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Guilherme d’Oliveira Martins
Recordar o padre Abel Varzim
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Comemora-se este ano o cinquentenário da morte do Padre Abel Varzim (1902-1964), figura central da história da Ação Católica Operária em Portugal. Diplomado em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Lovaina, com uma tese sobre o movimento cooperativo agrícola na Bélgica (Boerenbond), foi nomeado, em fins de 1935, assistente eclesiástico da Liga Operária Católica, dirigindo depois de 1939 o Secretariado Económico-Social, criado no âmbito da Junta Central da Ação Católica. O sacerdote foi deputado à Assembleia Nacional de 1938 a 1942, tendo-se afirmado como um defensor ativo e persistente da necessidade de políticas sociais ativas, tendo sido autor de um importante aviso prévio sobre os sindicatos nacionais (1939) e de diversos alertas relativamente ao desemprego e às condições laborais. O Padre Abel Varzim foi o grande animador do jornal «O Trabalhador», publicado, como quinzenário do movimento operário católico, de 1934 a 1946, altura em que foi suspenso por pressões políticas. Em Janeiro de 1948, o periódico reapareceu como semanário, tendo apenas editado 25 números, já que a censura levou ao fecho do jornal em Julho desse mesmo ano.

É impressionante a atualidade dos seus ensinamentos, que se leem como acabassem de ser escritos: «Querer melhorar a economia à custa do sacrifício do homem, no intuito de, num futuro, mais ou menos próximo, lhe poder valer, não será o mesmo que obrigar-se um homem a passar fome durante uns anos para poder juntar dinheiro a fim, de, mais tarde, levar uma vida regalada? Quando chegar a ter dinheiro para o gozar, já tem os ossos debaixo da terra ou, pelo menos, está em luta com a tuberculose ou com anemia perniciosa, de que nunca mais se curará por dinheiro que tenha. Encarar os problemas sob o ponto de vista económico, desprezando no ponto de vista social, é agravar o mal social. Quando o económico estiver salvo, talvez o social já não tenha remédio. (…) Não se despreze o ponto de vista social quando se resolvam os problemas, nem se esqueça que a economia é para o homem, e não o homem para a economia, com tantas vezes se faz não só em empresas particulares como em repartições do Estado. Olhe-se para as coisas do tempo, não vá estar desenganado o doente quando houver meios para o começar a tratar» («O Trabalhador», 15.1.1939).

Tornando-se incómodo, viu-se afastado da representação parlamentar na legislatura iniciada em 1942. A partir de 1948 é alvo de uma dura e persistente campanha política, que visa o seu desprestígio e a redução da sua influência, em virtude da persistência do seu combate à pobreza e em defesa dos direitos dos trabalhadores. O ânimo do Padre Varzim não se abate, seguindo os ensinamentos do futuro Cardeal Cardijn. Em 11 de fevereiro de 1951, no entanto, inicia funções como pároco da Encarnação (Lisboa), onde permaneceu até meados de 1957, desenvolvendo uma notabilíssima ação de combate à exclusão social, de defesa da dignidade das mulheres do Bairro Alto e da integração social das prostitutas. É o tempo de intensas campanhas de difamação e de tentativas de limitar drasticamente a sua intervenção social e pastoral… Todos nos lembramos dos impressionantes testemunhos desse tempo, e a recordação de António Alçada Baptista sobre a coerência do amor cristão que estava bem presente no combate sem tréguas contra todas as formas indignas de pobreza. Os seus detratores conseguiriam, porém, os seus intentos. Os últimos anos da sua vida passou-os em Cristelo (Barcelos), num exílio que muito magoou intimamente o sacerdote, afetando irreversivelmente a sua saúde. Foi, no entanto, um momento em que lançou as bases de um importante movimento associativo que hoje ainda produz bons frutos. O exemplo que nos deixou merece lembrança. Passados cinquenta anos da sua morte, quando relemos os seus textos e os testemunhos sobre a sua ação, percebemos que houve um sentido profético na sua persistente intervenção e na aplicação quotidiana no seu serviço das lições fundamentais do Evangelho. Oiçamo-lo, ainda: «Um cristão, sob pena de trair o cristianismo, não pode deixar de favorecer e desejar que as Nações se entendam, se auxiliem, se unam, se sacrifiquem umas pelas outras, se deem mutuamente as mãos. Amai-vos uns aos outros! O dever do amor implica união. Sendo todos irmãos, apenas oporemos a nossa recusa àqueles que vierem para nós, não como irmãos, mas como dominadores. Se uma união europeia significa, como parece significar, fraternidade, dêmo-nos a ela de alma e coração, que assim realizaremos a paz e a felicidade das futuras gerações» (25.5.48).