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Guilherme d’Oliveira Martins
A loucura da guerra…
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Vivemos uma guerra «combatida por partes, com crimes, massacres e destruições». Quem o disse, claramente, foi o Papa Francisco na celebração religiosa por ocasião do centenário do início da Primeira Guerra Mundial. Num local em Itália, onde estão sepultados cerca de catorze mil e quinhentos soldados mortos em combate, próximo da fronteira com a Áustria e a Eslovénia, o Sumo Pontífice afirmou que a guerra é uma loucura, na qual caminhamos a passos largos. Se virmos o que se passa no Mediterrâneo oriental, facilmente percebemos que o grito de alerta do Papa é algo de muito sério e merece ser ouvido, para daí se tirarem as devidas consequências.

“Por todos os mortos, por todas as vítimas da loucura da guerra de todos os tempos, a humanidade precisa chorar, e esta é a hora de chorar”, afirmou ainda o Papa Francisco, perguntando: “Como é possível isto?” Estas situações apenas são possíveis porque “nos bastidores, existem interesses, planos geopolíticos, avidez de dinheiro e poder” e também “a indústria das armas, que parece ser tão importante”. E o certo é que a guerra não respeita ninguém - idosos, crianças, mães, pais - e “transtorna tudo, incluindo a ligação entre irmãos”, mas a resposta de cada um não pode ser a mesma que Caim: “A mim, que me importa? Sou, porventura, guarda do meu irmão?” (…) “Estes planificadores do terror, organizadores do conflito, bem como os fabricantes das armas escreveram no coração: ‘A mim, que me importa?’” Contudo, é próprio da sabedoria reconhecer os erros, “provar tristeza por eles, arrepender-se, pedir perdão e chorar”.

Poder-se-á dizer que o Papa é excessivo no alarme que faz. Não, não há qualquer desmesura. É verdade que vivemos o momento mais perigoso desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Há sinais muito preocupantes que podem levar ao desastre, muito mais depressa do que se possa pensar. E há uma escalada que deve ser evitada, com coragem, determinação e sentido humanitário. Ninguém pode invocar Deus para fazer a guerra! E é indispensável encontrar caminhos seguros que permitam respeitar a dignidade humana de todos. Os episódios do Iraque e da Síria dos últimos anos corresponderam a uma acumulação de erros geradores do descontrolo, da violência quotidiana, do genocídio e da pior das tiranias, a da violência e do ódio.

Como dizia há dias o Bispo D. Manuel Linda: “um homem entregue a si mesmo, sem referência a Deus, é capaz das piores baixezas: de massacrar, crucificar, fuzilar, degolar, ainda que seja em nome da religião, como está a acontecer aos cristãos do Iraque, Síria, Eritreia e de tantos outros lugares do mundo”. E temos de nos recordar dos ensinamentos fundamentais de S. João XXIII na encíclica «Pacem in Terris». «A todos os homens de boa vontade incumbe a imensa tarefa de restaurar as relações de convivência humana na base da verdade, justiça, amor e liberdade: as relações das pessoas entre si, as relações das pessoas com as suas respetivas comunidades políticas, e as dessas comunidades entre si, bem como o relacionamento de pessoas, famílias, organismos intermédios e comunidades políticas com a comunidade mundial. Tarefa nobilíssima, qual é realizar verdadeira paz, segundo a ordem estabelecida por Deus» (PT, V). Infelizmente há uma cortina de indiferença perante estas responsabilidades.

Na mensagem ao Congresso sobre o Quinto Centenário da Diocese do Funchal, a primeira diocese global, donde saíram, no século XVI, as de Goa, Angra, Cabo Verde, S. Tomé e Salvador da Bahia, lembrei a importância da passagem do velho espírito de cruzada ao novo espírito missionário e a necessidade de pensar a globalização de hoje à luz do humanismo universalista e da perenidade de uma espiritualidade baseada na liberdade, na justiça e no respeito mútuo. O Concílio Vaticano II desafia-nos a ir mais além no campo do respeito mútuo. No fundo, a cultura da paz exige não o pacifismo da indiferença, mas a recusa determinada da cegueira da violência.