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Pe. Alexandre Palma
Com Senso Sinodal
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Está em marcha um exigente processo sinodal. Em Outubro último quis o Papa Francisco colocar toda a Igreja, por um período de dois anos, a reflectir e discutir sobre os «desafios pastorais acerca da família no contexto da evangelização». Esclarecia ele mais tarde, em carta dirigida às famílias, que «a Igreja é chamada a anunciar o Evangelho, enfrentando também as novas urgências pastorais que dizem respeito à família». Ser discípulo de Jesus tem sempre muito de sinodal, isto é, de caminhar em conjunto. Com Jesus, em Igreja. Ou seja, com todos os outros seus discípulos, dos quais, nesse caminho, nos tornamos irmãos. Por isso, a verdade do discipulado cristão e a fecundidade da evangelização joga-se também na capacidade de empreender um autêntico caminho comum. Ou seja, de fazermos efectivamente sínodo.

A uma muito publicitada fase inicial (o questionário, que mereceu ampla divulgação e participação), outras se têm seguido neste caminho. A mais significativa terá sido a reflexão e discussão despoletada pela intervenção do cardeal Kasper no consistório de Fevereiro passado. A sua intenção foi, no essencial, de «fazer perguntas», consciente de que caberá ao «sínodo em sintonia com o Papa» encontrar as respostas. Aliás, terá sido isso que o próprio Papa lhe pediu: «exponha perguntas, não soluções». Ainda assim, no final da sua longa intervenção, o cardeal alemão ousou ir um pouco mais além, colocando sobre a mesa uma possível forma de repensar o «problema dos divorciados recasados». As reacções foram tão numerosas quanto vigorosas. Como se todas as ilusões e todos os medos em torno deste sínodo tivessem emergido a compasso. Perante algumas dessas reacções não posso deixar de me perguntar se estamos mesmo disponíveis para um efectivo caminho sinodal.

Não é a existência de uma pluralidade de perspectivas sobre o tema ou sobre a dita intervenção do cardeal que me incomoda. Pelo contrário, só posso saudar a possibilidade dessas mesmas perspectivas se exprimirem serena e honestamente. Sobretudo nesta fase de reflexão e discussão. Espero mesmo que faça escola. Além disso, o problema é complexo e a proposta de W. Kasper não estará isenta de debilidades. O que estranho é, desde logo, o que me parece ser um modo (possivelmente) enviesado de fazer sínodo. Não tomo sequer como séria a insinuação de que, ao mostrar disponibilidade para rever a práxis eclesial perante os divorciados recasados, o cardeal Kasper busca (somente) o aplauso do mundo. De tão desqualificada, moral e intelectualmente, esta insinuação anula-se a si própria. Mais séria e, portanto, digna de uma outra atenção parece-me ser a forma como nos dispomos a este caminho. É um facto que neste tema não partimos do ponto zero da história. Negá-lo ou querer negá-lo seria, no mínimo, uma ingenuidade. Com efeito, a Igreja chega a este sínodo com um longo passado de reflexão e ensino acerca da família. Este é um dado irrenunciável deste processo sinodal. Mas ao reconhecimento deste facto, deveremos acrescentar um outro: nunca chega verdadeiramente a caminhar quem, a priori, faz coincidir a meta do caminho com o seu ponto-de-partida. E deste enviesamento poderemos não estar de todo imunes. Fará parte de um autêntico processo sinodal a necessidade não apenas de levantar questões (como, pelos vistos, quer o Papa), mas também a disposição para aprofundar as nossas próprias formas de lhes responder (como, pelos visto, procurou W. Kasper). O desafio não estará sequer na falsa dialéctica entre continuar ou mudar. Graças a Deus, há mais caminhos que podemos percorrer. Temos é de nos dispor a isso.

Faço uma declaração de interesses: sou um leitor de W. Kasper. Com ele aprendo sempre. Mesmo quando possa não estar de acordo. Aprecio quem, como ele, não se esconde atrás de perguntas, mas se expõe ao risco de ensaiar possíveis respostas. Mesmo sabendo que dificilmente se acertará à primeira. Reconheço até que me agrada a ideia de (re)pensar o tema da família com outros parâmetros, que nos ajudem a ir sempre para lá do «rigorismo e do laxismo» (W. Kasper). Mas é apenas para o nosso espírito sinodal que queria aqui olhar. Podemos sempre esgrimir argumentos acerca da família e do consenso matrimonial. Todavia, nesta hora da Igreja, importa que o façamos realmente com senso sinodal!