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Pedro Vaz Patto
Mais do que nos primeiros tempos
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O Papa Francisco já o disse várias vezes: os cristãos perseguidos por causa da sua fé são hoje mais do que nos primeiros tempos da Igreja. E disse, mais recentemente, que não especificava casos concretos porque isso poderia agravar a situação desses cristãos.

 São conhecidos, porém, casos que ocorrem no Iraque, na Síria, na Nigéria, no Paquistão, etc.

É também conhecido o caso de Miriam Ibrahim, uma mulher sudanesa, mãe de dois filhos pequenos, condenada à morte por apostasia, isto é, por ter abandonado a fé islâmica. Esta condenação desencadeou uma mobilização internacional de indignação, que parece ter dado frutos, pois, no momento em que escrevo, acabo de ler a notícia da sua libertação.

Uma notícia semelhante não chegou ainda para Asia Bibi, uma cristã paquistanesa há vários anos presa e ainda a aguardar a decisão (sucessivamente adiada) do recurso da sua condenação à morte por blasfémia, isto é, ofensa ao Islão (na verdade, terá afirmado apenas que Maomé não deu a sua vida pela humanidade, como fez Jesus Cristo).

Estas situações não são muito conhecidas, em Portugal como noutros países. Alias, já vários observadores têm notado que a perseguição aos cristãos em geral não suscita vagas de indignação comparáveis às que se suscitam quando estão em causa outras violações dos direitos humanos, por vezes não tão graves.

Temos que admitir que ao longo da História, não foi linear, também para os cristãos, o reconhecimento do valor da liberdade religiosa. Se sempre se reconheceu (pelo menos teoricamente) que a adesão à fé nunca poderia ser forçada, chegou a admitir-se que o abandono da fé poderia ser severamente sancionado. Basta evocar a história da Inquisição, tão presente na memória histórica portuguesa. Por tudo isso, pelas situações de emprego da violência pretensamente ao serviço da Verdade, pediu perdão São João Paulo II no jubileu do ano dois mil.  

Que a Verdade não se impõe pela força e que deve ser respeitada a liberdade de a ela aderir, ou não, afirmou-o claramente o Concílio Vaticano II na declaração Dignitatis Humanae: «A verdade não se impõe de outro modo senão pela sua própria força, que penetra nos espíritos de modo ao mesmo tempo suave e forte» (1).

É o que decorre da mensagem do Evangelho. Jesus não se impôs pela força, morreu na Cruz. E assim também os primeiros mártires. A revelação de um Deus que ama incondicionalmente as suas criaturas humanas leva-nos a concluir que Ele destas só espera uma resposta de amor, e por isso livre.

Do Alcorão também pode extrair-se o princípio de que «não há coerção na religião» (2;257). Mas há escolas jurídicas que defendem (e é isso que se verifica hoje em vários países, entre eles o Sudão) a punição, até com a morte, da apostasia, do abandono da religião islâmica (como se verificava em relação à religião católica nos tempos da Inquisição).

Mas também há quem no âmbito islâmico rejeite estas práticas, que não podem admitir-se num mundo que reconhece o valor universal dos direitos humanos e a importância do diálogo inter-religioso para a construção da paz.

De entre os direitos humanos, a liberdade religiosa ocupa um lugar cimeiro (só suplantado pelo direito à vida), pelo que, para os crentes, representa a religião no plano existencial: é ela que dá sentido e orientação a toda a vida.

Outra importante lição podemos colher destas perseguições.

Miriam Ibrahim foi pressionada para renegar a sua fé, o que a livraria da condenação à morte. Nunca o fez. Também não há quase nenhumas notícias de cristãos perseguidos em vários países que tenham renegado a sua fé, quando isso poderia fazer cessar essa perseguição. Num tempo em que impera o relativismo e a indiferença, isto faz-nos pensar.