu” pequeno e limitado”. Afirmando que a “a fé transforma a pessoa inteira, precisamente na medida em que ela se abre amor”, a Encíclica ‘A Luz da Fé’ acentua que a fé está ligada à verdade e ao amor e, por isso, “o amor e a verdade não se podem separar”. Neste sentido, refere que se a verdade é aquela do amor de Deus, então não se impõe com a violência, não esmaga o individuo. Por isso, a fé não é intransigente e o crente não é arrogante. Pelo contrário, a verdade torna humilde e leva à convivência e ao respeito pelo outro. “Quem se coloca a caminho para praticar o bem – sublinha o Papa –, aproxima-se de Deus”. Ainda neste segundo Capítulo a ‘Lumen Fidei’ fala da teologia e afirma que essa é impossível sem a fé, porque Deus não é um simples “objeto, mas é “Sujeito que se dá a conhecer e manifesta na relação pessoa a pessoa”. Por isso, a teologia é participação no conhecimento que Deus tem de si próprio.

 

Evangelização

O terceiro Capítulo concentra-se sobre a importância da evangelização. “Quem se abriu ao amor de Deus, acolheu a sua voz e recebeu a sua luz, não pode guardar este dom para si mesmo”, refere o Papa, sublinhando que a luz de Jesus brilha no rosto do cristãos e assim se difunde e se transmite pela forma do contacto, como uma chama que se acende através de outra, e passa de geração em geração, através da cadeia ininterrupta das testemunhas da fé. “A luz de Jesus brilha no rosto dos cristãos como num espelho, e assim se difunde chegando até nós, para que também nós possamos participar desta visão e refletir para outros a sua luz”.

Segundo o Papa Francisco, torna-se “impossível acreditar sozinhos” porque a fé não é “uma opção individual”, mas abre o “eu” ao “nós” e acontece sempre “no interior da comunhão da Igreja”. Por isso, assinala: “Quem acredita nunca está só”.

No entanto, considera que existe um meio especial pelo qual a fé se pode transmitir. São os sacramentos, onde se transmite “uma memória incarnada”. Citando o Sacramento do Batismo como aquele que nos recorda que a fé não é obra de um individuo isolado, um ato que se pode cumprir sozinhos, o Papa Francisco lembra que o Batismo deve ser recebido em comunhão eclesial. “Ninguém se batiza a si próprio”, sustenta o Papa salientando, ainda, que a criança batizada não pode confessar a fé sozinha, mas deve ser sustentada pelos pais e padrinhos.

 

Fé e bem-comum

O quarto Capítulo explica a ligação que existe entre a fé e o bem-comum que leva à formação de um lugar onde “os homens possam habitar uns com os outros”. “A fé revela quão firmes podem ser os vínculos entre os homens, quando Deus se torna presente no meio deles”. “A fé não afasta do mundo, nem é alheia ao esforço concreto dos nossos contemporâneos”, afirma o Papa, acentuando que a “fé é um bem para todos, um bem-comum”.

 

Recordando que a família, fundada sobre o matrimónio, entendido como “união estável entre homem e mulher”, o Papa Francisco sublinha que essa união nasce do “reconhecimento e da aceitação do bem que é a diferença sexual, em virtude da qual os cônjuges se podem unir numa só carne e são capazes de gerar uma nova vida”.

Dirigindo-se aos jovens, e aludindo à Jornada Mundial da Juventude, na qual os jovens mostram “a alegria da fé” e o seu empenho em vivê-la de forma generosa, o Papa observou que os jovens “têm o desejo de uma vida grande”. “O encontro com Cristo, o deixar-se conquistar e guiar pelo seu amor alarga o horizonte da existência, dá-lhe uma esperança firme que não desilude. A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir um grande chamamento – a vocação ao amor – e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade”.

 

Sofrimento

Outro âmbito da vida iluminado pela fé é aquele do sofrimento e da morte. “O cristão sabe que o sofrimento não pode ser eliminado, mas pode adquirir um sentido: pode tornar-se ato de amor, entrega nas mãos de Deus que não nos abandona e, deste modo, ser uma etapa de crescimento na fé e no amor”. Apontando que ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo mas oferece a sua presença que acompanha, o Papa deixa um apelo: “Não deixemos que nos roubem a esperança, nem permitamos que esta seja anulada por soluções e propostas imediatas que nos bloqueiam no caminho”.

Em conclusão, o Papa Francisco na Carta Encíclica ‘Lumen Fidei’ convida a olhar para Maria, “ícone perfeito” da fé, dirigindo a sua oração para que a Mãe de Jesus “ajude a fé do homem”, “nos recorde que quem acredita nunca está só” e “ensine a ver com os olhos de Jesus”.

texto por Nuno Rosário Fernandes
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