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Manuel Barbosa, scj
Tentados e transformados
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Escrevo estas notas mensais no dia de Natal, em plena celebração da presença do Amor de Deus em Jesus Cristo, que nos convida a habitar na sua casa simples transformada por Maria numa montanha de ternura, no dizer do Papa Francisco; é todo um programa de vida que tem as mãos e o coração de Maria, mãe de Deus e nossa mãe.

A grande tentação natalícia é ficarmos estagnados num olhar passivamente indiferente perante tamanha ternura, sem nos deixarmos transformar por dentro. Andamos tão amarrados a inúmeras coisas feitas presentes que nem saboreamos o grande Presente depositado no nosso coração.

Há três dias, no habitual discurso de «troca de prendas» e votos natalícias na Cúria Romana, o Papa Francisco deu-nos uma rajada de 15 tentações a ultrapassar ou doenças a combater. E quis que essas provocações natalícias não ficassem confinadas aos membros desse organismo central da Igreja. Disse alto e bom som que isso valia para todos: «todas estas doenças e tentações são um perigo para todo o cristão e para cada cúria, comunidade, congregação, paróquia, movimento eclesial, e podem atingir seja a nível individual seja comunitário».

Esse discurso foi considerado duro e arrojado pelos meios de comunicação social e também por muita gente e sectores da Igreja. Lido na clareza da letra e na profundeza de conteúdos, percebemos que só faz sentido se acolhido, a nível pessoal e comunitário, com o coração agradecido e transformado nas águas sacramentais da Reconciliação; tentados à maneira de Jesus, que transformou as escravas tentações de satanás em livres caminhos de Deus.

Na mesma entoação pode ser lida a Carta Apostólica do Papa Francisco às pessoas consagradas para proclamar o Ano da Vida Consagrada; um texto ainda não recebido nem assumido na Igreja, a correr o risco de se quedar pelos sites da web ou de ser alinhadinho nas estantes ou gavetas das nossas casas. E já levamos um mês da celebração desse Ano!

Saliento aqui algumas provocações aos consagrados, para que transformem as tentações paralisadoras em caminhos renovados na alegria e na esperança. E aí também se diz que isso não fica confinado àqueles e àquelas que, nos institutos de vida consagrada, levam essa forma de existência cristã; antes, diz respeito a toda a Igreja.

Quanto aos objetivos para o Ano da Vida Consagrada, permanecem as tentações de não olhar com gratidão o passado, de não viver com paixão o presente e de não abraçar com esperança o futuro. Alguns antídotos dispersos contra estas tentações: «narrar a própria história louvando a Deus e agradecendo-Lhe por todos os seus dons»; «ser mulheres e homens de comunhão, marcando presença com coragem onde há disparidades e tensões, ser sinal credível da presença do Espírito, viver a mística do encontro»; «não ceder à tentação dos números e da eficiência, e menos ainda à tentação de confiar nas próprias forças».

Quanto às expetativas para este Ano, há a tentação de não viver, com radicalidade e de forma especial, a alegria, a profecia, a comunhão eclesial, a atenção aos problemas do mundo e aos sinais dos tempos como presença de Deus. Também aqui retenho algumas provocações a exigir transformação de vida:

- «Que entre nós não se vejam rostos tristes, pessoas desgostosas e insatisfeitas, porque um seguimento triste é um triste seguimento... É a vossa vida que deve falar, uma vida da qual transparece a alegria e a beleza de viver o Evangelho e seguir a Cristo».

- «Espero que desperteis o mundo, porque a nota característica da vida consagrada é a profecia. Um religioso não deve jamais renunciar à profecia. Às vezes pode vir a tentação de fugir, de subtrair-se ao dever de profeta, porque se está cansado, desiludido com os resultados...»

- «Críticas, bisbilhotices, invejas, ciúmes, antagonismos são comportamentos que não têm direito de habitar nas nossas casas... Não vos fecheis em vós mesmos, não vos deixeis asfixiar por pequenas brigas de casa, não fiqueis prisioneiros dos vossos problemas... Encontrareis a vida dando a vida, a esperança dando a esperança, o amor amando».

Aceitemos o convite a transformar as tentações em atitudes irradiadoras da alegria do Evangelho!