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Pedro Vaz Patto
O Sínodo continua
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Foram muitos os observadores que disseram não se lembrarem de um Sínodo tão animado, com tão autêntica liberdade de expressão e tão vivo e salutar pluralismo de opiniões.

O Papa Francisco havia, no início, chamado a atenção dos padres sinodais para a importância de falar com toda a franqueza e de escutar com humildade e abertura de coração. E também exprimira a sua fé no Espírito Santo, que há de conduzir à unidade de pensamento, como sucedeu noutros períodos da História da Igreja. Foi assim, na verdade, no Concílio Vaticano II, em que animados debates, com posições à partida divergentes, não impediram que os documentos finais tenham sido aprovados por larguíssima maioria.

As divergências decorrem do facto de uns darem mais relevância à perenidade da doutrina, de que a Igreja é depositária e não dona, enquanto outros enfocam mais a dimensão pastoral de acolhimento e proximidade em relação aos que vivem à margem dessa doutrina (alguns nas periferias existenciais de que tem falado o Papa). Para ilustrar a complementaridade destas duas perspetivas, houve quem evocasse a imagem de um cristal com várias faces, ou o papel de guia do pai e da mãe em relação aos filhos: um que incentiva a audácia, outro que é mais cauteloso. Na verdade, a pastoral não é mais do que a aplicação da doutrina, e da doutrina faz parte a misericórdia, não em abstrato, mas para com pessoas concretas.

Mas esta harmonia não é fácil de atingir. Não podemos ignorar riscos de divisões dilacerantes. A História da Igreja revela que a unidade muitas vezes prevaleceu, mas também que ocorreram cismas, a que a Igreja resistiu, mas que talvez pudessem ter sido evitados. Também não me parece modelar o exemplo de sinodalidade vivido atualmente na comunhão anglicana, atravessada por divisões profundas que afetam princípios doutrinais e que a muitos fazem temer um cisma.

A propósito deste Sínodo, também houve quem temesse (sobretudo perante o texto da relação intermédia que, nalguns aspetos, não espelhava as opiniões da grande maioria dos padres sinodais) pelo abandono da doutrina, como se os alicerces de uma casa tremessem, e a Igreja fosse agora ceder perante os ventos da cultura dominante, como já o fizeram algumas comunidades protestantes (sem que com isso tenham atraído mais fiéis, antes pelo contrário).

A fidelidade à doutrina recebida de Jesus não é incompatível com a inovação, como se verificou no Concílio Vaticano II. A doutrina pode ser apresentada de outra forma, para mais facilmente ser compreendida em determinado contexto. E pode ser aprofundada, para nela descobrir riquezas ainda não descobertas (para além do que já conhecemos, aquilo que ainda temos «a aprender e atingir», como disse o Papa no seu discurso no final do Sínodo). Mas este aprofundamento nunca se confundirá com a rotura (dizer hoje o contrário do que se disse ontem), e há de ser sempre orientado por uma maior fidelidade ao Evangelho, não por uma qualquer cedência à mentalidade do mundo ou à cultura dominante.

Até à nova assembleia do Sínodo, marcada para daqui a um ano, continuará a reflexão e o diálogo sobre as questões debatidas pelos padres sinodais.

Penso que seria bom que essa reflexão e esse diálogo não se limitasse à questão que ainda divide os padres sinodais: a da possibilidade (ou impossibilidade, por respeito pela indissolubilidade do matrimónio) do acesso das pessoas divorciadas recasadas à confissão e comunhão. Muitas outras questões, em que se alcançou um largo consenso, merecem ser aprofundadas: a preparação para o matrimónio, o acompanhamento dos casais jovens, a apresentação da beleza do compromisso “para sempre” num contexto em que predomina a cultura do provisório, a abertura à vida como o maior dos dons.

Quanto à questão ainda em aberto e que dividiu os padres sinodais, a oração será certamente o melhor recurso para que se venha a encontrar o caminho que conjugue a fidelidade ao Evangelho e o amor para com as pessoas que sofrem.