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Cónego Horácio celebrou 60 anos de sacerdócio
Um coração repartido entre a cidade e o Oeste
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Foi o padre que assistiu o Cardeal Cerejeira na Missa conclusiva do Concílio Vaticano II. “Foi um dos momentos altos da minha vida”, diz o cónego Horácio da Silva Correia, que celebrou recentemente 60 anos de sacerdócio e cuja vida sacerdotal foi passada entre o centro da cidade de Lisboa (Santo Condestável e Lapa) e a zona Oeste do Patriarcado (Alcobaça e Torres Vedras).

 

Dezembro de 1965. Em Roma, a Igreja reunia-se para a Missa de encerramento do Concílio Vaticano II. O Cardeal Cerejeira, então Patriarca de Lisboa, fez-se acompanhar de um jovem padre de 36 anos, ordenado há cerca de dez, o padre Horácio da Silva Correia. “É verdade! O padre Canas, então diretor do Secretariado Diocesano da Catequese, tinha feito um trabalho a nível diocesano com as crianças da catequese, que tinham escrito um Evangelho à mão e eu, em Alcobaça na altura, fui convidado por ele a irmos a Roma entregar ao Papa esse Evangelho escrito à mão. Foi daqui um grupo jeitoso, que dias depois acabou por regressar a Lisboa, tendo ficado eu em Roma com o padre Canas. Ficámos numa casa da diocese, onde o senhor Patriarca se foi instalar, e na véspera do encerramento do Concílio o Cardeal Cerejeira veio ter comigo e diz-me: ‘Olha, prepara-te porque amanhã vais comigo, como meu secretário, participar na Missa com o Papa Paulo VI’. Eu alertei o senhor Patriarca que não tinha trazido a batina e ele respondeu-me: ‘Não faz mal! Vestes a minha, levas os meus paramentos e vais’. E assim foi!”, conta ao Jornal VOZ DA VERDADE o cónego Horácio da Silva Correia, mostrando a fotografia desse momento.

 

No seminário para… estudar

Este sacerdote de Lisboa que participou no encerramento do Concílio Vaticano II celebrou recentemente, a 29 de junho, 60 anos de sacerdócio. Nasceu no Lugar da Estrada, na freguesia de Atouguia da Baleia, Peniche, a 20 de abril de 1929. Família numerosa, com mais de dez filhos, a família do pequeno Horácio procurava “cumprir os preceitos religiosos”. “Éramos 11 irmãos! A minha família era uma família cristã, alargada, em que todos procuravam cumprir os seus deveres cristãos de, pelo menos, ir à Missa ao Domingo. Foi-nos ensinado que também nos relacionássemos pessoalmente com Deus, na medida em que rezássemos e levássemos uma vida de acordo com a sua santíssima vontade. Tudo isto procurámos viver com o conhecimento que na altura tínhamos destas realidades espirituais”, conta, hoje, o cónego Horácio.

A família Silva Correia era “uma família com prestígio na terra”. “O meu pai era uma pessoa muito bem aceite; a minha mãe era uma mulher de trabalho, de sacrifício, de luta, como se exige, naturalmente, a uma senhora que teve tantos filhos. Os meus pais, de facto, fizeram tudo quanto puderam para que cultivássemos alguma cultura”. Foi nessa procura de oportunidades para o futuro dos filhos, que a família teve de se mudar. “Quando eu era pequeno, fomos emigrados para Caldas da Rainha. Alguns dos meus irmãos tinham encontrado trabalho lá e levaram para a sua companhia os mais novos, para poderem também eles serem formados nas escolas públicas, ou seja, na escola técnica que na minha terra não havia, nem perto”.

O adolescente Horácio não chegou a fazer o liceu em Caldas da Rainha porque, anos antes, tinha entrado no seminário. “Na época, o seminário era o local de formação não para padres, mas para onde iam os alunos que queriam prosseguir os estudos, tal como no liceu. Nós não íamos para o seminário por ter vocação para sacerdotes. A minha vocação, e estou convencido que a vocação da maior parte dos meus antigos colegas, veio depois, porque nós íamos para o seminário para estudar, para nos prepararmos, para nos formarmos, para nos qualificarmos intelectualmente e em todos os aspetos da vida”. Quando se poderá, então, falar em caminho de discernimento vocacional? “A minha vocação surge mais tarde, no meio deste contexto”, responde o cónego Horácio. “Só mais tarde, quando já se está numa idade mais madura, de esclarecimento, aí é que se coloca a vocação e a pessoa começa a perceber que o seu passado vai em ordem a um chamamento, mas não é definitivamente a resposta para a vocação”.

 

Dois sinais de Deus

Falando do seu caso concreto, o cónego Horácio da Silva Correia lembra os sinais de Deus para o seu discernimento. “Tudo é misterioso nestes caminhos de Deus, nos caminhos da perfeição. No entanto, quero referenciar dois pontos que pessoalmente considero muito importantes: eu fiz a escola primária nas Caldas da Rainha, com o velho professor Faria, e no primeiro dia de escola, quando eu tinha 7 anos, o professor quis conhecer mais de perto os seus alunos e recordo-me de responder que queria ser padre quando fosse grande! Aos 7 anos não sabemos o que queremos ser, mas eu tinha, já nessa altura, uma referência grande, o cónego Fernando Duarte, que era vice-reitor do Seminário de Santarém e todos os anos ia à minha terra pregar a festa do Sagrado Coração de Jesus. Ele juntava muito povo, as pessoas gostavam imenso de o ouvir e era um padre que cativava as crianças. Portanto, um primeiro encontro misterioso com Deus, no sentido da vocação sem o próprio saber ainda se seria ou não. Foi um momento muito importante, que pesou na decisão, mais tarde”. O segundo momento, que o cónego Horácio considera “bastante mais forte”, envolve a morte de um seu irmão, quando este era… seminarista. “Um acidente vitimou um irmão meu, o Celestino, que se encontrava no Seminário dos Olivais, no 2º ano de Teologia. Portanto, não era eu o primeiro na família a querer ser padre! O Celestino era muito amigo do cónego Fernando Duarte e estava muito convicto do seu caminho. O acontecimento da sua morte, por volta de 1938-39, foi impressionante. Eu era pequenino, estava junto do meu pai, no adro da igreja, à espera que saísse o cortejo fúnebre, e as pessoas prestavam os seus sentimentos e lembro-me de ele ter respondido a uma das pessoas: ‘Deus mo deu, Deus mo levou’. É uma lição de catequese, que vale por não sei quantas lições. Todas estas pequenas coisas, somadas, ajudaram-me na tal vocação ao sacerdócio”, expõe.

 

Festas significativas

O jovem Horácio, do Lugar da Estrada, passou 13 anos da sua vida no seminário. “Estive em Santarém quatro anos, porque ‘perdi’ um deles e como era muito amigo do vice-reitor cónego Fernando Duarte não me importei nada!; depois estive três no Seminário de Almada, sendo que fomos cada vez menos alunos a prosseguir o curso; dali fui para o Seminário dos Olivais, onde fiquei seis anos, entre 1948 e 1954, ano da minha ordenação”. Do tempo de seminário, este sacerdote destaca o estudo. “Gostei muito de ter estado no seminário. Gostei da continuação dos estudos da Teologia, da Patrística e da Sagrada Escritura. Tínhamos um corpo de sacerdotes, orientadores, mestres, muito bem formado, muito competente, que nos ajudou imenso”, observa.

A ordenação sacerdotal, na Sé de Lisboa, pelo Cardeal Cerejeira, aconteceu no dia 29 de junho de 1954, Solenidade de São Pedro e São Paulo. “Tenho muito presente o dia da minha ordenação! Um grupinho simpático de gente da minha terra participou na celebração, mas tenho esse dia mais no coração do que nas palavras”, refere o cónego Horácio. A Missa Nova foi celebrada no largo da freguesia, “que é um largo bastante alargado”. “Estiveram presentes o cónego Fernando Duarte, um tio paterno, irmão do meu pai, que era Franciscano, o prior da freguesia, além de muita outra gente! Todo o aparato que estas festas encerram e toda a alegria que o povo da terra sente e colabora… é uma festa de cristãos muito significativa, muito importante”, frisa.

 

Missão numa paróquia da cidade

A primeira nomeação do recém-ordenado padre Horácio foi como coadjutor da paróquia de Santo Condestável, em Lisboa. “O pároco era o cónego Fernando Duarte e estou convencido que ele pediu ao senhor Patriarca para eu ir para lá. Na altura, estavam os padres Mário Cunha e João Trindade como coadjutores, além do padre Pires de Campos também como coadjutor mas que entretanto saiu e foi para capelão da aviação. Foram nove anos, entre 1954 e 1963, que gostei muito! Campo de Ourique era uma zona da cidade muito chique, onde as pessoas se davam bem, eram agradáveis umas para as outras e o contacto era muito familiar”, recorda. Nestes primeiros anos como padre, o cónego Horácio destaca o projeto de catequese que desenvolveu em Santo Condestável. “Montei uma catequese que atraiu muitas crianças à formação cristã. Tínhamos 300-400 crianças na catequese e muitos catequistas. Era uma festa! Eu animava, cantava, brincava com eles, acompanhava-os muito e a rapaziada gostava”, conta, lembrando igualmente “as reuniões com os Jocistas, com os escuteiros, com a Legião de Maria, e a visita aos doentes”. “Vivia-se com muito entusiasmo a fé cristã”, aponta.

A presença em Santo Condestável deixou marcas profundas no cónego Horácio. “Ainda hoje tenho muita gente dessa paróquia que é minha amiga, apesar do distanciamento no tempo. Todos os anos, um grupo de amigos meus de Santo Condestável, que na altura em que eu estava lá eram jovens e agora são adultos, aluga um autocarro e vem passar o dia de anos comigo”, revela.

 

O ‘regresso’ ao Oeste

Em setembro de 1963, o cónego Horácio deixa o coração da cidade de Lisboa e vai para o ‘limite norte’ da diocese, com a nomeação para pároco de Alcobaça. “Foram momentos muito ricos! Foi a primeira vez que passei a ser pároco e ia com um certo receio”, assume este sacerdote, que esteve quatro anos naquela terra. “Tenho recordações muito interessantes deste tempo. Antes da primeira homilia que eu iria fazer, fui mais cedo e parei num pinhal perto da Nazaré onde passei um bom pedaço do dia, a rezar e a escrevinhar a homilia para depois a proferir na celebração”, conta.

Depois desta missão em Alcobaça, o cónego Horácio foi nomeado, em 1967, para o Secretariado Diocesano da Catequese, para trabalhar com o padre Canas, como adjunto para o ensino primário, onde permaneceu seis anos, até voltar ao Oeste. “Em 1973 sou nomeado pároco de Torres Vedras onde fiquei 21 anos, até 1994. Ao longo destes anos, como eu era o vigário e estava no centro geográfico da vigararia, fui assumindo também diversas paróquias, como Carvoeira, São Domingos de Carmões, Runa e Cadaval. Deu muito trabalho, mas valeu a pena. Juntamente com os vários grupos e movimentos da paróquia, de certo modo e no bom sentido, ‘revolucionámos’ espiritualmente esta região, não só de Torres Vedras, mas toda a zona à volta”, refere.

A presença em Torres Vedras fez com que o cónego Horácio contactasse de muito perto com o jovem Manuel Clemente, hoje Patriarca de Lisboa. “O senhor D. Manuel Clemente foi ordenado sacerdote em 1979, precisamente nos 25 anos da minha ordenação. Lembro-me perfeitamente do jovem Manuel, muito alegre, muito bem-disposto, e parece que estou a vê-lo nas Missas de Domingo, lá ao fundo, sempre no mesmo sítio, cumprindo o seu dever. Era dirigente dos escuteiros e tínhamos muitas vezes as nossas reuniões”, conta, referindo que, “nessa altura, não imaginava que aquele jovem extraordinário de Torres Vedras pudesse fazer a ‘carreira’ que tem feito na Igreja”.

 

O regresso ao coração da cidade

A última paróquia que o cónego Horácio assumiu foi a paróquia da Lapa, numa nomeação que marcou o regresso deste sacerdote ao coração da cidade de Lisboa. “Todas as paróquias por onde passei foram muito trabalhosas, porque todas elas eram grandes, eram sede de freguesia – em Torres Vedras, por exemplo, além do centro tínhamos mais 15 lugares à volta. A Estrela é ‘a’ freguesia da cidade! Eu já tinha uma experiência bastante alargada em Santo Condestável, mas a Lapa foi uma paróquia diferente, com muitos aspetos positivos e também muito trabalhosa por ser emblemática, por ser a paróquia da cidade”, conta o cónego Horácio da Silva Correia, que ficou na paróquia da Lapa até ao ano 2005.

 

Gratidão e amizade

No passado dia 29 de junho, o cónego Horácio regressou à terra que o viu nascer, o Lugar da Estrada, em Atouguia da Baleia, para a festa dos seus 60 anos de sacerdócio. A celebração foi presidida pelo padre Carlos Marques, pároco desta paróquia, e teve lugar na igreja de Nossa Senhora da Esperança, construída no mesmo largo onde há 60 anos o cónego Horácio tinha celebrado a sua Missa Nova. A serenidade do olhar e da personalidade foi a característica que o pároco de Atouguia da Baleia destacou na figura do cónego Horácio que, nesta celebração, leu o Evangelho daquele Domingo e agradeceu a “prova de gratidão e amizade” que todos lhe demonstraram.

texto por Diogo Paiva Brandão; fotos por Badaladas e arquivo do cónego Horácio
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