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Guilherme d’Oliveira Martins
Uma grande alegria…
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«…Na região encontravam-se uns pastores, que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. O anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor refulgiu em volta deles e tiveram muito medo. Disse-lhes o anjo: “Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: Hoje na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, Senhor. Isto vos servirá de sinal para o identificardes: Encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoira”…» (Lc., 2, 8-12). Aquela passagem sempre o intrigara. Como seria possível, àqueles pastores, poder identificar a referência da História. Por que razão o sinal era dado a gente tão simples. No entanto, a indicação era clara: «Encontrareis». Não havia sequer a indicação «Procurai». De facto, há muito que aqueles pastores sabiam, no íntimo seu coração, que a Luz Suprema viria. Mas ninguém suspeitava que fosse daquele modo inesperado. Tão inesperado, que ninguém encontrou lugar condigno numa hospedaria. De súbito, chegou como o mais simples de todos, deitado numa manjedoira, envolto em panos. Há muitos anos, que pensava naquela passagem, ponderando apenas aquelas palavras. Meditara longamente sobre cada uma delas. Lá estava o anúncio, a proclamação de uma grande alegria. E num mundo como aquele em que vivemos, que melhor sinal poderia haver senão o da alegria. Não era um fugaz sobressalto, um motivo momentâneo de júbilo, mas a realização de um sublime desejo. E tão magnífico desígnio não se limitava à singularidade de cada pessoa, era para todo o povo… Significava, pois, uma libertação do espírito, uma consumação da Verdade e da Vida. «Nasceu-vos um Salvador». O tema é difícil para tempos tão atribulados como os de hoje. Entre incertezas e imediatismos, entre ameaças e desilusões, que significaria aquele sinal nos dias que agora corriam? O século XXI é das comunicações altamente especializadas, da informação instantânea, da velocidade supersónica, da microinformática, das neurociências e de mil maravilhas antes impensáveis. Por isso, o sinal mais perturbador em toda aquela mensagem era a manjedoira, em lugar de um trono, de um palácio, de um centro de referência, de uma nave sideral que pudesse atrair o público com um mínimo de circunstância e pompa. Nada disso! Apenas havia um lugar esconso, o cheiro de um estábulo e uns animais corriqueiros. Onde poderia estar a atualidade daquela passagem antiga? E, no entanto, não havia dúvidas que aquele era o enigma fundamental, o tesouro escondido de que se fala desde tempos imemoriais… A esse momento da reflexão, juntava-se outro. O texto surpreendente acrescentava: «De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do Seu agrado”. Quando os anjos se afastaram deles em direção ao Céu, os pastores disseram uns aos outros: “Vamos até Belém e vejamos o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer”. Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoira. E quando o viram, começaram a espalhar o que lhes tinha dito a respeito daquele Menino» (Lc. 2. 13-17). É espantoso como o «Encontrareis» surge com uma tão grande precisão e naturalidade. Foram apressadamente e encontraram. Dir-se-ia que tudo se passa como se fosse ao virar da esquina. E, no entanto, estamos perante um mistério supremo, que permanentemente se reafirma no coração de cada um, sem explicações científicas, sem demonstrações outras que não as da esperança. Charles Péguy em «Os Portais do Mistério da Segunda Virtude», um dos magníficos cânticos à Esperança, lembra-nos: «A jovem esperança, / O movimento da esperança. / Quando um sangue novo começa a refluir no coração. / Como a seiva nova de abril começa a gotejar, / a brotar da dura casca. / Que ordem, que autoridade, que brutalidade, / que humilhação a da esperança» (tradução de Armando Silva Carvalho, Paulinas, 2014). Aí está uma insondável pergunta… (De um Conto de Natal…).