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P. Duarte da Cunha
Unidade e paz na Igreja, na Família e no Mundo
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Perpassa por todo o Evangelho o desejo e o empenho de Jesus, e depois também dos Apóstolos, em garantir a unidade dos cristãos, em vincar que o ideal da família é a unidade e em insistir que a paz entre povos é uma bênção.

A missão de Jesus, e consequentemente, a salvação, pode ser bem entendida como a realização de uma comunhão, ou seja de uma unidade forte enraizada na verdade e no amor. Aliás, toda a realidade, todo o cosmos, toda a humanidade têm a sua origem na comunhão eterna e total que há entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não faria sentido um Deus que é comunhão criar a divisão ou não querer a unidade.

Todas as divisões são, por isso, contrárias ao desejo de Deus e à natureza das coisas. Ao invés, todo o esforço por construir a unidade, através da amizade e do diálogo, e todas as acções que geram reconciliação correspondem à vontade de Deus e realizam o bem de todos e cada um dos homens.

A unidade de uma família e a reconciliação quando há conflitos; a unidade da Igreja e o ecumenismo para recuperar a comunhão perdida com cismas e heresias, que foram surgindo ao longo dos anos; a paz e a solidariedade entre os Estados e a resolução dos conflitos são obras com o selo de Deus. Exigem disponibilidade e empenho dos homens, mas sem Deus seriam impossíveis.

Claro que é preciso reconhecer, em primeiro lugar que o outro ainda que deva mudar algo não é só mal e não deve ser destruído, abandonado ou desprezado; mas também exige um caminho de conversão nossa. Mesmo que eu esteja certo de ter razão, e não possa em consciência abandonar essa certeza, não quer dizer que não deva corrigir alguma ideia ou comportamento ou não precise de arrepender-me do que tenha feito mal. Ou que não deva reconhecer o que de bem há no outro.

S. Bernardo dizia que o pecador é o homem inclinado sobre si, e o homem convertido é aquele que se levanta e consegue ver a realidade, os outros e sobretudo Deus. O homem curvado não constrói unidade, mas isola-se. Um país fechado em si mesmo não está em paz com os outros, mas está sempre numa atitude de desconfiança. Uma Igreja que se recuse ao diálogo ecuménico ou que julgue que basta uma atitude relativista que não busca construir uma unidade visível não avança no caminho da conversão, porque pressupõe que para si está tudo em ordem, e acaba por vincar ainda mais as divisões. Não é assim que se cumpre a vontade de Deus.

O esforço do ecumenismo, assim como o empenho pela paz entre as nações e nas famílias, precisa deste trabalho e do diálogo mas também deve evitar dois erros.

O primeiro é confundir a unidade com uniformidade. A diversidade de culturas, as várias línguas, as múltiplas expressões que a mesma fé pode ter, ou a complementaridade entre marido e mulher, mostram bem que para haver verdadeira unidade é preciso que haja também a valorização do que cada um é e dos dons que cada um tem. A unidade do amor que Jesus propõe é algo que une pessoas diferentes fazendo que cada uma se sinta mais ela mesma.

O segundo erro é julgar que a unidade pode ser só aparente ou superficial. O amor que une duas pessoas tem de se traduzir, através do dialogo, numa unidade de objectivos. Se um governante só pensa no próprio bem e não consegue ver o bem comum, ou se só pensa no bem dos seus concidadãos e não consegue perceber o bem da solidariedade; se cada membro da família está mais preocupado em realizar os seus sonhos do que em construir uma família a partir da realidade das pessoas que a constituem; se os cristãos acham que a Igreja se deve adaptar à multiplicidade de ideias que há no mundo, então não surgirá unidade mas dispersão.

Para que cheguemos à unidade da Igreja, é preciso um processo de conversão; é preciso o diálogo para conhecer a aprender a valorizar o outro; é preciso não esquecer que o objectivo implicará unidade na doutrina, nos sacramentos, na aceitação do magistério do Papa. Tudo isto ajuda a recordar o que dizia S. Paulo: “Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só baptismo; um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos.” (Ef 4,4-6)