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P. Duarte da Cunha
Liberdade: capacidade de gerar laços
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Passado um mês podemos rever, como já muita gente tem feito, os acontecimentos que levaram à morte de 20 pessoas em Paris no dia 7 de Janeiro.

Sobre “Charlie” já muito foi dito e a unânime manifestação de horror mostrou que o terrorismo não tem muito adeptos. Mas os debates não se ficaram apenas pela questão do terrorismo. Vemos, com efeito, surgir uma importante reflexão sobre a liberdade de expressão que nos obriga a pensar e a rever algumas ideias. Podemos dizer tudo o que nos passa na cabeça? Mas se não podemos, quem nos limita? Quais os critérios e quem os define para se poder saber o que é e o que não é possível dizer e fazer? E se alguém nos ofende podemos matá-lo?

Ora esta questão volta a trazer à ribalta o tema da liberdade. Ela é um desejo de todos. Ela é necessária à vida humana. Ela distingue os seres humanos de todas as outras criaturas nesta terra. Sem liberdade não conseguimos viver de um modo totalmente humano, porque sem a liberdade somos como autómatos e, por isso, não podemos amar. Sem liberdade uma sociedade não se aguenta.

O século XX mostrou bem como a liberdade é algo de essencial. Os vários regimes, de direita ou de esquerda, que tentaram eliminar a liberdade em nome da nação ou da sociedade sem classes, nunca se poderiam aguentar, de tão desumanos que eram. Sem liberdade a sociedade perde coesão. O ser humano é naturalmente livre e não se deixa amordaçar muito tempo!

Poucos dias depois dos atentados de Paris estive em Gaza, na Palestina. E vi o horror dos efeitos de uma guerra. Casas destruídas, um hospital totalmente arrasado, famílias desesperadas, proibição de importar cimento para reconstruir, falta de alimentos, promessas de ajudas internacionais que não chegam, fome. Saí de lá impressionado! Sem querer entrar em juízos políticos, o facto é que Gaza é uma grande prisão. O grupo com quem fui, contava com 16 bispos. Tínhamos todas as autorizações necessárias, e, mesmo assim demorámos 8 horas até que finalmente nos deixassem entrar! Parecia que entravamos numa prisão. E, na realidade, os habitantes de lá, mais de um milhão e oitocentos mil, nunca podem sair. Num dos territórios de maior densidade populacional no mundo, as pessoas estão presas a céu aberto. Foi esse elemento de falta de liberdade que mais nos impressionou.

Contudo, mesmo ali vi testemunhos de liberdade, de coragem, de amizade e pude constatar o desejo de não desistir em tanta gente. Encontrei-me com um dos padres católicos que está lá. Um padre brasileiro com quem estive longamente à conversa. Impressionou-me pelo realismo, pelo amor a Cristo e à Igreja, pelo desejo de permanecer junto do punhado de católicos que vivem naquele território. Para ele é clara a importância da presença dos cristãos como construtores de pontes e sinais de esperança numa sociedade onde tudo faz pensar que o futuro é mais guerra, mais ódio e mais vingança.

Voltando para o meu mundo, vim com a pergunta: será que aqui somos livres? Afinal que liberdade desejamos nós quando queremos ser livres? Seremos nós em Portugal e na Europa mais livres? Basta a liberdade do relativismo, da indiferença, da dúvida constante, aquela que se recusa a escolher, a avaliar, a comprometer-se? Queremos a liberdade do individualismo? Onde se confunde liberdade com ausência de laços, onde cada um é por si e ninguém tem nada que ver com o outro?

Ou queremos a liberdade que se associa à capacidade de amar e de encontrar a verdade? Afinal, quando é que me sinto livre? Quando não tenho obrigações nem estou orientado, ou quando sei para onde quero ir, consigo avançar e sou capaz de me unir aos outros?

A grande liberdade não é a do indiferente. Não é a da pessoa que está fechada em si, mas a da pessoa que se abre aos outros e que vence os limites deste mundo abrindo-se a Deus. Como nos tem dito o Papa Francisco, a verdadeira liberdade leva a pessoa a sentir-se comprometida com o outro. É uma liberdade que respeita e valoriza todos e cada um dos outros, mas mais ainda que ama, que vai ter com o outro, mesmo fazendo sacrifícios.

Para isso precisamos de ser libertados do pecado que nos mantém fechados em nós mesmos e precisamos de ser educados para que a mentalidade dominante, que desliga a liberdade do amor e da verdade, não penetre no nosso coração! A grande liberdade é a daquele que, sendo senhor de si mesmo, se deixa mover pelo amor e se dá aos outros.