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Pedro Vaz Patto
O Médio Oriente sem cristãos?
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Os cristãos do Oriente vão desaparecer?- com este título foi publicado em França em 2008 (Ed. Salvador) um livro da autoria da investigadora e jornalista Annie Laurent. A emigração crescente e a fuga de guerras e perseguições já então justificavam esse receio. Um receio que atinge agora o seu cume com o êxodo da comunidade assíria da região iraquiana de Mossul, colocada pelo Exército Islâmico do Iraque e do Levante perante as alternativas da conversão ao Islão, do pagamento de um imposto de valor incomportável para a grande maioria, ou da morte. As propriedades deixadas desocupadas pelos que fogem são marcadas com a letra inicial da palavra “nazareno” (nome por que são designados os cristãos no Alcorão), sinal que permite o confisco das mesmas.

Não podem deixar de nos vir à memória episódios dos mais sombrios da história mais recente, como a perseguição aos judeus (também eles marcados com sinais estigmatizantes) durante a ascensão do nazismo, ou a “limpeza étnica” durante a guerra nas regiões da antiga Jugoslávia (também agora assistimos a uma “limpeza” étnica, cultural e religiosa).

A situação é de tal modo grave que – com surpresa de alguns- o Papa Francisco, na linha dos bispos locais, apelou a uma intervenção armada para «conter o agressor injusto». Já o tinha feito João Paulo II numa situação análoga, no auge da operação de “limpeza étnica” da Bósnia («desarmar o agressor» foi a expressão por este então usada). Os muitos limitativos critérios da doutrina da Igreja quanto à legitimidade de uma intervenção armada nos tempos de hoje estão preenchidos quando, esgotadas todas as possibilidades de negociação, representantes da comunidade internacional (não a decisão unilateral de uma qualquer superpotência) atuam na estrita medida do necessário para a defesa da vida de populações vítimas de uma agressão em curso ou iminente (não para derrubar um qualquer governo, ou numa lógica apenas preventiva, como tem sucedido noutras situações). A passividade quando esses critérios estão preenchidos pode traduzir-se em autêntica cumplicidade num genocídio. É o que importa evitar agora, para que não venha a lamentar-se mais tarde a passividade da comunidade internacional que hoje lamentamos em relação a outras tragédias da história recente, como as da Bósnia ou do Ruanda.    

Impõe-se garantir a assistência humanitária urgente, mas, como têm salientado os bispos da região, não só: também que as vítimas perseguidas possam regressar às suas terras de origem.

A presença do cristianismo nesta região remonta ao século II (muito antes do Islão) e os cristãos iraquianos, como outros cristãos do Médio Oriente, são de cultura árabe (não ocidental) e, ao longo da história, muito têm feito para valorizar essa cultura (foram cristãos os autores dos primeiros dicionários de árabe moderno, por exemplo).

Muitos muçulmanos têm reconhecido a importância da presença dos cristãos no Médio Oriente, além do mais como garantia do pluralismo secular dessas sociedades, o qual constitui uma sólida barreira contra o fanatismo de que também são vítimas esses muçulmanos.

Annie Laurent, autora do livro acima referido, numa entrevista recente (in www.famillechrétienne.fr, 8/8/2014), vai mais longe e afirma, a respeito do papel das minorias cristãs no Médio Oriente: «podem trazer o progresso, a abertura, os valores do Evangelho – o perdão, por exemplo, o sentido da gratuidade, ou ainda o do bem comum»; «são uma minoria, mas as suas escolas, hospitais e obras socias são abertos a todos»; «o elemento cristão serve a unidade do Médio Oriente».

Todos perdem, pois, se os cristãos desaparecerem do Médio Oriente.