Lisboa |
D. Manuel Clemente analisa Sínodo dos Bispos sobre a Família
A proposta cristã numa nova realidade familiar
<<
1/
>>
Imagem

No final do Sínodo dos Bispos sobre a Família, que decorreu em Roma, D. Manuel Clemente, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, considera que “a envolvência” seguida pelo Papa Francisco neste Sínodo “vai marcar uma nova fase na vida Igreja”.

 

De regresso a Lisboa, após participação no Sínodo extraordinário dos Bispos sobre a Família, que decorreu em Roma, entre 5 e 19 de outubro, D. Manuel Clemente destacou, em conferência de imprensa, o carácter de novidade que o Papa Francisco trouxe à Igreja com a convocação desta reunião. “O Papa Francisco sabe que um assunto desta complexidade não se resolve facilmente, apenas repetindo o que está dito, mas é preciso incidir numa realidade nova onde a tradição familiar também se apresente”. Para o Patriarca de Lisboa, o principal aspeto a destacar com este Sínodo extraordinário foi a “caminhada que envolveu e a amplitude de intervenientes – que foi inédita”, considerou. “De Lisboa contámos com mais de 14 mil respostas ao inquérito que foi feito há um ano atrás”, revelou, em conversa com os jornalistas, no Mosteiro de São Vicente de Fora, no passado dia 21 de outubro.

 

As etapas

“Ninguém pode prever – julgo que nem o Papa Francisco – onde estaremos nesta reflexão acerca desta realidade familiar em outubro de 2015”, data da realização do próximo Sínodo sobre a família, referiu D. Manuel Clemente, descrevendo as “etapas” que compuseram este Sínodo e falando sobre a forma como decorreram os trabalhos. “Depois de uma primeira fase que consistiu na consulta realizada há um ano, a Igreja reuniu-se em Assembleia Extraordinária de Bispos para debater o resultado dessa consulta e elaborar um relatório. Agora, o relatório vai voltar às dioceses para ser conversado com toda a gente que queira integrar essa reflexão, com particular apelo aos teólogos e biblistas. Depois, com base nessa reflexão, haverá uma outra assembleia sinodal, em outubro de 2015, com vários representantes das Conferências Episcopais”, explicou.

O “ineditismo da amplitude de sugestões que o Papa Francisco quer nesta reflexão” é, para D. Manuel Clemente, o principal ponto a destacar deste Sínodo extraordinário sobre a Família. Aos jornalistas, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) explicou também que, ao longo das duas semanas de trabalho existiu “um ponto e um contraponto”. “O ponto mais salientado, quer nas congregações gerais, quer nos trabalhos de grupo, foi a bondade, a importância, a conveniência da proposta cristã sobre a família – que nos legitima enquanto Igreja e que devemos manter – quando ela é realmente vivida e a necessidade que ela tem de ser devidamente preparada, celebrada e acompanhada”, lembrou o Patriarca de Lisboa.

Em contraste com a proposta cristã, embora com “uma mediatização maior”, o Sínodo também abordou e “considerou” outras “realidades que se apresentam” nos dias de hoje. “A fragilidade dos vínculos familiares, a crise dos vínculos duradouros, as uniões de facto, o problema das pessoas que têm uma orientação homossexual e o caso das famílias reconstituídas civilmente mas não sacramentalmente e o facto de essas pessoas terem vontade de voltar à vida sacramental foram abordados”, frisa o presidente da CEP

 

Reflexão continua

D. Manuel Clemente explicou também a forma como decorreram os trabalhos, que reuniram em Roma mais de 200 bispos e leigos. “Na primeira semana houve a oportunidade para todos falarem e alguns até repetiram. O Papa Francisco nunca interveio nas assembleias. No final dessa primeira semana, houve um primeiro resumo do que aconteceu e que foi conhecido na manhã de segunda-feira, 13 de outubro. Esse documento, apresentado pelo Cardeal hungaro, Péter Erdö, que continha alguns pontos sobre a possibilidade de os católicos ‘recasados’ poderem vir a aceder ou não aos sacramentos, em algumas condições e à atitude de acolhimento das pessoas com orientação homossexual, teve um grande impacto mediático”, lembrou D. Manuel Clemente. Para o presidente da Conferência Episcopal, o “ênfase que a mediatização colocou nesses dois pontos provocou um certo recuo, ou atitude de defesa”, que “transpareceu nos trabalhos de grupo, levando até algumas pessoas a questionar: ‘Parece que o Sínodo já está feito. O que nós estamos aqui a fazer?’”. Nos dias seguintes, com os relatórios dos grupos de trabalho, “continuavam a aparecer essas reservas e as afirmações sobre os dois pontos anteriores foram muito mitigadas”, revela o Patriarca de Lisboa. Chegados à Congregação Geral e apresentados os resultados desses trabalhos de grupo da segunda semana de reunião, “começou-se a gerar um certo ambiente de interrogação sobre o que o Sínodo vai dizer para alimentar a reflexão para o futuro, dado que essas questões estão presentes” nos dias de hoje. Para D. Manuel Clemente, “a reconsideração deste problema levou a que nas votações, quer da mensagem – votada globalmente, quer nas preposições finais, esses pontos voltassem a aparecer”. O Patriarca de Lisboa considera que, “para estes temas terem chegado à votação final, e mesmo sem maioria absoluta não terem passado, já é muito significativo e será uma reflexão que irá continuar”, à semelhança do que “foi escutado nos pronunciamentos do Papa Francisco”.

 

Das famílias para as famílias

Questionado sobre a aposta na mudança na preparação para o Matrimónio, envolvendo as próprias famílias, D. Manuel Clemente julga ser “possível, desejável e difícil se não for dado à dimensão familiar um lugar estrutural na vida das comunidades cristãs”. “O que este Sínodo evidenciou é que se temos algum contributo para dar à sociedade, em termos de estruturação familiar, temos que oferecer à preparação para a vida das famílias algo de absolutamente central da comunidade cristã. Toda a vida das comunidades cristãs tem de ser uma vida das famílias para as famílias”, aponta o Patriarca de Lisboa, lembrando a importância da experiência familiar para a formação dos sacerdotes e das jovens que seguem a vida religiosa. “Geralmente, existe sempre uma experiência familiar muito rica que leva os jovens, à maneira de Jesus, a ‘sublimar’ a tendência normal para a conjugalidade, para a família dos filhos de Deus”, aponta.

 

Variedade de carismas

No encerramento do Sínodo extraordinário dos Bispos para a Família, em Roma, o Papa Francisco expressou “reconhecimento e gratidão” pelo decorrer das duas semanas de trabalhos e destacou o caminho sinodal percorrido: “Vivemos realmente uma experiência de ‘Sínodo’, um percurso solidário, um ‘caminho juntos’. As tentações não nos devem nem assustar nem desconcertar e muito menos desencorajar, porque nenhum discípulo é maior do que seu Mestre; portanto se Jesus foi tentado, os seus discípulos não devem esperar um tratamento melhor”, lembrou o Papa.

Falando das “discussões animadas” que se viveram durante os dias do Sínodo dos Bispos e que tiveram eco nos meios de comunicação social, Francisco manifestou “reconhecimento e alegria” por escutar e por serem sinal da variedade de carismas que existem na Igreja. “Vi e escutei discursos e pronunciamentos plenos de fé, de zelo pastoral e doutrinal, de sabedoria, de franqueza, de coragem. Esta é a Igreja, a nossa mãe! E quando a Igreja, na variedade dos seus carismas, se expressa em comunhão, não pode errar: é a beleza e a força do sensus fidei, daquele sentido sobrenatural da fé, que é doado pelo Espírito Santo para que, juntos, possamos todos entrar no coração do Evangelho e aprender a seguir Jesus na nossa vida. Isto não deve ser visto como motivo de confusão e de mal-estar”, salientou o Papa Francisco, no discurso do penúltimo dia de reunião sinodal.

Perante quase duas centenas de bispos, entre os quais D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, o Papa Francisco lembrou o “dever” de serem “servidores” da Igreja de Cristo: “Todos os bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, têm a missão e o dever de custodiá-la e de servi-la, não como donos, mas como servidores. O Papa, neste contexto, não é o senhor supremo, mas sim um supremo servidor, o garante da obediência e da conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à tradição da Igreja, deixando de lado todo arbítrio pessoal, mesmo sendo – por vontade do próprio Cristo – o ‘Pastor e Doutor supremo de todos os fiéis’”.

No final do discurso, o Papa lembrou que existe agora um período de um ano “para amadurecer, com verdadeiro discernimento espiritual, as ideias propostas e encontrar soluções concretas às tantas dificuldades e inumeráveis desafios que as famílias devem enfrentar; dar respostas aos tantos desencorajamentos que circundam e sufocam as famílias”, concluiu.

  

______________________


Um olhar para o Sínodo

Terminou, no passado dia 19 de Outubro, a Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos. Esta foi uma etapa intermédia na caminhada Sinodal que terminará em Outubro de 2015.

A primeira mais valia deste caminhada sinodal foi trazer à reflexão da Igreja o tema da família. Na verdade, esta nova etapa evangelizadora pede uma pastoral mais familiar, pede uma Igreja que se entenda como «Família das famílias». Não é por acaso que o Papa da Evangelii Gaudium tenha escolhido para tema do seu primeiro sínodo a família.

Desta etapa sinodal gostaríamos de salientar três aspectos que nos parecem fundamentais para um maior desenvolvimento da Pastoral Familiar.

O primeiro ponto tem a ver com a importância de valorizar os aspectos positivos que encontramos nas famílias dos nossos dias. Esta foi uma tónica das várias intervenções dos padres sinodais, como podemos ver na mensagem final: «A luz que de noite resplandece atrás das janelas nas casas das cidades, nas modestas residências de periferia ou nos povoados e até mesmos nas cabanas: ela brilha e aquece os corpos e almas. Esta luz, na vida nupcial dos cônjuges, acende-se com o encontro: é um dom, uma graça que se expressa quando os dois vultos estão um diante o outro, numa “ajuda correspondente”, isto é, igual e recíproca. O amor do homem e da mulher ensina-nos que cada um dos dois tem necessidade do outro para ser si mesmo, mesmo permanecendo diferente ao outro na sua identidade, que se abre e se revela no dom mútuo».

No segundo ponto, sublinhamos a urgência de uma autêntica compreensão do sacramento do Matrimónio. A concretização deste ponto passa por duas realidades: uma boa preparação para o matrimónio e uma vivência familiar enraizada na graça sacramental. Vejamos o que nos diz a mensagem final: «O itinerário inicia com o noivado, tempo de espera e de preparação. Realiza-se em plenitude no Sacramento onde Deus coloca o seu selo, a sua presença e a sua graça. Este caminho conhece também a sexualidade, a ternura, e a beleza, que perduram também além do vigor e do frescor juvenil. O amor tende pela sua natureza ser para sempre, até dar a vida pela pessoa que se ama. Nesta luz, o amor conjugal único e indissolúvel persiste, apesar das tantas dificuldades do limite humano; é um dos milagres mais belos, embora seja também o mais comum. Este amor difunde-se pela fecundidade que não é somente procriação, mas também dom da vida divina no Batismo, educação e catequese dos filhos. É também capacidade de oferecer vida, afeto, valores, uma experiência possível também a quem não pode gerar. As famílias que vivem esta aventura luminosa tornam-se um testemunho para todos, em particular para os jovens».

Por último, salientamos a importância que o Sínodo dá ao acompanhamento das famílias, como podemos ver na mensagem final: «Durante este caminho, que às vezes é um percurso instável, com cansaços e quedas, tem-se sempre a presença e o acompanhamento de Deus. A família de Deus experimenta isto no afeto e no diálogo entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs. Depois vive isto ao escutar juntos a Palavra de Deus e na oração comum, um pequeno oásis do espírito a ser criado em qualquer momento a cada dia. Existem, portanto, o empenho quotidiano na educação à fé e à vida boa e bonita do Evangelho, à santidade. Esta tarefa é, frequentemente, partilhada e exercida com grande afeto e dedicação também pelos avôs e avós. Assim, a família se apresenta como autêntica Igreja doméstica, que se alarga à família das famílias que é a comunidade eclesial. Os cônjuges cristãos são, após, chamados a tornarem-se mestres na fé e no amor também para os jovens casais».

Agora temos ainda um ano para discernir as ideias propostas e encontrar soluções concretas às tantas dificuldades e desafios que as famílias enfrentam. Será um ano para trabalhar na “Relatio synodi” que, como afirma o Papa Francisco, é o resumo fiel e claro de tudo aquilo que foi dito e discutido na sala e nos círculos menores. E será apresentado às Conferências Episcopais como “Lineamenta” do próximo Sínodo Ordinário dos Bispos em Outubro de 2015.

 

P. Rui Pedro Trigo Carvalho, diretor do Sector da Pastoral Familiar do Patriarcado de Lisboa

  

______________________


Beatificação do Papa Paulo VI: a alegria constante que provinha da Cruz

No encerramento do Sínodo extraordinário sobre a Família, no passado Domingo, dia 19 de outubro, o Papa Francisco beatificou, na Praça de São Pedro em Roma, o Papa Paulo VI que foi também o autor da Carta Encíclica ‘Humanae Vitae’ (1968). Na homilia, o Sucessor de Pedro agradeceu a Deus o “humilde e profético testemunho” de Paulo VI. “A respeito deste grande Papa, deste cristão corajoso, deste apóstolo incansável, diante de Deus hoje só podemos dizer uma palavra tão simples como sincera e importante: Obrigado!”, frisou Francisco. O Papa recordou ainda a “grandeza do beato Paulo VI” ao citar uma nota, daquele que foi o “grande timoneiro do Concílio Vaticano II: «Talvez o Senhor me tenha chamado e me mantenha neste serviço não tanto por qualquer aptidão que eu possua ou para que eu governe e salve a Igreja das suas dificuldades atuais, mas para que eu sofra algo pela Igreja e fique claro que Ele, e mais ninguém, a guia e salva»”.

Em entrevista à Agência Zenit, o vice-postulador da Causa de Beatificação do Papa Paulo VI, D. Antonio Lanzoni, lembra o “profundo amor por Cristo que foi uma constante” na vida do beato Paulo VI. “Ensinava que se deve conhecer Jesus para viver e sempre ser aluno na sua escola. Fez seu o lema de Santo Ambrósio: ‘Cristo é tudo para nós’. A sua alegria, a sua paz profunda provinha da Cruz e da ressurreição de Cristo”, recorda, lembrando ainda o amor do novo beato pela Mãe de Deus. “Em 1964, no contexto do Concílio Vaticano II, proclamou Maria ‘Mãe da Igreja’, provocando o consentimento dos Padres conciliares, que se levantaram espontaneamente para aplaudir”.

A devoção mariana fez com que Paulo VI fosse o primeiro Papa a visitar o Santuário de Fátima, em 1967. Na Cova da Iria, na manhã em que Paulo VI foi beatificado, ouviram-se novamente as palavras proferidas pelo novo beato durante a visita àquele local: “Homens, dizemos neste momento singular, procurai ser dignos do dom divino da paz. Homens, sede homens. Homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo. Homens, sede magnânimos. Homens, procurai ver o vosso prestígio e o vosso interesse não como contrários ao prestígio e ao interesse dos outros, mas como solidários com eles. Homens, não penseis em projetos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projetos de conforto comum e de colaboração solidária. Homens, pensai na gravidade e na grandeza desta hora, que pode ser decisiva para a história da geração presente e futura; e recomeçai a aproximar-vos uns dos outros com intenções de construir um mundo novo; sim, um mundo de homens verdadeiros, o qual é impossível de conseguir se não tem o sol de Deus no seu horizonte”.

texto por Filipe Teixeira; fotos por Filipe Teixeira e agências
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Impressiona como foi festejada a aprovação, por larga e transversal maioria de deputados e senadores,...
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES