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P. Duarte da Cunha
Fé e caridade sempre juntas
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A fé cristã é uma resposta à iniciativa de Deus que vem ao encontro do homem para o salvar. Acolher esta iniciativa de Deus corresponde às expectativas do coração humano, mas não é o resultado de uma empresa humana. O primeiro passo é Deus quem o dá.

Acolhendo o dom de Deus, o homem transforma-se. Nasce uma comunhão com Deus, e, em Deus, com todos os que O acolhem e, mais ainda, nasce uma relação com todos os que Ele ama, ou seja, com toda a gente! Surge então neste mundo uma nova realidade social. Um conjunto de pessoas que vive da graça, ou seja, participa da vida de Deus e, nesse sentido, não é já uma simples realidade deste mundo. Ainda que possa parecer igual a um qualquer grupo de pessoas humanas que se junta por terem interesses comuns, a Igreja é uma realidade diferente, não simplesmente humana. É por isso que a sua ação comunica algo que é maior do que a soma dos esforços e das posses humanas que estão empenhadas. O próprio Deus comunica-Se e é isso que faz da ação da Igreja uma ação especial.

Costumamos distinguir entre ação litúrgica da Igreja pela qual louvamos a Deus, ação catequética ou de ensinamento com que a Igreja testemunha a Palavra de Deus e ação caritativa pela qual os cristãos vão ao encontro dos outros, dos que precisam de uma qualquer ajuda. Com o encontro promovido pelo Conselho das Conferências Episcopais da Europa juntamente com o Conselho Pontifício Cor Unum, que reuniu em Trieste bispos e responsáveis nacionais das obras de caridade da Igreja de mais de vinte países, ficou claro, no entanto que, estas ações não se podem separar. Como diz o documento do Papa Bento XVI chamado Motu próprio “Intima Ecclesiae natura” e publicado há um ano no dia de São Martinho com o qual se tenta confirmar a identidade e a fecundidade das obras de caridade da Igreja: “A natureza íntima da igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos Sacramentos (liturgia), serviço da caridade (diakonia). São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros (Carta enc. Deus caritas est, 25).” A fé comunica-se, por isso, como amor, como dom de si aos outros e como comunhão que nasce deste dom quando ele é acolhido. Como dizia o Papa Francisco recentemente, “está para se concluir o Ano da Fé, providencial tempo de graça, durante o qual a Igreja renovou a sua fé em Jesus Cristo e reavivou a alegria de caminhar nos seus caminhos. E uma fé vivida a sério suscita comportamentos de autêntica caridade” (31 de Outubro 2013).

O mundo de hoje percebe a importância da solidariedade para com os mais pobres, percebe mesmo a necessidade de a Igreja continuar a ter obras para aliviar o sofrimento de tanta gente. O mundo em geral faz, de facto, uma avaliação positiva da Igreja pelas obras de caridade. Mas será que consegue ver o que há de diferente entre as oras da Igreja e as de organizações simplesmente filantrópicas? Não me refiro só ao facto de a Igreja conseguir fazer muito mais com orçamentos muito mais baixos, ou de conseguir fazer com mais dedicação, mas ao facto de os cristãos sentirem que é neste dar-se que se realizam e que comunicam Deus. Se a Igreja se limitasse a ser como todos os outros deixaria de fazer sentido, segundo as palavras do Papa Francisco, ficaria reduzida a uma qualquer ONG.

Aliás, aquele que precisa de ajuda precisa de ser tratado como Deus o quer tratar. O Bom Samaritano está atento a tudo. Há, por isso, algo que passa não pelo que se dá mas pelo modo como se dá e portanto pelo testemunho que se comunica. O que mais nos espanta quando vemos um santo é a alegria e o empenho verdadeiro pelo bem do outro. Deste modo, na caridade (diakonia) eles mostram quem é Deus (martyria), mas também louvam o Senhor e fazem das suas vidas hinos de glória a Deus (liturgia). Esta experiência viva de que se é amado por Deus e enviado aos outros faz do dar-se de um cristão um receber cem vezes mais, confirmando a promessa de Jesus no Evangelho.

A crise atual, como tantos já começam a concordar, não ficará resolvida apenas a partir de hipotéticas melhorias económicas – estas serão mais consequência que metas – mas se o homem conseguir despertar tudo o que há de bom nele, a começar por esta desejo de encontrar Deus e de amar. A Igreja vai ao encontro dos pobres, dos que precisam de ajuda, mas não trata a pessoa que precisa de ajuda como uma máquina avariada que precisa de ser reparada. Trata a pessoa como pessoa única, especial, e por isso amada com todas as exigências espirituais e materiais que ela, por ter sido criada à imagem e semelhança de Deus, merece. Seja ela pobre, doente, imigrante, idosa ou até se ainda não nasceu, quando alguém existe é logo amada por Deus e a Igreja tem a urgente missão de a ajudar. Desde a concepção que a misericórdia de Deus e a caridade que Ele infunde nos corações dos seus fiéis estão empenhadas em ajudar. Este é o louvor que fala mais eloquentemente de Deus. 

Talvez seja preciso, como se viu no encontro em Trieste, continuar sempre a recordar esta identidade cristã das obras da Igreja. Deus assim nos pede, o mundo é disto que mais precisa, e a Igreja é assim que se revitaliza.