‘Evangelii Gaudium’ |
‘Evangelii gaudium’ (nº 59 a 67) – Capítulo II
Não à desigualdade social que gera violência
<<
1/
>>
Imagem

Continuando a leitura deste segundo capítulo da Exortação Apostólica ‘A Alegria do Evangelho’, verificamos o modo como o Papa Francisco se pronuncia sobre questões muito prementes e relacionadas, sobretudo, com a forma como a sociedade se relaciona com os mais frágeis e marginalizados e com a própria violência que, muitas vezes, é gerada nestes contextos.

Neste sentido, considera o Papa que “enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência”. E justifica: “Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão”. Esta afirmação do Papa Francisco foi entendida, em algumas interpretações que vieram a lume, como um incitar à violência mas, o Pontífice com esta denúncia apenas pretende sublinhar que estes problemas surgem porque “o sistema social e económico é injusto na sua raiz”. E salienta ainda que “assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça”.

Segundo o Papa Francisco, na origem destes problemas está, também, a economia atual que “promove uma exacerbação do consumo”, facto que, aliado à desigualdade social, “é duplamente daninho para o tecido social”. Nesse sentido, a violência que poderá advir dessas situações de desigualdade social gera a procura de armas, que por sua vez leva a outros conflitos, por vezes justificados pela necessidade de segurança, mas que na realidade “mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos”.

 

Desafios culturais

Diante destas situações, colocam-se desafios culturais sobre os quais o Papa Francisco reflete nesta Exortação.

Em primeiro lugar, destacando, por um lado, os ataques à liberdade religiosa e outras “novas situações de perseguição aos cristãos”, e por outro uma “generalizada indiferença relativista, relacionada com a desilusão e a crise das ideologias”, o Papa Francisco alerta para o facto de que “numa cultura onde cada um pretende ser portador duma verdade subjetiva própria, torna-se difícil que os cidadãos queiram inserir-se num projeto comum que vai além dos benefícios e desejos pessoais”.

Na cultura em que vivemos prevalece o que “é exterior, imediato, visível, rápido, superficial, provisório” e “o real cede lugar à aparência”. Em consequência desta cultura e da própria globalização vão surgindo novas formas de comportamento, que resultam também da orientação dos mass media e, aponta o Papa argentino citando João Paulo II, “‘os aspetos negativos dos mass media e espetáculos estão a ameaçar os valores tradicionais’”.

 

Movimentos religiosos

Outro desafio prende-se com a proliferação de novos movimentos religiosos, “alguns tendentes ao fundamentalismo e outros que parecem propor uma espiritualidade sem Deus”. Estes desafiam a fé católica de muitos povos e são, por um lado, “o resultado de uma reação humana contra a sociedade materialista, consumista e individualista” e por outro “um aproveitamento das carências da população que vive nas zonas mais pobres”. Neste âmbito, o Papa Francisco manifesta a sua preocupação com o sentido de pertença à Igreja, que uma parte do povo batizado “não sente”, e a forma como se faz o acolhimento “em algumas das nossas paróquias e comunidades”.

 

Secularização

De um outro lado está, também, o desafio que se coloca pelo processo de secularização que “tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo”. Além disso, salienta o Papa Francisco, “com a negação de toda a transcendência, produziu-se uma crescente deformação ética, um enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social e um aumento progressivo do relativismo”. Este facto, diz Francisco, leva a que a Igreja seja sentida como se “interferisse com a liberdade particular”. E perante a “saturação de dados” que a sociedade da informação, de hoje, nos dá, é necessário “uma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento dos valores”, alerta. Porém, apesar de toda a corrente secularista a que se refere o Papa Francisco, em muitos países “a Igreja Católica é uma instituição credível perante a opinião pública”, pela missão que realiza. No entanto, observa o Papa, quando se levantam outras questões que suscitam menor acolhimento público “custa-nos a demonstrar que o fazemos por fidelidade às mesmas convicções sobre a dignidade da pessoa humana e do bem comum”.

 

Família

O tema da família também é apresentado nesta Exortação como neste rol de desafios que se colocam à Igreja. Observando que a família “atravessa uma crise cultural profunda”, o Papa Francisco caracteriza-a como a “célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos”. Ainda nesta dimensão, Francisco sublinha que o matrimónio “tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um”. No entanto, recorda, “a contribuição indispensável do matrimónio à sociedade supera o nível da afectividade e o das necessidades ocasionais do casal”.

Como último desafio cultural, Francisco destaca “o individualismo “pós-moderno e globalizado”, considerando que este “favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares”. “Enquanto no mundo, especialmente em alguns países, se reacendem várias formas de guerras e conflitos, nós cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos ‘a carregar as cargas uns dos outros’”, refere o Papa Francisco.

texto por Nuno Rosário Fernandes
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Impressiona como foi festejada a aprovação, por larga e transversal maioria de deputados e senadores,...
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES