Se há erro de que tenho medo na educação dos meus filhos é ter medo de cometer erros. Porque são demasiado novos, porque não se pode gritar, porque se deve impor limites, porque se deve dar liberdade, porque se deve dizer não, porque se deve ser positivo, porque uma palmada não é o fim do mundo, porque a agressividade passa, como todos os comportamentos. Porque os devemos proteger, porque eles devem aprender a viver em condições normais e não ideais: aprender a gerir riscos é a melhor forma de estar em segurança.
É inevitável cometerem-se erros mas acredito que algumas coisas são importantes: saberem-se muito amados e que o coração tem uma dinâmica muito própria – quanto mais cheio, mais capacidade tem; respeitarmos os nossos filhos e a sua identidade, exigindo igual respeito por nós e pela nossa identidade; manter sempre espaços de diálogo, que às vezes são espaços de silêncio, onde o diálogo se semeia. Procurámos sempre nunca infantilizar os nossos filhos: para eles todas as perguntas são possíveis e todas as respostas são completas ou tão completas quanto podemos. Quando não sabemos, não sabemos, sem deixar de dar a nossa opinião, se temos dúvidas assumimo-las, como assumimos o que sabemos, com naturalidade e abertura.
Por vezes a transmissão da fé é um dos pontos em que essas dúvidas podem surgir. Porque não queremos impor o que eles não percebem ou não podem viver da mesma forma, porque eles são irrequietos e se pode gerar uma tensão entre a solenidade de certos momentos e o à-vontade com que eles estão. No final, é sempre a mesma tensão: entre infantilizá-los ou exigir-lhes que cresçam. Ficam três exemplos, de como as coisas têm funcionado connosco.
1. De há muito tempo que procuramos dar graças às refeições. Muitas vezes apenas com um cântico, outras vezes com a possibilidade de cada um agradecer alguma coisa do seu dia. Se por alguma razão nos esquecemos, são sempre os mais novos – de 3 e 5 anos – que nos lembram. E, normalmente, eles têm sempre algo a agradecer.
2. Há muitos anos que fazemos oração com cânticos de Taizé. No ano passado fazíamos mensalmente uma oração deste tipo na paróquia onde vivemos, mas por qualquer razão um mês não acertou com as atividades da Igreja, no outro não acertou com a nossa agenda, que normalmente é bastante preenchida, foi-se perdendo. Um dos factores também foram as crianças: é uma oração de 45 minutos, onde o silêncio e os cânticos meditativos assumem uma importância grande. Tínhamos receio de prejudicar os adultos com o buliço das crianças – e elas são bastante irrequietas – e de elas próprias ganharem alguma aversão à oração, por não se identificarem com ela.
Entretanto surgiu outro convite: iniciámos um novo espaço de oração. Foi preciso ir buscar o material que habitualmente usamos para decorar o espaço, incluindo alguns ícones. Queríamos que tudo funcionasse bem, acabámos por optar por não levar os miúdos: a mãe ficou com eles, fui eu assegurar o compromisso. Nas equipas é assim: nem sempre todos fazem o mesmo.
No final da oração voltei para casa com os ícones. A nossa filha viu-os e disse:
“Ó pai já há tanto tempo que não fazemos oração”
“Gostavas de fazer oração, um dia destes?”
“Sim.”
“Então está bem, para a próxima vens comigo.”
3. A nossa filha de 6 anos decidiu escrever uma carta a uma amiga, que tinha estado doente. Nela lembrava o quanto gostava desta amiga e de brincar com ela e terminava dizendo que odiava uma outra colega de ambas.
Eu fiquei na dúvida: as palavras não têm a mesma força em todas as idades. Valeria a pena chamar-lhe a atenção? Ao mesmo tempo, aquela expressão tão forte: odeio. E o quanto ela tinha de gratuito, de desnecessário, de despropositado. Claro que percebia que ela queria salientar o quanto gostava de uma amiga, comparando com a outra, mas não ficava mais descansado por causa disso, pelo contrário.
Acabei por chamá-la: - “Filha lembras-te quando na missa fazemos “Pelo sinal da santa cruz livre-nos Deus, Nosso Senhor, os nossos inimigos?” Sim, que se lembrava. “Mas quem são os nossos inimigos?” - perguntei. Ela encolheu os ombros. “Foi a tua bisavó Cristina que um dia me ensinou: os nossos inimigos, de que nos queremos livrar são os nossos pensamentos” – e fez o sinal da cruz sobre a testa – “as nossas palavras”, – e fez o sinal da cruz sobre a boca – “e os nossos sentimentos.” – e fez o sinal da cruz sobre o coração. Eu percebo que tu gostes da tua amiga e acho bem. Até percebo que não gostes de alguém, por alguma razão. Mas não me parece que tenhas necessidade de o expressar nessa situação e de uma forma tão forte. Devemos ser cuidadosos com o que dizemos, especialmente quando dizemos mal de alguém ou de algo. Tantas vezes acabamos por mudar de opinião e já magoámos a pessoa com aquilo que dissemos, às vezes sem necessidade nenhuma. Por isso, querida, o melhor é livrarmo-nos dos maus pensamentos, das más palavras e dos maus sentimentos”.
Disse que sim, que percebia e foi-se embora corrigir o texto. Daí a pouco voltou. O texto agora dizia o quanto adorava ambas as amigas. Explicou-lhe que podia ser sincera, não precisava de dizer que adorava a colega, se não era o caso, bastava estar calada, se não tinha nada de bom para dizer.
“Sim, pai, mas sabes, quando estavas a falar lembrei-me de como brincamos juntas e de como gosto dela”.