Mundo |
República Centro-Africana: Igreja acolhe milhares de pessoas em fuga
As panquecas do Irmão Mathieu
<<
1/
>>
Imagem
Antes da chegada das tropas francesas à República Centro-Africana, viveram-se dias trágicos, com combates nas ruas entre gangues armados. O balanço é tremendo: centenas de mortos, milhares de pessoas em fuga, igrejas e mosteiros transformados em centros de acolhimento. É o caso do convento carmelita de Bangui, que é agora dormitório para mais de 2 mil pessoas.

 

O Irmão Mathieu nunca imaginara que o seu talento para a culinária fosse tão aplaudido como naquela manhã. Quem chegasse ao convento carmelita de Bangui, a capital da República Centro-Africana, ficaria perplexo. Numa fila, cerca de 800 crianças aguardam que lhes dêem a mais saborosa panqueca das suas vidas. Lá dentro, na cozinha, o Irmão Mathieu está numa azáfama improvável. Há pouco, Yousuf, um amigo muçulmano dos carmelitas, dono de um pequeno aviário, ofereceu 2 mil ovos. Foi providencial. Aqueles ovos, mais o saco de arroz, outro de açúcar e um barril de azeite, permitiram que os carmelitas alimentassem aquelas crianças, assim como os adultos que se abrigaram no convento.

 

Populações em fuga

Como ali, no Carmelo de Bangui, o cenário repetiu-se um pouco por todo o país. Milhares de pessoas fugiram de suas casas e correram para dentro das igrejas em busca de abrigo. Nas ruas, em absoluta impunidade, bandos armados semearam o terror, numa espiral de violência que começou em Março, quando um grupo rebelde islamita, os Seleka, fizeram um golpe de Estado e depuseram o presidente. Desde então, o caos tomou conta do país. Os Cristãos tornaram-se um dos seus alvos principais. Há relatos de uma violência impressionante, com pessoas mutiladas, torturadas, mortas a sangue-frio. As aldeias foram abandonadas, as casas saqueadas, muitas vezes reduzidas a cinzas. Famílias escondidas no mato ou abrigadas em Igrejas.

 

Dias de medo

Só em Bossangoa, no norte do país, a Caritas teme pela segurança de cerca de 40 mil pessoas acampadas nas redondezas da missão católica e de outras 1.600 refugiadas numa escola. Ninguém se atreve a sair para as ruas, onde se escutam apenas, de vez em quando, rajadas de metralhadoras. Nas ruas jazem corpos, mas ninguém se atreve a ir buscá-los.

Desde o final da semana passada, a França, com o aval das Nações Unidas, enviou um contingente militar para o país. Quando os primeiros helicópteros apareceram nos céus junto ao aeroporto de Bangui, foram entusiasticamente aplaudidos por mais de 2 mil pessoas que ali montaram acampamento, também em fuga das suas casas, trazendo consigo, estampada nos olhos, a memória de dias de medo.

 

Um convento em azáfama

Voltemos ao Irmão Mathieu. Ele continua com as mãos enfarinhadas a dar corpo às panquecas. Cá fora, o Padre Federico Trinchero, de 35 anos, tenta manter alguma ordem na fila das crianças. Primeiro, obrigou-as a lavar as mãos, agora tenta que todas aguardem que as panquecas comecem a ser distribuídas. O cheiro que vem da cozinha alimenta a impaciência. Desde que aquelas 2 mil pessoas pediram abrigo aos carmelitas que a vida no convento mudou totalmente. A Igreja agora é um dormitório. Oiçamos o Padre Trinchero: “A vida aqui no convento está muito diferente do habitual. Celebramos a Missa da manhã lá fora para não acordarmos as 350 crianças que dormem na capela. Duas até dormiram debaixo do altar. Passamos o dia para cá e para lá numa azáfama. Temos de tomar conta deles todos. Eram umas 5 da manhã quando encontrei o Irmão Léonce, que veio do Ruanda, a varrer o corredor. O Irmão Cedric é médico e cuida dos doentes. O Irmão Mathieu está na cozinha, outros ajudam a distribuir alimentos, a trazer água, a lidar com a higiene dos refugiados, a registá-los. A cuidar de tudo.”

 

Histórias com final feliz

Às vezes, há também histórias felizes. De novo, o Padre Trinchero. “Nós acolhemos aqui um homem com um filho bebé. Não sabia da mulher. Mas ela também estava aqui. À noite encontrou-a.”

O silêncio do convento dos carmelitas converteu-se numa algazarra imensa. Mas isso pouco importa. Aqueles refugiados encontraram ali um lar provisório e assim será até que a calma regresse às ruas. Ninguém sabe ainda quando isso acontecerá, mas o Padre Trinchero garante que as portas estarão sempre abertas para todos os que precisarem de abrigo e sabe que pode contar com a ajuda da Fundação AIS.

Às vezes, lá fora, ouvem-se tiros, rajadas de metralhadora, carros que passam em alta velocidade. Ali dentro, no convento, quase num impulso, há quem se atire para o chão, quem tape os ouvidos com as mãos. Há crianças que começam logo a chorar.

 

www.fundacao-ais.pt | 217 544 000

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Impressiona como foi festejada a aprovação, por larga e transversal maioria de deputados e senadores,...
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES